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Mau tempo para a meteorologia

Chegou a prever-se o sinal 10 de alerta máximo. O Nida ameaçava ser um dos tufões mais violentos da memória recente mas, afinal, não passou do sinal 3. A decisão que obrigou as pessoas a irem trabalhar, provocou uma chuva de críticas nas redes sociais contra os Serviços Meteorológicos e Geofísicos (SMG), os únicos em toda a região que decidiram manter a cidade a funcionar.

O sinal 8 significa inundações, derrocadas, árvores caídas, objetos a voar… A ordem é ficar em casa. Não é propriamente sinal de medo para populações habituadas a intempéries, que são cíclicas nesta parte do mundo. Os prejuízos materiais são muitas vezes inevitáveis, mas do ponto de vista da segurança física, é antes um sinal de prevenção contra eventuais consequências de ventos muitas vezes superiores a 100 quilómetros/hora, chuvas intensas e inundações que paralisam certas zonas da cidade… Mas também é sinal de um sorriso discreto, nem sempre confesso, perante o gozo de uma folga não prevista no calendário. Era o que se previa para a última terça-feira; foi o que aconteceu em Hong Kong, Shenzen, Huizhou, Foshan, Jiangmen, Dongguan, Zhongshan…. Até em Cantão, 135 quilómetros terra a dentro, em linha reta. Mas não em Macau, onde à última hora os SMG mudaram de opinião. “Quando estava a atingir a costa o nosso radar conseguiu detetar o tufão e vimos que a zona ventosa estava a leste da foz do Delta do Rio das Pérolas, que não é a nossa zona”, explicou o diretor dos SMG, Fong Soi Kun, vincando que as regiões “são diferentes”. Para além da “ciência”, concluiu ainda aquele responsável, as decisões obedecem também a uma percepção empírica, feita de experiência e do “conhecimento pessoal”. 

Do ponto de vista científico, a intensidade máxima dos ventos – “pouco mais de 60 quilómetros”, segundo dados oficiais – preenche os requisitos de uma tempestade tropical  de sinal três, o que “dá perfeitamente para circular”, na expressão de Fong Soi Kun. Contudo, a velocidade máxima dos ventos registou-se precisamente entre as 6h00 e as 7h00, hora a que muita gente se desloca para o trabalho. Os vídeos publicados ao início da manhã de terça-feira nas redes sociais, nos quais se veem motas no chão e motociclistas encostados nas bermas da Ponte da Amizade, incapazes de enfrentar a intempérie, provocaram uma reação de indignação em cadeia. Do ponto de vista empírico, ou da percepção de muita gente, o sinal 8 deveria ter sido içado. 

Ainda segundo o diretor do SMG, os cidadãos e as empresas também podem tomar “as suas próprias decisões”, dando a entender que, mesmo com sinal 3, cabe às companhias aéreas decidirem se cancelam ou não os voos; as pessoas não têm necessariamente de atravessar a ponte, pelo menos de motorizada; os trabalhadores podem faltar ao emprego, ainda que arriscando faltas injustificadas.

Patrões e casinos

“A culpa é dos casinos”, ouviu-se durante a semana nos chamados comentários de café. Gilberto Camacho – ver comentário nestas páginas – alega não ser apenas porque lhes interessa mais movimento, mas também porque pagam a dobrar aos funcionários que trabalham em dia de sinal 8. “Os trabalhadores são duplamente prejudicados”, comenta a propósito um jovem jurista: “Não ganham o que deviam e ainda correm riscos”, conclui, chamando à atenção para a “irresponsabilidade” dos SMG.

“Os amigos que trabalham têm que sair de casa! Temos de agradecer aos SMG terem-nos deixado trabalhar, com ventos fortes e chuva intensa, pois assim puderam sentir a fúria do tufão Nida. É preciso lembrar que, com sinal 3, se houver um acidente durante a ida ou o regresso da empresa não conta como acidente de trabalho”, comenta Yiu Yu, um dos muitos que na terça-feira aderiram nas redes sociais a grupos de campanha contra os SMG. “Prever as condições meteorológicas não serve só para garantir a segurança das pessoas em casa; logo, mesmo não tendo a velocidade do vento atingido os níveis que obrigam a içar o sinal 8, não se cuidou de proteger os cidadãos contra a queda de árvores ou de evitar os perigos que enfrentaram ao atravessar a ponte de motorizada. Os SMG não foram responsáveis, reagiram mecanicamente aos dados, sem avaliarem a situação no terreno, o que os teria levado a içarem o sinal 8. Quiseram proteger o dia de trabalho e com isso prejudicaram os cidadãos”, acusa Nelson Pou.

Olhando para “a força do vento e das chuva”, Joe Tai recusa os argumentos utilizados por Fong Soi Kun para manter o sinal 3, lembrando que “não só em Hong Kong, mas em todo o Delta do Rio das Pérolas, as escolas fecharam e os cidadãos foram dispensados do trabalho, evitando assim os riscos que corriam na rua”. Por isso considera “inaceitável” a posição tomada pelos “alegados profissionais dos SMG”, também acusados por Harry Popo: “Embora em Hong Kong os ventos não tenham atingido a velocidade que dita automaticamente o sinal 8, ele foi içado por questões de precaução. Em Macau, já por duas vezes esse limite foi ultrapassado sem que o sinal 8 tenha sido içado.”

