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“Para uma parceria mais densa e mais forte”

Com um universo de 300 associados, a Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa (CCILC) queixa-se do investimento chinês que escapa a Portugal por falta de constância fiscal e jurídica. O secretário-geral, Sérgio Martins Alves, defende um consenso político alargado para melhorar a relação económica bilateral.

A CCILC tem considerado que não há uma estratégia muito organizada na captação de investimento e no trabalho dos mercados com a China. Há maior organização hoje, na opinião da Câmara? Que expectativas há quanto à visita próxima do primeiro-ministro português, António Costa, à China continental e Macau?

Sérgio Martins Alves – Esperamos que a visita possa provocar um processo mais estruturado. Houve um elemento político importante que foi a criação da secretaria de Estado da Internacionalização. Todavia, nós continuamos a ter instrumentos de apoio à internacionalização muito atomizados. Entre AICEP [Agência para  o Investimento e Comércio Externo de Portugal], Turismo de Portugal e IAPMEI [Agência para a Competitividade e Inovação] devia haver um trabalho muito mais agregado. E, depois, devia haver um reajustamento da rede. A AICEP tem uma rede externa que anda à volta das 150 pessoas e 85 estão dentro do mercado comum [União Europeia], onde não há barreiras alfandegárias e há livre circulação de bens, serviços e capitais. Temos 20 pessoas na Ásia, 20 pessoas em África e cerca de 20 pessoas nas Américas. Que sentido faz? Portanto, na vertente institucional e naquilo que são os instrumentos já criados, a Câmara tem duas mensagens: acabar com efeitos de redundância e criar economias de escala e, por outro lado, reajustar a rede – em consonância também com o reajustamento que terá de ser feito na própria rede diplomática, fazendo co-localizações onde há sentido.

– E quanto à relação com a China?

S.M.A. – No que diz respeito à China, acreditamos que a ‘expertise’ de um secretário de Estado [Jorge Oliveira] que viveu nesta região do mundo muito tempo e que até fala chinês, assim como o facto de estar inserido nos Negócios Estrangeiros, pode de facto potenciar uma relação mais organizada com a China no sentido de termos projetos concretos de investimento de longo prazo, e de médio-longo prazo, para os chineses sentirem a confiança necessária, que há custos de contexto muito interessantes e mais-valias extraordinárias no que diz respeito ao alcance que os investimentos podem ter noutras latitudes do globo – nomeadamente, na lusofonia. Sentimos que isso não tem sido feito. Temos visto alguns investidores hesitar, ou ir para outras paragens porque simplesmente percebem que não há um nível de estabilidade fiscal e jurídica, mas sobretudo dos próprios planos de investimento.

– Defende um plano que inscreva prioridades de investimento e oriente os investidores quando abordam o mercado. Quais as vantagens?

S.M.A. – Se um investidor me perguntar de que tipo de investimento o país está à procura, posso guiar-me um pouco pelas linhas que vão alimentando o debate público. Posso falar disso tudo, mas é uma retórica pouco objectiva. Eu podia ter um elenco de projetos de interesse nacional em várias áreas que fossem definidas politicamente ao mais alto nível e com o mínimo de consenso entre os grandes partidos, ou aqueles que suportam o governo mas também estão na oposição. No quadro político em que estamos, tinha de ser de facto todos os partidos. Não é de repente vir um novo governo e agora já não queremos aeroporto, ou não queremos linha de alta velocidade. Não sou especialista nestas matérias para dar palpites ou sugestões. Este é um reflexo da relação que tenho com os investidores e com associados, com gente que vai muito a mercados de capitais, que aborda sistematicamente potenciais parceiros e que sente que há este problema latente de há muitos anos a esta parte. O país não é organizado, não é fiável do ponto de vista jurídico e fiscal, sendo um sítio cheio de virtudes. Gostava que esta entrevista tivesse, muito honestamente, o registo positivo de quem está a apontar coisas que podem ser melhoradas. A AICEP foi criada muito oportunamente e hoje trabalhamos muitos melhor do que trabalhávamos há 10, 15 ou 20 anos. No entanto, temos pontos a melhorar. É difícil chegar a algum consenso, muitas vezes em função da localização ou dos incentivos aos investidores, mas não seria assim tão difícil chegar a um documento que pudesse ser renovado em ciclos de 10 ou de 15 anos e que nos permitisse saber o que queremos para o país agora.

