Início Entrevista “Macau pode ser um centro de pensamento e de investigação”

“Macau pode ser um centro de pensamento e de investigação”

O colóquio de Política Ambiental para os Países de Língua Portuguesa, que decorre entre 15 e 30 de setembro, na Universidade Cidade de Macau, é o contexto a partir do qual Rui Rocha projeta uma cidade diferente, que pode até ser um centro mundial de conhecimento, também na proteção ambiental e na economia verde. “Desde que haja vontade política”.

Plataforma – Como é que nasce o formato deste colóquio centrado na economia verde; tema pouco comum em Macau e mais raro ainda no contexto das relações entre a China e os países de língua portuguesa?

Rui Rocha – Há uma fase inicial importante, que é o da divulgação do 12º plano quinquenal do governo central, que claramente diz quais são as virtualidades da economia de Macau, relativamente à integração regional, ao centro de turismo e lazer e às relações com os países lusófonos. Em função desse plano – 2011 – a Universidade Cidade de Macau criou um Instituto de Investigação para os Países de língua Portuguesa, no contexto do qual se inscreve toda a abordagem a seminários e congressos com os países lusófonos. Todos os anos o Fórum Macau publicita um conjunto de intenções relativamente aos colóquios que quer ver realizados em Macau e oferece às universidades a possibilidade de concorrerem e apresentarem os seus projetos. Este ano concorremos apenas a este e ganhámos.

– Por que razão escolheram o ambiente?

[R.R.]- Os tópicos são definidos pelo Fórum Macau; as universidades sentem que têm competências e conhecimentos técnicos e científicos para formatar um colóquio deste natureza e apresentam as suas propostas.

– Qual é a relevância da questão ambiental nas relações da China com a Lusofonia?

[R.R.]- Os países mais desenvolvidos têm já uma componente importante de economia sustentável; mas a tendência dos países em vias de desenvolvimento é também tornar a economia numa ciência moral; ou seja, tratando de forma eticamente correta os bens que são escassos. Uma economia que consegue criar condições sustentáveis de desenvolvimento com os novos bens jurídicos – como sejam o ar, a terra e o mar – é fundamental para um projeto de cidadania sustentável e eticamente aceitável, para o presente e para o futuro.

– Surgem os primeiros relatórios oficiais a apontarem a economia verde como um paradigma de futuro na China. O debate está mesmo a acelerar no Continente?

[R.R.]- É um discurso novo na China, mas já no ano passado, no âmbito de outro projeto ligado ao ambiente, fiquei francamente surpreendido com a legislação de proteção ambiental e a quantidade de empresas ligadas às energias verdes.

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A contrapartida fundamental aqui seria o sector do jogo investir na ciência e na investigação (…) Uma cidade tão pequena, com uma capacidade financeira tão grande, devia ter muito mais centros de investigação

– O tema ganha também dimensão em Macau?

[R.R.]- A Direção dos Serviços de Proteção Ambiental tem programas excelentes exemplos, como a CEM, a Companhia das Águas, da CESL Ásia ou a Companhia de Sistemas de Resíduos. Sem contar com os serviços públicos, como o IACM, que têm campanhas muito fortes de proteção ambiental. A CEM promove o carro elétrico, a poupança de energia e, inclusivamente, rotula os equipamentos domésticos aconselháveis para uma poupança de energia… Há inúmeras associações ligadas à promoção das indústrias ecológicas e temos uma preocupação crescente com o ambiente essa relação fundamental entre o património natural e o património construído. Aliás, é uma tendência universal; não é só local ou nacional.

