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Turbulência no ar

O regulador do setor baixou o preço das tarifas máximas nos voos domésticos. A medida é contestada pela única operadora, que ameaçou parar o serviço.

“Uma vergonha”, “chantagem pura”, assim classificou um passageiro no Aeroporto Internacional Nelson Mandela, na cidade da Praia, a crise que envolve a única operadora que realiza voos entre as ilhas cabo-verdianas, mostrando receio de ficar em terra por causa das ameaças da empresa.

Apressado e com o bilhete da Binter na mão, Vítor Tavares não escondeu a indignação contra a operadora que ameaçou suspender as ligações após 28 de outubro, quando entram em vigor as novas tarifas, reduzidas pelo regulador do setor.

“Tenho voo para o [ilha do] Fogo, mas vou regressar de barco, pois não consegui regresso de avião”, disse à Lusa, embora não possa atribuir a falta de bilhete à ameaça da Binter.

Sobre a crise, não hesitou em classificá-la como  “uma vergonha” que vai ter consequências graves para Cabo Verde: “Uma empresa que tem o monopólio dos voos, que entra [no negócio das ligações aéreas] com o apoio do Governo, não pode fazer chantagem. E já nem falo da vergonha das evacuações por razões de saúde”.

A este empresário vale o facto de não recear o mar. Vai regressar para a Praia de barco, mas conhece muitas pessoas que não o conseguem fazer, além de considerar este transporte “deficitário”.

Para Vítor Tavares, estão a colocar os cabo-verdianos numa posição de “reféns”, o que é “inadmissível”.

Mais atrás, acompanhado de dois amigos e alguma bagagem, Fábio Assunção lamentou o imbróglio e chamou a atenção para a “falta de mobilidade” a que estão a condenar os cabo-verdianos e os turistas.

“As ligações de barco são insuficientes. Não respondem à procura. Se a Binter interditar os voos [inter-ilhas] trará consequências enormes”, referiu o passageiro, também com destino para a ilha do Fogo.

Crise com as tarifas 

A crise chegou após uma deliberação da Agência de Aviação Civil (AAC), que regula o setor, que reduz o preço das tarifas máximas nos voos domésticos. A deliberação foi aprovada pela AAC em julho e a entrada em vigor está prevista para 28 de outubro. 

A intervenção da AAC ocorreu depois de ter detetado irregularidades praticadas pela Binter, a única operadora nas ligações inter-ilhas. O organismo detetou, por exemplo, que, desde a saída da Transportadora Aérea Cabo-verdiana (TACV) dos voos domésticos, em agosto de 2017, altura em que a Binter passou a ser o único operador no mercado local, as tarifas médias aumentaram ligeiramente. As irregularidades levaram o regulador a determinar uma redução nas tarifas máximas de 2,33 por cento. A medida levou à diminuição dos preços máximos em algumas rotas, ao aumento noutras, enquanto algumas se mantiveram. 

As reduções mais significativas registam-se nas rotas Praia – São Nicolau (-18 por cento) e Praia – Sal (-16 por cento), contrastando com os aumentos nos percursos Praia – São Filipe (nove por ceno) e Praia – Maio (cinco por cento). Já as rotas da Praia – Boavista e Sal – Boavista, não sofreram alerações.

Binter contesta

A reação da Binter chegou dias depois. Em em comunicado, a operadora afirmou que a redução punha em perigo a continuidade dos compromissos assumidos com o Governo.

Referiu ainda que estava “a estudar o impacto total destas novas tarifas impostas unilateralmente” e que ia “dirigir-se ao Governo para comunicar todas as consequências negativas que estas vão ter nos serviços atuais”.

 “Esta última decisão, que prejudica gravemente a Binter Cabo Verde, vem juntar-se a uma série de medidas que a AAC tem aplicado contra a Binter Cabo Verde”, acusou a companhia numa nota à imprensa.

Para a Binter, as medidas “põem em perigo a continuidade do serviço”.

 “Os compromissos entre o Governo e a Binter seriam que o mercado se manteria livre e que a regulamentação respeitaria o equilíbrio financeiro e económico. Com estas premissas, a Binter Cabo Verde comprometer-se-ia a servir de forma permanente o mercado insular cabo‐verdiano com um serviço aéreo regular, serviço que vinha a ser feito com reconhecido sucesso”, acrescentou a empresa.

