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Racismo e pandemia alimentam-se mutuamente

Guilherme Rego

A pandemia de Covid-19 e o racismo são os dois grandes dramas globais que nos prendem a atenção neste momento. Uma crise alimenta a outra.

A primeira é temporária; apareceu no final de 2019 e prevê-se, tal como todas as que lhe antecederam, uma solução mediante o fabrico de uma vacina e de um tratamento eficaz. Outra reflete-se nas sociedades, como uma doença que parece não ter cura, apesar dos vários avanços civilizacionais ao longo dos últimos dois séculos. A primeira aproxima-se dos sete milhões de casos confirmados, com quase 400 mil mortes. Com a segunda, fruto da sua intemporalidade, é impossível determinar o número de “infetados” e de mortes, mas é certamente mais elevado.

No Holocausto, seis milhões de judeus sucumbiram nas mãos da Alemanha nazi. Entre 1895 e 1908, o rei belga Leopoldo II, (cujo busto na Bélgica foi vandalizado há quatro dias, como consequência dos protestos) dizimou entre oito a dez milhões de vidas no Congo Belga. Embora concorde que o racismo e a supremacia branca não podem prevalecer de maneira nenhuma, os contornos que estão a ser assumidos para o seu combate não podiam ter pior timing.

O que está a acontecer neste momento entristece-me. Embora os confrontos em Washington tenham acalmado, com a retirada da guarda nacional da capital, o que pode influenciar pela positiva os outros estados. Vejo protestos pacíficos a serem respondidos com brutalidade policial (a própria causa das manifestações) e protestos violentos a tirarem o sustento a famílias. Mas também vejo milhares de pessoas reunidas, em pleno contexto pandémico. Por detrás disto tudo, o racismo.

A crise económica disparou o protesto anti-racista, mas o vírus é madrasto

O Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) afirma estar a vigiar a situação de perto. Kristen Nordlund, porta-voz do CDC, diz que a despreocupação pelo distanciamento social pode pôr em risco o trabalho feito até agora para extinguir o surto. Acrescenta ainda que é cedo para calcular o impacto que os protestos vão ter nos números da pandemia, nos EUA. O diretor do CDC, Robert Redfield, envia o alerta: “Queremos que as pessoas envolvidas considerem seriamente serem testadas. Infelizmente, acredito que estes eventos possam germinar a propagação do vírus”. Outro dado interessante que referiu foi facto do gás lacrimogénio e produtos semelhantes utilizados contra os protestantes, causarem tosse. O que facilita a propagação da pandemia.

Apesar da taxa de desemprego ter descido de 14,7% para 13,3%, em maio, o número é ainda muito preocupante. Em apenas nove semanas, mais de 39 milhões de americanos perderam o emprego, segundo o The Guardian. A relação entre pandemia e desemprego é forte e cresce de mãos dadas. Quanto maior o número de casos de Covid-19, mais tempo se demora a controlar a situação. Estas variáveis culminam na recessão económica que, por sua vez, dá um murro no estômago ao emprego. Teme-se o pior.

As recessões económicas afetam as raças e etnias de forma diferente. De acordo com o Instituto de Economia Política dos EUA (EPI), dez anos depois da crise do subprime, em 2007, os rendimentos das famílias afro-americanos ainda não recuperaram. Entre os brancos, não só recuperaram como aumentou o rendimento médio. Um dado importante e triste, que não se pode repetir.

A História tem a sua maneira de entrar em ciclos viciosos. A crise económica disparou o protesto anti-racista, mas o vírus é madrasto. A crise pandémica vai aumentar, voltando a alimentar a crise económica.

*Jornalista do Plataforma

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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