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A Odebrecht e a exportação da corrupção “made in Brasil”

Presente em 27 países, a construtora brasileira Odebrecht convive com a má fama de ter sido uma grande exportadora das velhas práticas de corrupção do Brasil para países da América Latina e África nos últimos anos. 

Investigada desde 2014 por agentes da operação Lava-Jato, uma equipa responsável pela descoberta de um vasto esquema criminoso que desviou milhões de dólares da estatal petroleira Petrobras e de diversas instituições públicas do Brasil, a Odebrecht viu sua credibilidade ruir e, agora, começa a arrastar consigo políticos e funcionários públicos de Angola, Argentina, Colômbia, Equador, Guatemala, México, Moçambique, Panamá, Peru, República Dominica e Venezuela, países onde a empresa confessou ter realizado também esquemas de corrupção.

No Peru, onde a empresa participou em pelo menos 40 projetos entre 2005 e 2014, as denúncias de irregularidades já motivaram os procuradores a iniciar um processo contra o ex-Presidente Alejando Toledo, atualmente considerado um fugitivo.

Outros dois ex-presidentes peruanos, Alan García e Ollanta Humala, têm os seus Governos sob suspeita por conta de negócios firmados com a empreiteira brasileira, embora ainda não tenham sido formalmente acusados.

O Presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, é alvo da Comissão de Acusação da Câmara dos Deputados do seu país, que abriu contra ele uma investigação preliminar pela suposta entrada de dinheiro da Odebrecht na campanha para a sua reeleição em 2014.

No Equador, as suspeitas de pagamentos ameaçam a campanha presidencial do candidato Lenín Moreno, apoiado pelo Presidente Rafael Correa, no poder desde 2007. A Odebrecht confessou ter pago verbas no Equador entre os anos de 2007 e 2016.

No Panamá, denúncias ainda em fase de investigação apontam para que dois filhos do ex-Presidente Ricardo Martinelli tenham recebido dinheiro ilegal da Odebrecht. Na Argentina, o alvo são os Governos da ex-Presidente Cristina Kirchner.

O Ministério Público da República Dominicana é outro órgão público latino-americano que anunciou publicamente que está a investigar as denúncias conta a Odebrecht em seu país.

Estas investigações dos crimes envolvendo a Odebrecht fora do Brasil ganharam força no final do ano passado, quando o Departamento de Justiça (DOJ) dos Estados Unidos indicou que a internacionalização dos negócios da empresa terá sido facilitada pelo pagamento de subornos em troca de vantagens em concursos de obras públicas.

Num acordo de reparação e admissão de crimes que a Odebrecht assinou com os governos dos Estados Unidos, Brasil e Suíça no valor de 3,5 mil milhões de dólares em dezembro de 2016, o DOJ revelou que a empresa assumiu ter praticado atos de corrupção em doze países.

“A Odebrecht envolveu-se há mais de uma década num esquema de suborno e fraude imenso e inigualável, que começou em 2001. Durante esse período, a Odebrecht pagou 788 milhões de dólares em subornos a funcionários de governo e representantes de partidos políticos em vários países para ganhar contratos”, destacou o DOJ, no acordo firmado com a Odebrecht.

Segundo o documento do órgão de Justiça norte-americano, a Odebrecht, juntamente com a Brasken – braço petroquímico da sua holding –, teria gasto pelo menos 1,038 milhões de dólares num amplo esquema criminoso “liderado pelos dirigentes mais altos da empresa, com os subornos pagos através de uma rede complexa de empresas de fachada e transações realizadas por empresas offshore”.

Levando em conta apenas os negócios assinados na América Latina e África, o DOJ indicou que a empreiteira pagou cerca de 439 milhões de dólares em subornos, obtendo em troca obras que lhe geraram ganhos de 1,4 mil milhões de dólares.

Para Bruno Brandão, representante da Transparência Internacional, uma organização mundial que luta pelo combate à corrupção, os atos da Odebrecht seguem um modelo executado no Brasil por outras empresas da área da construção civil, que foi sustentado em quatro pilares.

O primeiro deles seria a expansão transnacional de métodos de corrupção (pagamento de subornos em troca de vantagens em contratos) para fazer avançar negócios.

O segundo consistiu na atuação do ex-Presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que agiu como promotor da Odebrecht e de outras empreiteiras no exterior que, na avaliação de Bruno Brandão, teria usado seu prestígio internacional para “incentivar negócios de empresas corruptas com governos corruptos em países pobres da América Latina e África”.

O terceiro ponto resultou das facilidades que as empresas corruptas do Brasil encontraram em obter financiamentos via Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES), uma instituição financeira que aplica o dinheiro dos contribuintes brasileiros para fomentar projetos de desenvolvimento.

O BNDES foi usado para custear com juros subsidiados empréstimos de milhões de dólares tomados pela Odebrecht em obras no exterior.

O especialista da Transparência Internacional destacou ainda um quarto eixo, sustentado pelo envolvimento dos profissionais de marketing político do Brasil, que acompanhavam os esquemas de corrupção executando o branqueamento de capitais e também fornecendo serviços em campanhas políticas nos países onde a Odebrecht corrompia governos em troca de benefícios económicos.

“Juntos, estes quatro pilares compõe uma engrenagem que foi responsável pela internacionalização da corrupção brasileira na América Latina e na África”, avaliou Bruno Brandão.

Já o professor de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), Rafael Valim, entende que os sistemas legais dos países da América Latina favoreceram a expansão destes negócios ilícitos porque suas leis de combate à corrupção têm pouca tradição.

“Existem mecanismos de controlo da corrupção na Administração Pública [na América Latina], mas a institucionalidade nestes países é muito frágil (…) Embora existam leis de combate à corrupção, as estruturas que teriam que fazer este trabalho na América Latina continuam frágeis e o sistema político, assim como no Brasil, acaba sendo dominado por interesses de empresas privadas”, frisou.

O especialista da PUC também reforçou que o esquema criminoso de expansão realizado pela Odebrecht é mais comum do que parece, e que a empresa não foi a primeira a implantar métodos ilícitos para ganhar dinheiro fora de seu país de origem. “Existem casos mundiais envolvendo a Alstom, a Siemens e muitas empresas dos Estados Unidos. A corrupção [praticada por empresas] é comum no plano internacional”, disse.

Embora tenha críticas sobre a investigação aos escândalos de corrupção da Odebrecht fora do Brasil, Bruno Brandão avalia que houve avanços e afirma que vários países da América Latina, como o Panamá e a República Dominicana, que antes estavam inertes às denúncias começaram a fazer investigações próprias.

Já o professor de direito da PUC, Rafael Valim, demostrou uma visão mais pessimista dos desfechos destes escândalos, ao avaliar que grupos estão fazendo uso político do combate à corrupção para adotar práticas que ameaçam as repúblicas latino-americanas.

“Tenho visto a promoção de um combate à corrupção a qualquer custo, com violação de direitos fundamentais ou investigações feitas com parcialidade. Estas práticas geram mais corrupção. Eu percebi que elas têm sido usadas de forma constante nos países da América Latina”, concluiu. 

Enquanto o futuro das denúncias contra a Odebrecht ainda não está totalmente selado, membros do aparelho judiciário brasileiro anunciaram no último dia 17 a assinatura de um acordo de cooperação com representantes dos ministérios públicos da Argentina, Chile, Colômbia, Equador, México, Panamá, Peru, Portugal, República Dominicana e Venezuela para reforçar a utilização de mecanismos de cooperação jurídica internacional no combate à corrupção. 

Carolina de Ré-Exclusivo Lusa/Plataforma

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