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Casinos mais vulneráveis ao branqueamento de capitais

O território faz uma “aplicação inadequada” nos casinos da legislação que regula o branqueamento de capitais, conclui um estudo publicado em Janeiro no Journal of Money Laundering Control que compara Macau à jurisdição norte-americana.

Tratando-se o jogo da atividade impulsionadora da economia do território, e tendo em conta as características culturais de Macau, existe uma relação de cooperação entre os casinos e o órgão que os regula, que enfraquece a capacidade de aplicação da lei. São as conclusões de um artigo intitulado “A legislação do branqueamento de capitais nos casinos – Macau e os Estados Unidos”, lançado em Janeiro na publicação académica Journal of Money Laundering Control, da autoria do professor do Instituto Politécnico de Macau, Carlos Siu Lam, e do docente de Linefield College, Estados Unidos, Malcolm Greenlees.

O artigo propõe-se “examinar as diferenças nas suas abordagens regulatórias no que diz respeito aos seus sistemas de notificação quanto ao branqueamento de capitais e discute possíveis fraquezas no respetivo regime regulatório”, destinando-se a “analisar como os requisitos dos Estados Unidos se podem harmonizar para os casinos que têm propriedades-irmãs em Macau, no que toca às futuras regras de combate ao branqueamento de capitais”. 

Os analistas começam por explicar que, no caso dos Estados Unidos, os casinos que ali operam estão sobretudo ligados ao setor de massas, ao passo que as salas VIP do território contribuem para mais de 60 por cento das receitas do jogo.  “A natureza destas salas VIP e dos promotores de jogo, bem como a sua inclinação cultural para a anonimato nas suas transações, gerou preocupação sobre as possibilidades de uma ampla variedade de tipos criminais de lavagem de dinheiro em Macau”, refere o estudo. 

As diferenças

Assim, no que toca aos procedimentos que tem de cumprir um casino norte-americano, o documento aponta quatro requisitos fundamentais: “Tem de haver um programa de cumprimento da legislação; o casino tem de notificar grandes transações de moeda; o casino tem de notificar transações suspeitas; há um mínimo de manutenção de arquivos e de requisitos de formação [de profissionais] ao abrigo da lei.”

No caso norte-americano, o sistema regulatório compreende um documento — “Title 31” — que determina regras para todos os casinos, centralizando as notificações num único departamento — FinCEN — e cuja aplicação da lei está a cargo da agência fiscal IRS.

Os requisitos no campo da notificação existem a dois níveis. “O primeiro exige a identificação de qualquer jogador que inicie uma grande transação em dinheiro num casino”, ao passo que a segunda fase “implica a necessidade de dar entrada a relatórios de atividade suspeita para qualquer uma das mais variadas transações que podem ser consideradas suspeitas por natureza”. 

Pelo contrário, o sistema regulatório do território compreende “duas leis da Assembleia Legislativa, regulamentação administrativa e instruções da Direção de Inspeção e Coordenação de Jogos de Macau [DICJ].” 

No caso específico dos casinos de Macau, as salas VIP — responsáveis pela maioria das receitas da indústria — são geridas por uma terceira parte contratada pelo casino, levando a que “não haja o mesmo nível de controlo que há sobre as operações que estão diretamente sobre o controlo do operador”. Assim, “as salas VIP são claramente um alvo mais vulnerável para as operações de lavagem de dinheiro”, refere o estudo. 

Assim, no que toca aos procedimentos de notificação de operações de controlo do branqueamento de capitais, o sistema de Macau é composto por dois níveis. “A primeira parte exige a identificação de qualquer jogador que inicie uma grande transação em dinheiro num casino. A segunda é a notificação de uma ampla variedade de transações que podem ser consideradas suspeitas”, esclarece o documento. 

Porém, contrariamente aos Estados Unidos que definem que qualquer operação de ou acima de 10 mil dólares norte-americanos (perto de 81 mil patacas) por dia, a DICJ sugeriu definir um montante superior, situado nos 62,500 dólares norte-americanos (aproximadamente 502 mil patacas). 

Os números divulgados pelo Gabinete de Informação Financeira e citados pelo relatório revelam que “a principal fonte das notificações de casos de lavagem de dinheiro vem do setor do jogo, e que a sua contribuição aumentou de 50 por cento para mais de 75 por cento, no número total de relatórios, em 2014”. Além disso, as estatísticas revelam ainda que “os principais tipos eram a conversão de fichas sem atividades de jogo, transferências bancárias suspeitas, bem como o uso de máquinas de depósito e o uso suspeito de cartões de crédito e de débito”. 

Comparando com os Estados Unidos, o documento aponta para algumas diferenças, no que toca a 2014. “A categoria de estruturar transações para evitar a notificação de transações em dinheiro não existe nos números de Macau. Talvez a imposição de um limite mínimo nos 62,500 dólares norte-americanos tenha eliminado esta categoria”, lê-se. “Transações invulgares correspondem a 16 por cento nos Estados Unidos, mas são 28 por cento em Macau, sobretudo através de transferências bancárias, cheques e contas. Casos de falsa identificação correspondem a mais de 14 por cento nos Estados Unidos, enquanto em Macau regista-se 25 por cento. Além disso, o uso de máquinas multibanco, máquinas de depósito e cartões de débito e crédito são populares em Macau, enquanto quase não existem nos Estados Unidos”, acrescenta o documento.

As conclusões

Tanto nos Estados Unidos como em Macau, grande parte da legislação no que toca ao branqueamento de capitais envolve protocolos conhecidos por procedimentos de devida diligência. Ora, dado que no território, nas salas VIP, os promotores “operam de forma informal”, trazendo clientes cujos “desejos são supremos”, muitas vezes os nomes e outra informação são substituídos. “Esta prática permite que os jogadores de alto nível possam usar avultadas quantias de dinheiro sem haver rasto”, conclui o documento. 

Além disso, dada a cultura chinesa, “tem de ser encontrada alguma maneira de minimizar o impacto negativo dos requisitos de notificação e que resultam da prática de dar a face e favores aos jogadores VIP”. Considerando que “Macau tem inspetores nos casinos para supervisionar todas as operações”, o estudo sugere que Macau “aumente esta fiscalização de forma a que o nível de controlo nas salas VIP não seja inferior ao dos casinos”.

Dito isto, o documento conclui que Macau “não parece ter um nível adequado de aplicação da lei”, mas está atualmente “em processo de criar mais regras e regulamentações, alinhadas com os requisitos internacionais e o regime de notificação”. 

Assim, dado que os Estados Unidos “precisam de reter o nome, morada e número de segurança social de um jogador, e as regras de criação de ficheiros são aplicadas com mão pesada, perante a ameaça de penas para os que não as cumprem”, trata-se de um sistema “mais virado para a aplicação da lei”. No caso de Macau, dadas as características culturais, o território tem problemas de aplicação da lei. 

Por último, o estudo identifica ainda um problema internacional. Dado que há cada vez mais jurisdições a legalizar o jogo, “há mais oportunidades para os branqueadores de capitais explorarem países em desenvolvimento com bases fracas no que toca ao sistema de cumprimento e escassa legislação”, cabendo aos casinos “de jurisdições bem reguladas liderarem o caminho demonstrando o cumprimento forte”. 

Luciana Leitão

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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