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O fantasma da destituição volta a assombrar o Brasil

Escândalos de corrupção e a crise política são fantasmas que pairam novamente em torno do poder executivo do Brasil, um país onde mais um chefe de Estado pode ser tirado à força do cargo, com pouco mais de um ano de Governo.

Em causa está a continuidade de Michel Temer, um político conservador que se tornou Presidente do Brasil em 2016 após o Congresso do país sul-americano destituir e condenar pela prática de crimes fiscais sua antecessora, a ex-presidente Dilma Rousseff. Ao ocupar o posto mais alto da República brasileira, Temer prometeu mitigar a crise política e tirar o país da maior crise económica de sua história. Apoiado por empresários que defendem reformas de austeridade e por uma ampla base parlamentar conservadora, o chefe de Estado centrou sua agenda nas reformas económicas. 

A estratégia, porém, foi comprometida por investigações em larga escala de crimes cometidos na estatal Petrobras e em outros órgãos públicos do país, que revelaram factos novos sobre a participação de membros da elite política brasileira em esquemas de corrupção.

Em maio, o próprio Presidente viu-se no centro de um escândalo ao ser acusado de ter recebido subornos da empresa JBS, uma gigante do setor de produção e exportação de carne. Temer chegou a ser gravado pelo empresário e dono da JBS, Joesley Batista, supostamente autorizando o pagamento de suborno para comprar o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha, preso e condenado a mais de quinze anos de prisão por envolvimento nos escândalos de corrupção da Petrobras. As acusações dos executivos da JBS fizeram com que Michel Temer fosse formalmente denunciado pela Procuradoria-geral da República pela prática do crime de corrupção passiva no mês passado. 

Os vários cenários 

Marco António Carvalho Teixeira, sociólogo e professor da Fundação Getúlio Vargas, salienta que, por ter sido o primeiro Presidente do Brasil acusado de corrupção no exercício de mandato, é difícil fazer um prognóstico conclusivo sobre a força que Temer terá para se manter no poder. “Nunca antes um Presidente foi denunciado no exercício do cargo. A acusação contra ele foi feita com grande contundência e ainda teremos fatos novos nas investigações (…). O cenário político do Brasil não é estável o suficiente para estabelecermos uma rota segura”, explicou.

Já David Fleischer, sociólogo da Universidade de Brasília (UnB), considera que o chefe de Estado brasileiro tem condições barrar o andamento da acusação de corrupção passiva no Congresso, onde ainda mantém certo apoio. No entanto, lembra que o Presidente é investigado pela prática de outros dois crimes, formação de organização criminosa e obstrução da justiça, possíveis infrações penais também relacionadas com o escândalo da JBS, que devem complicar seu futuro. 

“O Procurador-geral da República ainda está a investigar Temer, e deve oferecer outras duas denúncias contra ele. Mesmo que o Presidente impeça que a primeira acusação de corrupção passiva prospere, não sei se ele conseguirá barrar as outras duas denúncias”, analisa. 

O desgaste que abala o Governo brasileiro é mencionado por Marco António Carvalho Teixeira como um fator que causa arrepios ao Governo. “Michel Temer chegou à Presidência do Brasil com a expectativa de que seria um agente regenerador [contra a] corrupção no país, mas revelou-se como um outro agente degenerado, ou seja, outro governante envolvido em escândalos de corrupção. Ele começou com dois dígitos de aprovação e hoje é apoiado por cerca de 5 por cento da população. Hoje, um terço dos deputados brasileiros responde por alguma acusação criminal e, por isto, tem interesse em se reeleger em 2018. Para ganhar a eleição precisam de votos. Muitos parlamentares estão diante de um dilema e analisando com cuidado se vão ou não defender Temer no Congresso e correr o risco de se desgastar mais ante seu eleitorado”, diz.

Rafael Araújo, sociólogo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), entende que o chefe de Estado brasileiro se manterá no cargo até ao final de 2018, quando termina o seu mandato. “As denúncias são morais e o que derruba um Presidente no Brasil é a conjuntura, não a moral. Temer foi colocado no cargo por uma elite económica que tinha interesse na reforma do sistema laboral. Não vejo nenhum substituto apoiado pelo mercado. Se Temer conseguir entregar a reforma do sistema laboral terá apoio e continuará no poder”, diz.

O analista considera que o Presidente ainda tem a aceitação da maioria dos parlamentares, e destaca que, se for instaurando outro processo de destituição no Brasil, as reformas de austeridade defendidas pelos agentes que derrubaram Dilma Rousseff para apoiar Temer correm riscos. “Com um novo Presidente não haverá tempo hábil para estabelecer um calendário e passar as reformas defendidas pelo mercado antes das presidenciais de 2018 (…). Há um jogo liderado pelo capital económico, que quer ver aprovadas reformas de seu interesse, por trás de toda esta crise política brasileira”, destaca Rafael Araújo. 

Futuro menos sombrio?

A análise do especialista da PUC-SP vai ao encontro de algumas expectativas manifestadas pela consultoria política norte-americana Eurásia, que no último dia 10 divulgou um relatório afirmando que Michel Temer terminará seu mandato, pois conseguirá reunir votos suficientes para evitar que as acusações contra ele sejam enviadas aos STF tendo em vista que ele mantém apoio dos empresários. 

A consultora avaliou que as probabilidades de Michel Temer ser destituído estão entre 30 por cento e 40 por cento, número muito menor que os 70 por cento indicados pela mesma consultora aquando das denúncias da JBS, divulgadas em 18 de maio. No entanto, David Fleischer admite que existe um outro desfecho possível para acabar com o fantasma da destituição que ronda o Presidente brasileiro. 

Contrariando declarações do próprio Michel Temer, que disse publicamente várias vezes que não deixará o cargo, o analista crê na possibilidade de uma renúncia. “Se a denúncia contra Michel Temer for aprovada na câmara baixa, eu acredito que ele [Michel Temer] vai renunciar e costurar um acordo com o presidente da câmara baixa Rodrigo Maia [substituto imediato de Temer no Governo] para conseguir um indulto presidencial e, assim, não ser processado”, conclui. 

Carolina de RéExclusivo Lusa/Plataforma

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