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O Amanhã Nunca Morre e a velha Rússia também não

Rute Coelho*

Foi a melhor capa da semana. Nela vemos Vladimir Putin, o todo poderoso Presidente da Rússia na pele de James Bond empunhando não uma arma mas uma vacina na mão, sob o título: “O Amanhã Nunca Morre” (um dos filmes da saga 007, de 1997, e com Pierce Brosnan como Bond). Os créditos criativos são do jornal francês Libération na sua edição de quarta-feira.

A junção dos elementos não podia ter sido mais bem pensada. Quando a Rússia anunciou ao mundo que já tinha nas mãos a vacina anti Covid-19, o que é o que mundo pensou? Logo logo em tramas de espionagem, segredos, cientistas coagidos a tortura, agentes duvidosos a venderem a vacina russa no mercado negro do Irão ou do Paquistão.

O nome sugestivo da vacina, Sputnik V, só contribuiu para alimentar a imaginação e a conspiração. Surgiram nas redes sociais títulos como “Da Rússia com Amor”, outro clássico de Ian Fleming,  ou “Sputnik Meu Amor” (em alusão a um dos primeiros romances do escritor japonês best seller Haruki Murakami).

Se o amanhã nunca morre, a velha Rússia com os seus truques de KGB também não. Nós é que não queremos passar pela experiência de não morrer do mal mas da cura

O anúncio de Putin não contribuiu em nada para tranquilizar as hostes. Veio o “czar” russo garantir que a vacina era boa sim senhor e que até a sua filha já a tinha tomado. Ora um líder autocrático e conhecido por manter a sua vida privada fechada a sete chaves veio agora falar de uma das filhas como cobaia da Ciência com um único objetivo: propaganda. Para dizer que a Rússia foi a primeira na corrida à vacina, como foi a primeira na corrida ao espaço com o seu satélite Sputnik. Para irritar os Estados Unidos, que continuam a ser o principal competidor, entrar na História e estar na linha da frente daquele que será um dos negócios mais lucrativos do milénio. Logo a seguir ao anúncio de Putin, foi noticiado que 20 países estão já na lista de espera para a vacina russa.

Os detalhes, esses, surgiram depois de uma chuva atómica de críticas da comunidade científica. Que só tinham sido divulgados os resultados do primeiro teste por Moscovo, que afinal a vacina só fora testada em 38 voluntários saudáveis e que tem vários efeitos secundários adversos.

Os efeitos secundários estão a ser detetados nos testes de várias vacinas anti-Covid e ainda esta semana uma médica brasileira que é voluntária na toma do produto de Oxford os referiu. Mas a questão fundamental é esta: queremos uma vacina a todo o custo, rapidamente e em força, ou queremos um produto certificado, testado com tempo e garantidamente eficaz? Se o amanhã nunca morre, a velha Rússia com os seus truques de KGB também não. Nós é que não queremos passar pela experiência de não morrer do mal mas da cura.  

*Jornalista

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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