– O investimento chinês que tem chegado a Portugal nos últimos anos tem, em grande volume, ficado concentrado no imobiliário, saúde, sector financeiro e energia. Que tipo de critério orienta mais este investimento? A ligação a outros países do universo lusófono?

S.M.A. – O racional não é só esse. Esse é um deles, e é muito forte. No nosso caso, temos aí bons argumentos para apresentar. Veja-se os resultados dos quais as empresas que fizeram esses investimentos, em parte com essa lógica, já estão a beneficiar – sejam adjudicações para a construção de barragens no Brasil para a China Three Gorges, seja a REN levar a State Grid para Moçambique, seja a Haitong a ter um banco com balcões abertos da City de Londres até ao Dubai, passando pelo Brasil, ou a Fidelidade, que permitiu à Fosun ter uma rede de agências abertas pela Europa fora e até em África. Estão a saber aproveitar isso. Mas, há investimentos com outro racional, como no caso de investimentos como a Luz Saúde, [que procura] know-how, prestígio, incremento da reputação no mercado de origem, a China, diversificação e dispersão de interesses. Este é também o racional da aquisição da REN.

– No sector imobiliário, assistimos agora a uma discussão sobre a possibilidade de haver carga fiscal adicional sobre os imóveis considerados de luxo. Pode ser um factor desestabilizador para o investimento chinês que se tem centrado muito nesta área com o programa vistos gold?

S.M.A. – Não me parece que alterações de ordem fiscal produzam uma reação muito marcada nos investidores chineses. O objectivo principal é o visto, o segundo é o retorno. Depois, há o objectivo de circulação na Europa e a possibilidade de colocar os filhos em sistemas de educação ocidentais. Tinha de ser um alteração fiscal de enorme impacto – estamos a falar de pessoas com algum grau de liquidez. Não pode acontecer pior do que aquilo que já aconteceu. Dificilmente algo criará uma retração tão forte como termos as três figuras institucionais mais relevantes nos processos de autorização de residência a serem constituídas arguidos. Tivemos automaticamente uma reação nefasta na China em termos de comunicação social. Uma quantidade enorme de televisões regionais, jornais, rádios publicaram que as pessoas não eram de confiança, que havia muita corrupção e que os chineses andavam a ser enganados. Teve um efeito terrível na imagem do país. Na Câmara, pudemos observar centenas, se não milhares, de clientes serem desviados para Madrid pelos próprios mediadores que estavam baseados em Lisboa. Há fluxos que já não vêm para cá, que ainda não se recuperaram.

– A próxima reunião ministerial do Fórum Macau tem como tema a iniciativa Uma Faixa, Uma Rota. Recentemente, o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, deu uma entrevista ao Diário do Povo na qual renovava o interesse pela captação de investimento para o Porto de Sines. No quadro da atual situação de comércio e dificuldades vividas pelas companhias portuárias, parece-lhe que é possível haver novidades sobre Sines?

