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Empresários de Macau alertam para impasse no desenvolvimento

Viviana ChanViviana Chan

Vista como um veículo para a diferenciação da atividade económica local, a Zona de Cooperação Aprofundada em Hengqin necessita ainda de alguns reparos. Ao PLATAFORMA, membros da Associação Industrial e Comercial de Macau sublinham que há ainda muito trabalho pela frente no que toca à atração de pessoal qualificado. Por outro lado, alertam para as diferenças de regime entre Macau e Hengqin

A Zona de Cooperação Aprofundada centra-se na diversificação adequada da economia de Macau, desenvolvendo áreas como a ciência, tecnologia, finanças modernas, Medicina Tradicional Chinesa, turismo, convenções e exposições.

Do ponto de vista associativo, o apoio à política será total. No entanto, como empresário, o diretor executivo da Associação Industrial e Comercial de Macau, Ray Ng, acredita que é “preciso dar mais tempo” à antiga Ilha da Montanha. O responsável destaca que um dos grandes obstáculos atualmente é a importação de quadros qualificados para Hengqin, quer se trate de locais ou provenientes do Interior da China.

De Macau para Hengqin

Ray Ng relembra que antes da fundação da Zona de Cooperação, em 2015, “muitos jovens locais já iam para Hengqin”. No entanto, acabavam por voltar à RAEM pouco tempo depois porque os benefícios implementados, “como a isenção de pagamento de rendas, salários competitivos, transportes e outros” não eram suficientes para os reter.

Um dos grandes problemas que identifica é a rede de transportes, que considera pouco desenvolvida. Citando como exemplo o desenvolvimento da Taipa nos anos 2000, o líder associativo explica o que aliciou os residentes a trabalhar nessa zona. “As pessoas que viviam na península de Macau não queriam trabalhar na Taipa. Os estabelecimentos lá localizados tiveram de pagar salários mais altos para assegurar os recursos humanos”, revela.

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Embora as infraestruturas em Hengqin tenham melhorado significativamente nos últimos anos, o empresário acredita que continua a existir escassez de serviços. O Governo de Macau proporciona subsídios aos residentes que queiram trabalhar em Hengqin. Porém, para reter os talentos, o empresário defende que estas medidas devem durar entre
três a cinco anos.

Concorrência por talentos

Ray Ng também revela que, no passado, Macau sofreu de um problema de escassez de trabalhadores, sobretudo em pequenas e médias empresas. “O nível salarial mais alto elevou os custos de exploração das empresas locais”, assevera.

O empresário diz que o setor comercial via Hengqin como uma “solução”, mas a história acabou por ter um desfecho diferente. “Descobrimos que é extremamente difícil recrutar funcionários em Hengqin. Nem os trabalhadores do Interior da China querem estar lá e o problema já existe há algum tempo”, explica.

De facto, o Parque Industrial de Hengqin enfrenta também a concorrência de outras províncias e cidades na atração de talentos da China continental. A Área da Grande Baía, Guangzhou, Shenzhen e outras cidades introduziram igualmente subsídios e políticas para atrair grandes empresas, bem como quadros qualificados.

Mesmo assim, Wu Chuangwei, diretor dos Serviços de Assuntos Comerciais de Hengqin, salientou que até 4 de março havia um total de 54.354 empresas em Hengqin, incluindo 46.928 empresas chinesas, 7.426 empresas de capital estrangeiro e 4.786 provenientes de Macau. Sete meses depois da inauguração da Zona de Cooperação Aprofundada, entraram em Hengqin 308 novas empresas. A Direcção dos Serviços de Assuntos Comerciais irá estabelecer um escritório em Macau para facilitar a constituição
de sociedades, sendo introduzidas máquinas de serviço automático para os requerentes poderem submeter e imprimir a respetiva licença.

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Ray Ng lamenta que Macau possa encontrar-se num dilema relativamente ao assunto. Entre novembro e dezembro do ano passado, o Governo avançou com uma consulta pública sobre o Regime de Captação de Quadros Qualificados. A proposta salienta a intenção do Executivo de “promover a diversificação adequada da economia e prosseguir o desenvolvimento sustentável da sociedade (…) com vista a atrair prioritariamente quadros qualificados para os setores da saúde (Big Health), das finanças modernas, da tecnologia de ponta e da cultura e desporto”.