Kenneth Chan, residente em Macau, passou em Hong Kong os três dias que antecederam à chegada do Nida; ou seja, até às 22h00 do último dia 1. Diz que a chuva fez-se sentir, mas o vento era “moderado” em Wan Chai. “A chuva foi mais forte durante a noite e madrugada, tendo parado na manhã seguinte. Apesar disso, o sinal 8 continuou içado durante a manhã, mesmo tendo havido zonas menos afetadas. Em Macau é tudo ao contrário. Não duvido dos vossos conhecimentos, mas não nos tratem como idiotas”, concluiu Kenneth Chan, um dos participantes num grupo de críticos onde Mechilia Chan, deixa uma pergunta direta a Fong Soi Kun: “Já soube o que aconteceu na rua?” 

Coloca em risco a vida dos cidadãos

Perante as queixas por os Serviços de Metereológicos e Geofísicos por não ter içado o sinal 8; e especialmente após ter visto o vídeo que mostra o perigo que as motas enfrentaram ao atravessar a Ponte da Amizade, terminei a investigação que iniciara há algumas semanas para provar de que a SMG não está qualificada para este importante serviço público. Pior, coloca em risco a vida dos cidadãos, o que é punível por lei. É apenas uma questão de tempo até que alguém fique gravemente ferido ou morra por causa da obrigação de sair à rua nestas condições meteorológicas. Por isso decidi partilhar esta informação:

1) Em 2001 e 2003 houve dois tufões (Utor e Dujuan) com características muito semelhantes às do Nida: velocidade dos ventos e rota. Em ambos os casos foi içado o sinal 8. No seu auge, o Utor provocou ventos de 130 km/h. Ao entrar no Mar do Sul da China, enfraqueceu e transformou-se em forte tempestade tropical. No seu ponto mais próximo, o Utor esteve 90km a norte de Macau. 

O Tujuan provocou ventos de 121 k/h, tendo também perdido velocidade antes de chegar a terra, poucos quilómetros a leste de Hong Kong. O ponto mais próximo foi 80 km a norte de Macau.

O Nida provou no seu pico ventos de 130 km/h, poucas horas antes de chegar a terra, a leste de Hong Kong. Esteve 90 km a norte de Macau.

2) A partir de 2011, os SMG não publica a velocidade maxima dos ventos. Por que omite dados tão importantes? No caso do Vicente (2012), já não há esse registo. E foi uma das mais fortes tempestades que se abateu sobre Macau, catalogado como Tufão 4, contra 3 do Katrina, que provocou os estragos que se conhecem em Nova Orleães, nos EUA. O caso do Katrina é particularmente chocante: Hong Kong já tinha içado o sinal 9 e aqui mantinha-se o 3, estando a tempestade mais próxima de Macau.

3) Aparentemente, no passado a utilização dos sinais de alerta era mais adequada. Os dados entre 2001 a 2014 mostram que, após 2009, é cada vez maior a resistência ao sinal 8. Estará isso ligado à obrigação dos casinos pagarem o dobro aos seus rabalhadores nesses dias?

Conclusão: os SMG são como o seu site: não fidedignos, desatualizados e, agora, não fiáveis.

Gilberto Camacho, no Facebook

Impacto em Shenzhen

O Nida tocou terra às 03h35 de terça-feira na Península de Dapeng, Shenzhen. Ventos de 151 quilómetros por hora foram registados durante a madrugada em Hong Kong, tendo as autoridades alertado para o perigo de inundações e derrocadas. Mais de 200 pessoas procuraram refúgio nos abrigos do Governo, mas alguns fãs do Pokemon Go equiparam-se com impermeáveis para caçar monstros durante a tempestade. Cerca de 2.000 trabalhadores foram retirados da construção da ponte que vai ligar Hong Kong, Macau e Zhuhai.

Voos e barcos suspensos

As ligações marítimas foram suspensas na região e as ligações aéreas seriamente afetadas. Em Hong Kong, mais de 150 voos foram cancelados logo na segunda-feira. Em Macau, mantendo-se o sinal 3, cada companhia tomou as suas decisões. A Air Macau cancelou quatro voos logo na segunda-feira, (Banguecoque e Danang) tendo atrasado vários outros na terça-feira, dia em que chegou a cancelar 20 ligações. Na tarde de terça-feira, Philippines Airlines, Tiger Air Taiwan, Eva Airways e Transasia Airways continuavam a gerir atrasos e adiamentos. Um porta-voz da autoridade aeroportuária de Hong Kong disse à AFP que apenas 200 voos seriam realizados entre as 06h00 e as 18h00 de terça-feira. Num dia normal, aquele aeroporto opera 1.100 voos. Mais de 220 voos foram cancelados a partir de Guangzhou, Shenzhen e Zhuhai.

Noite no terminal marítimo

Várias pessoas passaram a noite no Terminal Marítimo do Porto Exterior, à espera de luz verde em Hong Kong. Manuela, que tentava regressar a Portugal, descreveu a experiência à Lusa: “Miserável. Ficar aqui foi miserável. Só nos restava estar sentadas ou andar de um lado para o outro. Não podemos fazer quaisquer planos porque estamos só à espera”. As ligações seriam retomadas ao início da tarde de terça-feira.

Árvores e tabuletas caídas

Entre as 19h00 de segunda-feira e as 12h00 de terça-feira, o Corpo de Bombeiros contou em Macau 23 árvores caídas, bem como 22 objetos, entre os quais tabuletas de lojas. Há ainda notícia de uma barraca que ficou sem uma parede e, por solicitação da polícia, os bombeiros deslocaram-se à Ponte 16 por causa de uma inundação. Nota ainda para dois acidentes de automóvel, que causaram ferimentos ligeiros em duas mulheres, transportadas para o hospital.

Paulo Rego

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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