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Património, memória e futuro

Numa cidade em constante e voraz transformação como a de Macau, o sentimento de familiaridade e pertença a um espaço urbano é uma das marcas mais salientes da identidade local. É comum ouvirmos entre os residentes mais antigos o desabafo – “Esta já não é a minha cidade”. Para muitos essa descaracterização teve início nos anos 1980, mas foi após a liberalização do setor do jogo que o espaço urbano foi transformado de tal forma que certas zonas se tornaram irreconhecíveis.
Não terá sido por acaso que nessa mesma altura, meados da primeira década deste século, o Centro Histórico de Macau foi inscrito como Património Mundial da Humanidade da UNESCO. Esse passo revestiu-se de uma importância para além do óbvio e tangível. Despertou na sociedade local uma consciência e sentido de pertença e orgulho na história e património de uma cidade de cruzamento e coexistência de culturas. Contribuiu igualmente para um sobressalto cívico em torno do Farol da Guia, que esteve ameaçado de ser emparedado. O movimento envolveu setores tradicionais da sociedade chinesa local e jovens que colocaram pressão sobre o governo local e Pequim, tendo obtido uma vitória parcial com o congelamento da construção de um prédio residencial na Calçada do Gaio. Uma outra campanha, em torno da preservação da “Casa Azul”, do Instituto de Acção Social, foi bem-sucedida. No entanto, pelo meio, várias outras batalhas foram perdidas. Faltou ao governo determinação, instrumentos e vontade para garantir a preservação desses traços distintivos da memória coletiva. Em todo o caso, vários setores da sociedade local percebem que a listagem do Centro Histórico na UNESCO não pode servir para desrespeitar a “buffer zone” em seu redor, permitir a “Disneyficação” dos espaços ou negligência sobre muitos outros edifícios e zonas que, não estando classificados como Património Mundial, constituem um riquíssimo tesouro, qual DNA desta cidade.
A Lei de Salvaguarda do Património Cultural de Macau de 2013 foi um passo importante. Contudo por si não é suficiente. Há todo um património escondido, desvalorizado, esquecido que está em sério risco. É por isso que a campanha lançada pela Associação DOCOMOMO de sensibilização para o valor arquitetónico e patrimonial de exemplos da arquitetura modernista de Macau é importante e merece a nossa atenção. Como os responsáveis pela iniciativa salientam esta semana ao PLATAFORMA, é necessário classificar para proteger. E dar vida. Valorizar. Mas isso requer visão, determinação e, em muitos casos, coragem face aos esmagadores interesses do betão e da especulação. Algo que escasseia.

José Carlos Matias 05.10.2018

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