O empresário sublinha que muitos jovens do Interior da China, entre os 28 e os 32 anos, têm duas licenciaturas, sendo que alguns contam ainda com mestrados e doutoramentos. O mesmo responsável admite que é difícil para uma empresa contratar um profissional qualificado, porque não consegue prometer que a família do trabalhador venha também para Macau. Por outro lado, enaltece que a política de ‘blue cards’ (trabalhadores não residentes) tem-se focado na importação de mão de obra não qualificada, algo que teria de mudar.

O PLATAFORMA procurou perceber os setores de atividade onde se concentram os trabalhadores não residentes, notando que entre os mais de 168 mil, a maioria labora em hoteís, restaurantes e similares, setor da construção, serviços domésticos, imobiliária e serviços prestados a empresas, bem como no comércio por grosso e a retalho (ver gráfico em baixo).

“Não me preocupo na forma como o Governo planeia avançar com esta lei, nem com a avaliação dos pedidos. Preocupo-me, sim, com a qualidade de empresários que representam Macau. Quero também enfatizar que, para atrair quadros qualificados, precisamos de oferecer condições mais vantajosas do que Hainan e outras cidades da província de Guangdong, inclusive a nível de salário e de instalações. Se não o fizermos, este regime não irá ter o efeito esperado”, concretiza o empresário, acrescentando que a peça legislativa deve dar incentivos suficientes para que os talentos optem por Macau.

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Sugere ainda que haja uma “visão global” sobre a situação, porque para dar incentivos aos jovens da China ou de Macau é preciso um grande esforço por parte das autoridades. “Creio que é uma boa ideia aproveitar os recursos das regiões fora da Grande Baía. A província de Shandong, por exemplo, tem indústria de Medicina Tradicional Chinesa e de ‘big health’”, aponta, defendendo que estas oportunidades devem ser aproveitadas.

Um estudo realizado pela Universidade da Cidade de Macau, de autoria de Dongpeng Xu e Deqin Lin, procurou compreender a satisfação de vida dos residentes das cidades integradas na Grande Baía. A conclusão a que chegam é que Macau teve o melhor desempenho em questões como taxa de desemprego, PIB per capita, número de alunos que
terminam o ensino secundário, segurança social e apoio governamental e ainda distribuição de bibliotecas por residentes.

Contudo, à exceção de Hong Kong, tem os preços imobiliários mais inflacionados da Grande Baía. Cidades como Guangzhou e Senzhen, apesar de também terem um mercado imobiliário relativamente alto comparativamente às restantes cidades, ainda oferecem uma série de subsídios aos talentos para a aquisição de imóveis, como indica o estudo. Outros indicadores nos quais Macau não teve um bom desempenho face às restantes cidades da Grande Baía foram o número de camas hospitalares e de profissionais de saúde por residente.

Êxodo motivado pela pandemia

Jerry Au, empresário, refere que antes da pandemia os residentes não tinham vontade de ir para a Grande Baía porque “Macau conseguia oferecer postos de trabalho suficientes”. Porém, evidencia que a RAEM sofreu uma grande crise a nível social devido à pandemia e, por isso, a diversificação económica tornou–se “um tema mais urgente”. Enquanto diretor-geral da Associação Industrial e Comercial de Macau, o empresário revela estar a conceder os apoios necessários, incluindo serviços de consultoria.

“Os trabalhadores de Macau gozam de vantagens na área de restauração e hotelaria, e isso sem dúvida que pode ser útil no Interior da China”, assinala. Em 2014, Jerry Au investiu num complexo comercial em Hengqin, tendo ainda feito investimentos em projetos de restauração, entre 2016 e 2019, em Hong
Kong e Zhuhai.

Para avaliar o ambiente comercial de Hengqin, Jerry Au diz ter de se enfrentar a realidade que é a política “Um País, Dois Sistemas”. “Em Hengqin, os regimes fiscais e jurídicos são diferentes dos de Macau. Os impostos são mais altos do que em Macau, por exemplo”, refere, acrescentando também que os empreendedores devem estar conscientes da realidade do mercado no Interior da China.

O empresário sublinha ainda a diferença de culturas entre o setor comercial de Macau e do Interior da China, enaltecendo que “graças a Zhuhai temos ligações próximas, por isso, creio que não haverá grandes problemas em desenvolver negócios em Hengqin”.

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