A operadora considerou também que “as novas medidas da AAC, juntamente com outras anteriores tomadas contra a Binter Cabo Verde”, libertam a companhia de compromissos tomados com os atual e anteriores governos.

Voos suspensos

De seguida, a operadora terá comunicado às agências de viagem que estavam suspensos os voos a partir de 28 de outubro, dia da entrada em vigor da redução dos preços das viagens.

No mesmo dia em que o jornal Expresso das Ilhas noticiou a suspensão, a 26 de setembro, a Binter recuou e emitiu um novo comunicado a anunciar que “abre imediatamente a venda de bilhetes além de 28 de outubro de 2018”.

A decisão foi tomada tendo em conta “o resultado de reuniões frutíferas”. A empresa informou ainda que endereçou “um pedido à AAC no sentido de reavaliar o quadro tarifário” publicado através de uma deliberação, por entender que “a mesma não assegura o equilíbrio económico financeiro da empresa”.

No mesmo dia dia, a AAC de Cabo Verde também anunciou, através de um comunicado, que ia analisar a proposta da Binter de prorrogar para janeiro de 2019 a entrada em vigor das novas tarifas máximas.

“As alterações às tarifas publicadas tiveram como principal fundamento dar resposta às modificações substanciais ocorridas no mercado doméstico de transporte aéreo, com a entrada da operadora Binter Cabo Verde e subsequente saída da TACV e resultam igualmente, de análises efetuadas às contas da Binter Cabo Verde referentes a 2017 e ao primeiro trimestre de 2018”, explicou a operadora.

A AAC defendeu-se referindo que as decisões que toma “pautam-se, sempre, pelos princípios da legalidade, da transparência e da imparcialidade, pelo que as medidas tomadas serão sempre alinhadas no poder-dever dirigido à administração no sentido de valorar e ponderar todos os interesses em jogo, quer sejam públicos ou privados, sem privilegiar ou descriminar qualquer deles”. 

“Desta forma, por imperativo legal, no âmbito da publicação dos regulamentos e das deliberações, a AAC é obrigada a cumprir o princípio da consulta pública, pelo que as suas decisões nunca são e serão tomadas de forma unilateral”, esclareceu.

A AAC adiantou ainda que, “após a recente receção de uma nota da Binter Cabo Verde a solicitar a reavaliação das tarifas máximas publicadas, argumentando que as mesmas não asseguram o equilíbrio económico e financeiro da companhia aérea”, vai “analisar a proposta da operadora de prorrogação da entrada em vigor para janeiro de 2019”.

Acusações e justificações

A crise provocou reações. Em conferência de imprensa, o vice-presidente do PAICV, Nuias Silva, referiu que a posição da operadora é de “uma gravidade extrema e configura pressão e chantagem inusitada, e põe em causa a legislação do país e a autonomia e independência de uma autoridade reguladora num setor tão sensível como o da aviação civil”.

“Tudo isso é consequência de uma decisão mal preparada, de uma solução apressada de liquidação dos TACV nas rotas domésticas e entrega deste mercado ao monopólio privado de uma companhia aérea”, defendeu o dirigente do principal partido da oposição.

O PAICV quer saber “o que estará por detrás deste comportamento misterioso de um negócio que é notoriamente danoso para o país” e o que “explica tamanha incoerência, que leva uma empresa, num dia, a anunciar o caos e um quadro claro de rotura e no dia seguinte, dá o dito pelo não dito?”.

Em comunicado, o Executivo assegurou que “está preparado” para garantir a continuidade do transporte aéreo entre as ilhas, “preferencialmente num ambiente de concorrência”.

“Sendo este mercado regulado e existindo uma autoridade de regulação independente, qualquer desentendimento entre a operadora e o regulador, deve ser dirimido entre ambos, nos termos da lei e dos regulamentos em vigor, no quadro de uma postura de profissionalismo, lealdade e sentido de compromisso”, conclui o Governo. 

Sandra Moutinho e Ricardino Pedro 05.10.2018

Exclusivo Lusa/Plataforma Macau

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