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Declarar guerra ao Brasil

Afonso CamõesAfonso Camões*

Acordei do sonho devagar, procurando juntar as pontas do que fizera de mim brasileiro em Portugal. Tínhamos declarado guerra ao Brasil e, em resposta, o gigante latino-americano engolira-nos em poucas horas, transformando este cantinho europeu no 29º estado daquela república federativa.

Num golpe de génio, certamente concertado com Lula da Silva, Marcelo tinha engendrado o plano que faria reverter aqueles famigerados 200 anos de independência e vadiagem. Simples, limpinho e sem um tiro, o presidente português ordenara o sequestro, consentido pelos próprios, do presidente brasileiro mais os sete ministros que o acompanhavam na visita. A retaliação, afinal tão rápida como desejada por todos os atores em cena, tinha feito voar para cá uma dúzia de companhias tucanas de comandos paraquedistas que em poucas horas ocuparam e neutralizaram as bases aéreas de Tancos, Monte Real, Cortegaça e Montijo, mais o campo militar de Santa Margarida, onde a brigada mista não esboçou sequer vontade de sair do estacionamento para conter os caipiras. Simbolicamente, a tropa brasileira viajara a bordo dos novíssimos aviões KC-390, o último grito da tecnologia aeronáutica da Embraer cuja estrutura incorpora, em mais de dois terços, o produto da investigação e engenharia portuguesas, com base nas linhas de montagem das OGMA, em Alverca do Ribatejo.

Afinal, nem a GNR se dera ao trabalho de deixar o quartel e resistir, tanto mais que era feriado a culminar quatro dias de ponte, tantos como no Carnaval, e quase metade dos guardas ainda gozavam folgas para compensar as horas extraordinárias da Operação Páscoa.

No final do golpe premeditado por Marcelo, certamente a pensar nos seus quatro netos que são a quinta geração dos Rebelo de Sousa a viver no Brasil, os discursos dum e doutro lado do meu sonho até nas intenções teimavam rimar: Lula a dizer que Portugal é “uma porta de entrada amigável na União Europeia”, e Costa a acrescentar que “Portugal quer ser o ponta-de-lança do Brasil”, lamentando embora “não falarmos com o vosso sotaque”. Enfim, já se sabe há muito, nada que alguma vez tenha atrapalhado o tradicional intercâmbio futebolístico que, apesar de tudo, ainda dá dez a zero ao ambicionado intercâmbio comercial. Isto, enquanto, no Palácio de Queluz, naquela que foi a casa onde nasceu e morreu o primeiro imperador brasileiro (o também nosso D. Pedro IV), Chico Buarque recebia o Prémio Camões/2019, galardão maior da língua portuguesa que Bolsonaro se recusara entregar-lhe, desafiando-nos com “Que tal um samba?”, o título do seu último álbum.

Acordo mesmo e, afinal, antes o sonho que o pesadelo de acordar num daqueles dias demasiado normais, quando, ao amanhecer e em plena sonolência, desperto para os noticiários que povoam o nosso universo, e chego a acreditar que o fim do mundo está de volta, ao virar da esquina. Por vezes, o dilema é levantar-me ou ficar recostado, para ver o espetáculo a partir da cama. Afinal, se o apocalipse está tão próximo quanto as notícias e as redes prenunciam, o melhor mesmo é usar o travesseiro como última barricada. Também por isso, ainda bem que hoje é feriado. Lula discursa na Assembleia da República Portuguesa, e é 25 de abril. Bom-dia! Viva o 25 de Abril!

*In Diário de Notícias

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