S.M.A. – Claro que há. Mas voltamos à mesma questão, que é a de ter um plano realista e objectivo – coisa que não temos tido. Desde 2005 que me recordo de várias delegações importantes de cidades portuárias colossais na China se deslocarem ao Porto de Sines com o objectivo de identificarem o seu potencial. Mas saíram de lá com muitas perguntas e poucas respostas, e continuam a sair, infelizmente. Quando é que há uma linha de alta velocidade para Espanha? E aquela autoestrada para Beja que ficou a céu aberto com os pilares lá metidos? E o aeroporto logístico de Beja? Espero bem que a China não exclua, não só Portugal, mas a península ibérica, dos investimentos que estão a ser feitos no contexto do ‘One Belt, One Road’, mas a realidade é que as várias rotas traçadas beneficiam largas dezenas de países – muitos deles já estão de há alguns anos a esta parte a receber esses investimentos – e em nenhuma delas vi a península ibérica inserida.

– Faltam as infraestruturas básicas que apoiem o investimento?

S.M.A. – Não, falta o plano. As infraestruturas básicas já estão pensadas. Falta um plano realista de concretização. Sines foi concebido como um grande hub logístico ainda durante os anos 1970. Seria por definição o porto peninsular. Temos de acelerar e preparar-nos para esta nova vaga, porque de facto temos na China um potencial parceiro extraordinário. Essa era a grande virtude que nós devíamos ter: conseguir desenhar com a China uma parceria que tivesse alguma singularidade, porque parcerias estratégias a China tem muitas. Nós estivemos na China 500 anos, cumprimos escrupulosamente o nosso compromisso político, reinvestimos integralmente as nossas receitas na infraestruturação do território [Macau], temos ainda hoje um banco emissor cuja matriz legal é portuguesa, temos relações extraordinárias com personagens muito importantes no contexto político nacional, e devíamos saber trazer a China para uma parceria muito mais densa e mais forte. Uma das coisas de que tenho pena é que, de todas as vendas que o Estado fez que conduziram aos principais investimentos de capital chinês até agora, as negociações foram feitas cada uma isoladamente com a lógica do retorno financeiro e nada de político foi desenhado ao lado que conduzisse a contrapartidas de investimento ‘greenfield’. Era uma coisa que com a China se podia fazer facilmente – sem com isso insinuar que os processos de privatização fossem menos transparentes do que são. À medida que as decisões foram sendo tomadas, o lado político não devia simplesmente ter descansado e deixado a Parpública [Sociedade Gestora de Participações Sociais do Estado português] e o Tesouro a vender participações sem negociações acopladas. Revelou um certo amadorismo da nossa parte.

– A Câmara de Comércio da União Europeia na China lançou muito recentemente o seu relatório de posição anual no qual diz que é politicamente insustentável a falta de reciprocidade no investimento, com as empresas europeias a encontrarem muito maiores dificuldades de acesso ao mercado chinês. A CCILC comunga desta posição?

S.M.A. – A Câmara comunga, naturalmente, porque é um dos elementos constituintes das estruturas europeias e obviamente que nós sentimos que o protecionismo chinês não permite uma relação equitativa de parte a parte no que diz respeito não apenas a matérias de investimento, mas também comerciais. Todavia, em Portugal não sentimos muito esse problema porque nós não temos investidores para ir comprar nada à China neste momento – expressivos, não temos. Já lá vai o tempo em que Portugal tinha várias fábricas de cimento na China através da Cimpor e coisas do género.

– Em Novembro, a CCILC organiza em Lisboa o Fórum Portugal-China. O que vai ser discutido e quem vai estar?

S.M.A. – Vamos ter painéis temáticos sobre as áreas que mais têm dinamizado a relação económica bilateral: energia, indústria, turismo, etc. Temos uma manhã de oito conferências temáticas e temos uma grande feira de comércio e investimento, que dura dois dias e onde as empresas vão poder expor os seus produtos e mostrar os seus ativos. Terminamos com uma gala na qual oferecemos os prémios de mérito empresarial. Vamos contar com um forte apoio da China para trazer delegações. Gostávamos que o governo português se envolvesse mais e também pudesse emitir algumas cartas de convite a membros do governo chinês para que eles possam eventualmente liderar delegações. Já desafiámos o Governo a fazer isso. Esperamos poder contar com esse apoio. 

Maria Caetano 

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