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Crescimento “estrangulado” e com teto “deliberado”, mas “viável”

Analistas da indústria de jogo destacam que as receitas dos casinos em 2023 bateram as previsões mais otimistas. Acreditam que o crescimento continua em 2024, mas sem ajuda do setor VIP, que terá ainda mais dificuldades em se afirmar. O mercado de massas permite maior retenção das receitas e pode até ultrapassar os números de 2019 já este ano. Contudo, alertam que o potencial do novo modelo está a ser “estrangulado“ pela falta de infraestruturas

Nelson Moura

Os casinos na RAEM arrecadaram 183.1 mil milhões de patacas em 2023, ou seja, cerca de 62,5 por cento do registado em 2019, de acordo com dados divulgados esta semana pela Direcção de Inspeção e Coordenação de Jogos (DICJ).

Os resultados, melhores que o esperado, são boas e más notícias para as concessionárias de jogo da cidade. Por um lado sinalizam um retorno a níveis próximos do período pré-pandemia, por outro significam que terão que desembolsar mais dinheiro para o desenvolvimento do setor não jogo.

Segundo os compromissos de investimento em elementos não jogo entre as concessionárias e o Governo, se os casinos de Macau faturassem mais de 180 mil milhões de patacas em qualquer um dos primeiros cinco anos das novas concessões, as operadoras teriam que reforçar os seus investimentos em 20 por cento.

“Ninguém esperava há um ano que os resultados do jogo atingissem 62,5 por cento dos valores pré-pandemia em 2023.

Previa-se 40 por cento, e mesmo assim já pensávamos que seriam previsões por alto”, disse Alidad Tash, diretor-geral da consultora 2NT8, numa entrevista à Bloomberg.

“Não deixa de ser uma história de dois segmentos. O segmento VIP de que Macau dependia tanto há 10 anos representa agora entre 10 e 12 por cento do total, quando costumava ser 75 por cento.”

Para o analista, o desempenho do mercado de massas tem sido uma “história incrível”, com uma recuperação de 90 por cento face ao período pré-pandémico, e com o quarto trimestre de 2023 a registar, inclusive, valores 5 por cento superiores a 2019.

Ryan Ho Hong Wai, do Centro de Estudos do Jogo e do Turismo da Universidade Politécnica de Macau, diz ao PLATAFORMA que, considerando a recuperação no ano passado e a instabilidade global, está “otimista” para 2024, mas “cauteloso”.

“O anterior modelo de jogo exclusivo para VIP é agora insustentável, enquanto o modelo orientado para o mercado de massas é uma solução mais viável e duradoura para os casinos de Macau”, aponta.

Para o investigador, a mudança estratégica para um modelo de massas é uma notícia positiva para as operadoras, pois permite-lhes proteger os seus lucros das comissões cobradas pelos promotores de jogo.

“As margens de lucro no setor VIP são muito mais pequenas em comparação com o mercado de massas, onde os casinos podem alcançar uma retenção de mesa de aproximadamente 20 por cento ou mais”, indica.

Ao mesmo tempo, Ho destaca que esta mudança gera otimismo relativamente ao panorama de longo prazo da indústria, com uma sólida indicação de crescimento no desempenho do mercado de massas previsto para os próximos anos.

A corretora Morgan Stanley, por exemplo, prevê que a receita bruta do jogo de Macau deverá crescer 28 por cento em termos anuais em 2024 e atinja 80 por cento dos níveis pré-Covid.

“Acredito que com os novos quartos de hotel disponíveis e o foco no setor não jogo, o segmento de massas terá melhores resultados do que no período pré-pandémico. Penso que os resultados brutos do jogo vão chegar a valores próximos de 80 por cento de 2019, ou 29 mil milhões de dólares. A festa vai continuar”, vaticina Tash.

O número de quartos de hotel disponíveis em Macau aumentou quase 25 por cento de 2022 para 2023, com cerca de 45.700 quartos disponíveis nos 137 hotéis existentes na cidade.

Problemas de infraestrutura

O analista da consultora de jogo Igamix, Ben Lee, considera, por outro lado, que a falta de infraestrutura hoteleira e de transportes e o desaparecimento dos grandes apostadores vão manter as receitas do jogo em Macau aquém dos valores alcançados antes da pandemia.

“É provavelmente mais do que as pessoas estariam à espera no início do ano”, admitiu Lee à Lusa, acrescentando que o cancelamento, no início de janeiro de 2023, da maioria das restrições impostas a turistas, incluindo estrangeiros, devido à pandemia.

No início de janeiro de 2023, a região chinesa abriu as fronteiras a todos os estrangeiros, incluindo turistas, levantando uma proibição que durou quase três anos.

Com o fim das restrições, Macau recebeu 25.3 milhões de visitantes nos primeiros 11 meses de 2023, quatro vezes mais do que no mesmo período de 2022, mas ainda 69,6 por cento do valor registado entre janeiro e novembro de 2019.

Macau recebeu quase 175 mil visitantes no domingo, o valor diário mais elevado desde que há registos, de acordo com dados oficiais divulgados pela Polícia de Segurança Pública da região chinesa.

A a Direcção dos Serviços de Turismo (DST) revelou que a ocupação hoteleira atingiu 90,8 por cento no período de Natal, entre 23 e 26 de dezembro.

“A maioria da recuperação”, diz Lee, foi gerada pelo chamado mercado de massas, composto por pequenos apostadores, que não recorrem a crédito das operadoras de casinos. Um segmento que “está muito perto dos valores de 2019”, acrescenta.

As receitas do jogo em Macau vão ficar em 2024 aquém dos picos registados antes da pandemia, prevê Lee, defendendo que isso “não seria aceitável politicamente” para o Governo Central da China, de onde provém a esmagadora maioria dos apostadores.

“Há uma estratégia deliberada para limitar, tanto a exposição [dos turistas chineses] ao jogo em casino no exterior como, potencialmente, os fluxos de capitais para fora da China”, diz o analista.

Lee admite que o mercado de massas “pode crescer mais 10 ou 15 por cento em termos anuais”, mas lamentou que “o potencial crescimento esteja estrangulado pela infraestrutura” de Macau.

“Estamos a ver hoje a mesma coisa que em 2013 e em 2019: ocupação hoteleira muito elevada, seguida de custos de alojamento muito elevados e, mais importante, falta de transporte público ou privado para os turistas se movimentarem em Macau”, afirma Lee.

Por outro lado, o analista refere que a cidade pode desistir de sonhar com o regresso dos grandes apostadores às mesas do bacará VIP, que antes da pandemia representava quase metade de todas as receitas do jogo, mas que se ficou por uma fatia de 24,1 por cento no terceiro trimestre de 2023.

Lee recorda que a Assembleia Legislativa está a analisar uma proposta de lei do Governo que irá impedir as empresas angariadoras de apostas VIP de conceder crédito a jogadores.

Sem isso, “que é basicamente a razão pela qual os ‘junkets’ existem”, Lee diz que Macau acabará por seguir o modelo de Singapura, onde este tipo de empresa desapareceu.

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