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As dúvidas da dívida chinesa

A dívida total da China equivalia, em 2016, a quase 250 por cento da economia do país e os seus custos ascendiam a um terço do Produto Interno Bruto (PIB) chinês. Os grupos estatais são os principais devedores.

Quem percorre a Chang’an, a larga artéria que atravessa o centro de Pequim, na direção oeste, passa pelas sedes do Banco Chinês de Desenvolvimento – instituição que financia os grandes projetos do Governo chinês -, do Banco da China – um dos maiores bancos do mundo -, e do Banco central chinês, antes de chegar a Tiananmen, a maior praça pública do país. Foi ali que, em 1949, Mao Zedong proclamou a República Popular e onde jaz hoje embalsamado o seu corpo num imponente mausoléu, a poucos metros do parlamento chinês.

A proximidade entre os poderes político e financeiro na capital da segunda maior economia do planeta não é, porém, mera conveniência urbanística, mas antes fruto de uma experiência política inédita, onde um regime fundado sob bases teóricas marxistas recorre a técnicas capitalistas sem abdicar do controlo da economia.

Entre as cinco maiores empresas do mundo, três – State Grid, China National Petroleum e Sinopec – são diretamente tuteladas pelo Governo Central, através de um organismo conhecido como SASAC (State-owned Assets Supervision and Administration Commission).

Trata-se de um estatuto partilhado pela maioria das restantes cem firmas chinesas que constam das “500 mais” da Fortune, ilustrando um sistema que Pequim designa como “Economia de Mercado Socialista” ou “Socialismo com Características Chinesas”.

“Os grupos estatais são cada vez menos, mas continuam a dominar os sectores-chave da economia chinesa”, explica à agência Lusa Wang Hao, professor da Escola Nacional de Desenvolvimento da Universidade de Pequim.

“É uma forma da elite do Partido Comunista assegurar o controlo da economia” diz Wang, explicando que “as empresas do Estado [chinês] são beneficiadas pelo Governo, com eletricidade, terrenos e crédito barato, entre outras vantagens” que asseguram a sua rentabilidade. “Na verdade, mantêm níveis de eficiência muito aquém do sector privado”.

Riscos sistémicos

A economia chinesa continua a crescer a um ritmo acelerado – 6,7 por cento, no ano passado – mas longe da média de quase 10 por cento ao ano que em três décadas transformou um país pobre e isolado na segunda maior economia mundial.

Num período de abrandamento económico, os analistas consideram que o excesso de crédito no sector do Estado pode mesmo revelar-se “fatal” para a China.

Em 2016, o endividamento do país asiático atingiu os 168,48 biliões de yuans, o equivalente a 249 por cento do seu PIB, segundo Li Yang, investigador da Academia de Ciências Sociais da China.

Trata-se de um nível de endividamento próximo do atingido pelos Estados Unidos da América e alguns países da União Europeia antes da crise global de 2008.

Desde então, a dívida chinesa tem crescido a um ritmo superior a 10 por cento ao ano, à medida que Pequim tornou o crédito mais barato e acessível, num esforço para incentivar o crescimento económico e evitar um aumento do desemprego que seria politicamente arriscado.

Segundo Li, o maior risco reside no sector corporativo não-financeiro, no qual a proporção da dívida em relação ao PIB é estimada em 156 por cento, incluindo as dívidas contraídas por mecanismos de financiamento dos governos locais.

“Muitas das companhias em questão são empresas estatais que contraíram grandes empréstimos em bancos públicos, podendo implicar riscos sistémicos para a economia”, diz.

“O mais grave na [dívida] corporativa não financeira da China é que, se houver problemas com esta, o sistema financeiro chinês sentirá problemas imediatamente”, realçou Li.

O problema afetará também os cofres do Estado, porque os bancos chineses estão “estreitamente vinculados ao Governo”.

Em outubro passado, o regulador do sistema bancário chinês anunciou que o valor do crédito com um atraso de até 90 dias ultrapassou os dois biliões de yuans. Trata-se de 2,15 por cento do total do crédito concedido no país. Analistas referem, no entanto, que o valor real ascende a 18 biliões de yuans, se for incluída a dívida das empresas do Estado.

Remendos e soluções

Pequim anunciou, entretanto, medidas para combater o problema, incluindo a conversão das dívidas em títulos acionistas, que foi testada pela primeira vez em dezembro passado.

Um grupo de bancos estatais, liderado pelo Banco da China, aceitou receber ações do gigante estatal do comércio de metais Sinosteel como forma de liquidar metade de uma dívida de 60 mil milhões de yuans.

Analistas consideram, porém, que soluções do género servem apenas para o Governo evitar medidas ousadas, continuando assim a favorecer as empresas do Estado.

“Eles continuam a fazer remendos, em vez de resolverem o problema”, disse Mark Williams, da consultora Capital Economics, citado pela agência Associated Press.

O dilema ilustra os desejos contraditórios da liderança chinesa entre permitir a concorrência de mercado, que permitiria equilibrar a estrutura económica do país, e assegurar que as empresas estatais continuam a dominar a economia. 

Sob a liderança do Presidente Xi Jinping, o Partido Comunista Chinês (PCC) prometeu reduzir a dívida e colocar os bancos a financiar empresas produtivas, em vez de subsidiar os grupos estatais. 

O caráter burocrático e autoritário do regime constitui, porém, um obstáculo. 

“As reformas económicas [iniciadas em 1979] estagnaram”, diz à Lusa Zhang Ming, professor de Ciência Política na Universidade Renmin, no norte de Pequim. 

“Todos sabem que as reformas mais importantes que há agora a fazer são no sistema político”, afirma. “Sem reformas no sistema político, dificilmente se poderão aprofundar as reformas económicas”.

Desde que Xi ascendeu ao poder, em 2012, revistas e sítios na Internet que defendem reformas políticas e económicas foram encerrados, enquanto professores universitários e membros do sistema judicial chinês foram advertidos sobre a divulgação de “valores ocidentais”.

Wang Hao diz que o Governo devia recorrer a outros métodos para controlar a economia, como políticas fiscais e industriais.

“Recorrer às empresas estatais para controlar a economia revela apenas falta de confiança”, afirma. 

João Pimenta-Exclusivo Lusa/Plataforma

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