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Paulo Rego – O TEMPO TRAZ SEMPRE O FUTURO

Há muitos anos, naquele tempo em que a juventude implicava que tudo estava por aprender, ouvi pela primeira vez um dos conselhos de gestão que o tempo provou ser eterno e universal. Muitas vezes, o problema de um conceito, de uma oportunidade ou de uma aposta não está na sua filosofia de base, na leitura que a justifica e potencia, na aposta nessa oportunidade ou na construção de equipas capazes de a pensar e de a executar. Ter razão, mas tê-la antes do tempo, não é necessariamente estar certo. Aliás, não raras vezes é mesmo letal. Mesmo não sendo, tem certamente custos. E, geralmente, são altos.
Vem isto a propósito da convicção de que a História, a cultura de fusão, mas sobretudo a decisão política da China em transformar Macau numa plataforma de ligação com os países lusófonos teria de fazer o seu caminho. Por isso nasceu este projeto, ao qual muitos outros estão a ser agregados, a maior parte deles estritamente ligados a interesses complementares e a forças políticas e empresariais que em larga escala ultrapassam a nossa capacidade interindividual, corporativa e comunitária. Há dez anos em Macau a estratégia que vinha de Pequim, plasmada nos textos assinados por Edmund Ho, era interpretada como simples eco de um discurso oco. Para português ver, mas não para ver com olhos de ver.
Durante os primeiros 15 anos da RAEM, o principal obstáculo à demonstração dessa oportunidade foi não termos percebido que nunca esteve em causa uma simples ideia para Macau, terra especialista no faz de conta. A questão é realmente chinesa, nacional e partidária; senão mesmo dinástica. Não é possível encarar a rota marítima que passa pela lusofonia – conceito, aliás, que urge reinventar, pelo seu caráter excessivamente português e redutor – como uma questão menor, como ninguém hoje negará a relevância global da língua portuguesa, sobretudo na internet. Cada um destes países, por si só, é uma potência regional. Juntos, e por atacado, abrem portas em cinco continentes. Reduzir esta visão estratégica a pílulas feitas para adormecer a comunidade portuguesa resistente em Macau foi, no mínimo, esquizofrénico. Mas a boa notícia é perceber que essa fase está a passar.
Na televisão, na rádio e nos jornais, mas também no Governo ou na Assembleia Legislativa, já não estamos a falar chinês quando discutimos o projeto lusófono chinês. A palavra agora repete-se, mina o pensamento estratégico e espalha-se a uma velocidade que chega a ser surpreende. Plataforma… Já há quem peça desculpas quando repete a palavra, vezes sem conta; há quem se ria quando começo a sorrir ouvindo-a em vez de a dizer; mas há sobretudo cada vez mais gente a interpretá-la e a reinterpretá-la à luz da visão particular que tem ou dos interesses que com ela pretende projetar. Essa é que é mesmo a circunstância que faz a prova do tempo. Esse tempo chegou para ficar. E é muito bem-vindo.
Vezes sem conta tenho dito que a China não precisa realmente de Macau para a construir. Mas Macau precisa dela para se reconstruir. De Pequim a Lisboa, passando pela África de língua portuguesa, a oportunidade de ser plataforma é hoje mais fácil explicar, é cada vez mais sedutora a ideia, é dia-a-dia mais excitante vende-la com entusiasmo renovado.
Para o bem e para o mal, é na comunidade portuguesa residente e, certamente não por acaso, a mais e melhor instalada, que ainda sobra a resistência. Talvez já não por bloqueio cultural ou consciente, mas apenas por estar preso àquele travão automático, muito próprio dos velhos do Restelo, que recusam fazer parte daquilo que não se rende à simples existência vigente: ser aquilo que sempre se foi não é um direito histórico e inalienável. É mais um tiro no pé. E a curva do tempo dobra à velocidade que muitos negaram ser possível. Também eles vão um dia dobrar, porque o futuro, esse sim, tem sempre o seu próprio lugar. Esse futuro, obviamente, pertence a todos que o queiram. Mas como diria o outro: quem já lá está recebe-o de braços abertos.

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