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“Todo o ambiente hospitalar em Macau está cheio de vírus”

Meimei Wong e Inês LeiMeimei Wong e Inês Lei

Profissionais de saúde das urgências do Centro Hospitalar Conde de São Januário descrevem um cenário grave, agora que um terço do serviço já testou positivo à Covid-19. Ao PLATAFORMA, dizem ser impossível contar o número de mortes associadas ao vírus, e contam o drama: “Todo o ambiente hospitalar está cheio de vírus”

Macau tinha vindo a implementar medidas rigorosas de controlo alinhadas com a política dinâmica de zero casos da China continental. Contudo, em novembro, houve uma reviravolta acentuada na atitude do Governo Central e do Governo de Macau. Pela primeira vez, houve um relaxamento das medidas de prevenção pandémica e o número de casos detetados aumentaram consideravelmente.

O diretor dos Serviços de Saúde, Alvis Lo, revelou durante uma entrevista no programa “Macau Talk” da Rádio Macau, na quarta-feira (21), que atualmente existem mais de 300 pessoas internadas, das quais cerca de 100 são casos graves, sendo que mais de 80 por cento dos casos graves estão relacionados com comorbidades e 10 por cento dos casos a envolver profissionais de saúde.

Embora várias clínicas comunitárias tenham entrado em funcionamento, ainda há muitos residentes que se sentem impotentes ao procurar ajuda.

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Kiki, uma mãe de dois filhos que reside na Areia Preta, conta ao PLATAFORMA que o seu filho de dois anos testou positivo e esteve durante a semana com febre alta e calafrios.

Primeiro, levou o seu filho a uma clínica comunitária, mas conta que mesmo depois de este tomar a medicação, permaneceu com febres altas (41 e 42 graus). Decidiu então imediatamente levar o filho para as urgências, tanto do Centro Hospitalar Conde de São Januário como do hospital privado, Kiang Wu, onde muitos adultos e crianças esperavam para ser atendidos. Esperou quase duas horas até o filho ver um médico, e quando tentou comprar medicamentos antipiréticos, não conseguiu.

“Todos rezamos pela proteção das crianças, mas é realmente difícil consultar um médico quando há casos positivos”. Apenas depois de ir a uma clínica privada em que teve de “implorar por uma consulta médica”, o filho finalmente recebeu uma injeção para reduzir a febre. Contudo, ainda apresenta febre alta e o marido levou ambos para um hotel de isolamento, de maneira a não infetar o bebé de poucos meses que têm em casa.

O Centro de Coordenação de Contingência do Novo Tipo de Coronavírus emitiu um comunicado de imprensa na terça-feira (20) dizendo que agora que o novo coronavírus se espalhou na comunidade, os Serviços de Saúde emitiram novas diretrizes, para que todas as instituições médicas recebam pessoas infetadas ou suspeitas de estarem infetadas, com necessidade urgente de cuidados médicos.

SEM DISTÂNCIA ENTRE AS CAMAS

Alguns médicos do Hospital Conde S. Januário revelaram ao PLATAFORMA que há falta de profissionais de saúde, pois médicos, enfermeiros e auxiliares já testaram positivo e não podem ir trabalhar. Basicamente, um terço da equipa do serviço de urgências teve que se ausentar do trabalho devido ao diagnóstico, afirmam. Isto levou a que o tempo de serviço tenha sido reduzido de três para dois turnos, com alguns funcionários de saúde a chegar a ficar de plantão por 12 horas seguidas.

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A escassez de pessoal de enfermagem levou também à sobrelotação do serviço de urgências e da sua área de triagem para pacientes. Ao mesmo tempo, não há camas suficientes para os pacientes e muitos dos idosos foram colocados em cadeiras de rodas ou em cadeiras normais. Alguns sofrem de incontinência, mas devido à escassez de pessoal, não há pessoas suficientes para os assistir e trocar as fraldas.

“Não há distância entre as camas de hospital. Aqueles que não são positivos podem vir a ser infetados. Mesmo que a equipa médica use roupas de proteção, eles não se podem proteger. Todo o ambiente hospitalar está cheio de vírus”.

Uma semana após o relaxamento das medidas de combate à Covid-19, os profissionais de saúde ouvidos pelo PLATAFORMA dizem que as urgências do Conde São Januário se converteram num “desastre”.

Muitos dos idosos que foram encaminhados dos lares para o hospital apresentavam febre alta e não conseguiam mover-se, e não há máquinas de pressão negativa (para trocar o ar) na sala de observação para pacientes confirmados.

Um dos profissionais de saúde preocupa-se que alguns departamentos afetados decidam não aceitar mais pacientes, enquanto os pacientes das urgências não podem ser transferidos de forma alguma.

MORTES POR COVID-19 NÃO SÃO CONTABILIZADAS

Salienta também que muitos dos doentes encaminhados para o posto médico provisório da Nave Desportiva dos Jogos da Ásia Oriental de Macau são na sua maioria idosos. E que estes são mais facilmente diagnosticados como “morte natural” no caso de não haver profissionais suficientes para fazer a triagem.

O funcionário questiona se o Governo consegue fazer uma triagem precisa dos pacientes, considerando que a eficiência dos quatro níveis de triagem é baixa e que o número verdadeiro de mortes causada por Covid-19 não é conhecido.

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“É semelhante a como outros países estrangeiros lidaram com isto no início da pandemia. Quando estes pacientes são encaminhados para as urgências e estes têm falta de materiais e profissionais, pode haver idosos que morrem sem se aperceber que estavam com Covid-19”, aponta.

“No entanto, o número de mortos por Covid-19 não está correto porque inclui apenas o óbito que está confirmado, mas não incluiu os que são enviados pela Nave Desportiva ou os que foram enviados por ambulância, mas morreram a caminho”.

O deputado Ron Lam U Tou indica, por exemplo, que de acordo com os Serviços de Saúde, o primeiro caso de morte por Covid-19 foi descoberto quando o paciente já tinha morrido.

A 13 de dezembro registou-se a primeira morte associada à Covid-19 em Macau desde que as medidas de prevenção foram relaxadas. As autoridades de saúde disseram que o doente, com 80 anos de idade, foi enviado para um centro de tratamento comunitário para tratamento durante a manhã do mesmo dia.

“Mas como foi descoberto então? Os Serviços de Saúde ainda não explicaram detalhadamente”, critica.

O deputado acredita que os quatro níveis de triagem devem oferecer resposta às mudanças de saúde repentinas dos pacientes, através de monitorização em tempo real, e que estes sejam então transferidos para um nível superior ou para tratamento especial.

“Eu não vejo como isto esteja a ser feito de momento”, diz.

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Ao mesmo tempo, Lam avisa que o número de mortes anunciado pelas autoridades são apenas a ponta do icebergue e que o número de casos graves não é divulgado à população.

“A falta de transparência na divulgação de dados gera pânico na comunidade, o que é o pior que pode acontecer. Hong Kong não está a implementar uma política de zero casos, mas tem uma divulgação detalhada dos vários dados, para que a comunidade possa ter uma imagem precisa”, aponta.

Embora possa não ser abrangente e preciso, o deputado acredita que Hong Kong divulgou pelo menos o número de casos graves e leves e o número de mortes em instalações de isolamento.

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