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O que querem os BRICS?

João Melo, Escritor e jornalista angolano Diretor da revista África 21João Melo*

Alguns militantes do mundo unipolar, submetido ao Império Americano, acusam os BRICS de serem não-democráticos, isto é, autocracias e ditaduras. Um deles, delirantemente, jura que o único membro “democrático” da referida organização é a Argentina, como se a África do Sul, o Brasil e a Índia não o fossem, com as suas limitações, como todas as democracias.

Tais militantes da “democracia imperialista”, que gostariam de impor a democracia nos outros países à força de invasões e guerras, lembrando-se dos velhos tempos das Cruzadas, omitem, convenientemente, que certos membros da atual santa aliança ocidental também têm pouco de democrático, criando para eles um rótulo ridículo: “democracias iliberais”.

Pergunte-se: países não democráticos podem fazer parte de todos os organismos internacionais, como o fazem, a começar pela ONU, mas não dos BRICS?

Explique-se, pois, qual o fundamento e a lógica dos BRICS: trata-se de somar aliados para gerir interesses, respeitando-se a soberania de cada um e colocando o desenvolvimento no centro da agenda global, ao invés de criar blocos de países partilhando alegadamente os mesmos valores e antagonizando os outros que defendam valores diferentes (ao ponto, em alguns casos, de inventar ou alimentar guerras contra os mesmos).

Na sua recente cimeira, os BRICS exprimiram o que querem num importante documento de 26 páginas, onde abordam seis grandes questões, o qual deveria ser lido e estudado por todos, a começar pelos que criticam a organização achando que se trata de uma criação maquiavélica da China e da Rússia e sem saber exatamente o que ela pretende.

Assim, no capítulo relativo à “parceria para um multilateralismo inclusivo”, os BRICS reafirmam a sua adesão aos princípios da Carta das Nações Unidas e defendem o papel central que a organização em questão deve desempenhar no quadro das relações internacionais, exprimindo a sua preocupação com o uso unilateral de medidas coercivas por parte de algumas nações contra outras, à revelia da ONU; apelam a uma maior representatividade dos países emergentes nas organizações internacionais; reiteram a necessidade de cooperação internacional no plano dos direitos humanos, incluindo a um desenvolvimento justo e equitativo; apoiam uma ampla reforma da Organização das Nações Unidas e do seu Conselho de Segurança; apoiam o estabelecimento de um sistema comercial mundial aberto, transparente, previsível, inclusivo e não-discriminatório.

No capítulo relativo ao “estabelecimento de um ambiente de paz e desenvolvimento”, os BRICS consideram que o multilateralismo e o papel central da ONU são pré-requisitos para a criação desse ambiente; defendem soluções pacíficas e negociadas para as diferentes crises e conflitos que assolam o mundo; apelam ao reforço do desarmamento e à não-proliferação de armas nucleares; condenam o terrorismo, em todas as suas formas e manifestações, reiterando que o mesmo não pode ser associado a nenhuma religião, nacionalidade, civilização ou grupo étnico; reafirmam o seu compromisso com um sistema de tecnologias de informação e comunicação aberto, seguro, estável, acessível e pacífico.

Os BRICS defendem também uma “parceria para o crescimento mútuo e acelerado”. Nesse sentido, encorajam as organizações internacionais e os organismos financeiros mútuos a criar um consenso global acerca das políticas económicas, assim como a prevenir os riscos sistémicos da disrupção económica e da fragmentação financeira; apelam ao estabelecimento de uma agenda internacional para resolução do problema da dívida; reafirmam que o G20 (onde alguns deles estão) deve continuar a ser o principal fórum multilateral global.

Quanto à “parceria para o desenvolvimento sustentável”, os BRICS reafirmam o seu compromisso com a implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável; sublinham a importância de combinar o uso sustentável dos recursos naturais e a conservação da biodiversidade; concordam com uma transição justa, equitativa e sustentável para uma economia de baixo carbono e de baixa emissão de gases, alertando para a necessidade de apoio, por parte dos países desenvolvidos, para que os países em desenvolvimento tenham acesso às tecnologias já existentes nesse sentido; recordam aos países desenvolvidos para honrarem os compromissos financeiros assumidos a fim de apoiarem as ações no domínio climático.

Os dois últimos capítulos da declaração referente à cimeira dos BRICS são: “aprofundamento das trocas entre os povos” e “desenvolvimento institucional”. Assim, a organização considera que as relações entre os cidadãos, não apenas no plano do empresariado, mas também da mídia, cultura, educação, desporto e artes, são importantes para o conhecimento mútuo, a compreensão, a amizade e a cooperação entre as nações membros dos BRICS; a adesão de novos membros (processo que deverá ser ampliado) foi considerada um reconhecimento do compromisso dos BRICS com o “multilateralismo inclusivo”.
Como podem, pois, os que se julgam “donos do mundo” gostar?

*Escritor e jornalista angolano Diretor da revista África 21

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