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ROBOTS EMOCIONAIS

Na mesa duma esplanada encontrava- -se uma mulher de meia-idade com uma criança de 4/5 anos. A criança, completamente absorvida, via desenhos animados no telemóvel enquanto a mulher vogava o olhar pelo vazio. Pelas raras palavras trocadas percebi que seriam avó e neta. Chegou um senhor com um cão, a criança despegou a atenção do ecrã e começou a fazer festas ao animal; a avó disse-lhe secamente: “-deixa o cão e vê bonecos”. Ela obedeceu… Como se chegou a isto? A informação nas últimas décadas cresceu exponencialmente, levando a que o espaço e o tempo encurtassem; tudo está mais próximo, mais rápido. Temos num instante disponível uma miríade de conteúdos, mas agora falta espaço e tempo para o conhecimento. Há ainda outra consequência: o bombardear contínuo de informação e a pouca disponibilidade para a processar cerceou-nos o juízo crítico e o pensamento criativo, esterilizando a empatia. Ainda sentimos o sofrimento próximo, contudo os milhares de mortos do coronavírus não são pessoas e sim um número abstracto que nos provoca medo. Sem pensamento crítico, criatividade e empatia somos sujeitos passivos. Talvez haja interesse em manter o cenário, medrosos apascentados controlam-se melhor… Os assuntos sérios do mundo comunicam- -se num Twitter limitado a 280 caracteres, damos atenção a um máximo de 7 segundos antes de mudar o plano da imagem; a papa aparece resumida e explicada como se fôssemos cachorrinhos palermas. Mesmo sabendo que o caldo é medíocre consumimo-lo sem pensar, apenas reagimos a estímulos emocionais. Deste modo vive-se hoje a materialização de uma distopia ao género Orwelliano, onde descemos à condição de animais de estimação, tornámo-nos robots emocionais. Aquilo a que assisti na esplanada foi ao processo de fabricação de um robot através da replicação de software do mais velho, já completamente formatado: a empatia com um ser estava aqui neste mundo à distância de um braço, mas logo se modelou a criança para voltar ao outro mundo à distância de um dedo.

João Melo 13.03.2020

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