– No entanto, os carros elétricos nem sequer estão homologados, a cidade está cada vez mais poluída e “cercada” por uma das zonas industriais mais poluentes do mundo…

[R.R.] – Por isso que escolhemos um tópico muito interessante: Economia do Desperdício e Ecologia da Destruição, para discutir modelos que nos permitam obviar a economia do desperdício. Há projetos muito interessantes, como um que há alguns vi em Chengdu, patrocinado pela União Europeia. Os resíduos orgânicos eram reciclados nos mil maiores restaurantes de Sichuan e, curiosamente, com investimento de pouco mais de 6 milhões ao fim de um ano produziam-se cerca de 8 milhões em produtos transformáveis em purinas para a alimentação animal e um milhão em óleos industriais. A possibilidade de limpar a cidade de resíduos orgânicos está à vista, mas hoje há novas preocupações, a começar pelo lixo electrónico, que pode conter 700 metais ferrosos e não ferrosos dificilmente recicláveis. É uma das componentes também que tentámos incluir neste projeto.

– Qual o papel que Macau pode desempenhar na promoção da economia verde, concretamente na ponte entre a China e a Lusofonia?

[R.R.] – Há uma relação sempre biunívoca entre os países de língua portuguesa e a China. A perspetiva é fundamentalmente de cooperação económica em relação àquilo que a China sempre entendeu que Macau poderá ser, abrindo portas ao investimento da China nos países de língua portuguesa e, simultaneamente, promovendo parcerias empresariais. Quando falamos do Fórum Macau temos de pensar que o tecido empresarial dos países de língua portuguesa, bem como o da China, é constituído em 90% por Pequenas e Médias Empresas. As grandes empresas têm os seus canais próprios, políticos e negociais; mas PME é precisam de uma ponte que lhes permita fazer a ligação. Nesse aspeto, o Fórum Macau tem um papel fundamental.

– Referia-me a eventuais experiências piloto que fossem exemplos para os mundos a China e a Lusofonia. Será possível em Macau?

[R.R.] – Há uns anos, no Instituto Politécnico, apontei Maastricht como exemplo de desenvolvimento sustentável que Macau poderia seguir. Na década de a 1980, com crise do carvão, a cidade teve de reformular a sua economia e fez algo muito interessante: criou cerca de 300 institutos de investigação em todas as áreas; do ambiente às finanças, relações internacionais, tradução, administração pública, etc. E tornou-se uma cidade inteligente, um centro de pensamento sobre todas as vertentes do conhecimento. Macau descorou um bocado essa vertente; um quarto da população é discente e o sector privilegiado é o do jogo.

– O jogo paga contrapartidas…

[R.R.] – A contrapartida fundamental aqui seria o sector do jogo investir na ciência e na investigação. As universidades vão fazendo alguma coisa e há bons exemplos de investigação nas áreas da Medicina Tradicional Chinesa e das Ciências e Tecnologias; mas uma cidade tão pequena, com uma capacidade financeira tão grande, devia ter muito mais centros de investigação. O modelo de Singapura, por exemplo, está instituído no imaginário político como paradigma de desenvolvimento e de cidade eficiente. Mas, em termos concretos, outros valores se sobrepõem a essa concepção de cidadeestado. Acontece no ambiente, como aconteceu, por exemplo, na localização dos quadros. Estudei o assunto em Singapura e em Hong Kong e elaborei relatórios sobre modelos perfeitamente adaptáveis aqui. Contudo, por razões e interesses diversos, não foram adotados. Macau pode ser um centro de pensamento e de investigação – designadamente na área do ambiente – desde que haja vontade política.

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“O problema é sobretudo educativo”

– A diversificação económica pode também passar por uma visão ecológica?

[R.R.] – As indústrias verdes são fundamentais. Temos no colóquio também a temática da eficiência energética e da cultura bioclimática, nos sectores doméstico e empresarial. Como criar escolas verdes? Como criar indústrias verdes? Como criar residências verdes? Tudo isso é possível e não encarece tanto assim os custos de produção.

– Essa cidade inteligente poderia ser já discutida na renegociação das (sub) concessões de jogo?

[R.R.] – Exatamente! Outro tópico que incluímos no programa é o “Cidades Educadoras, Cidades Verdes”. Ou seja: a questão fundamental é educativa e  educação para a cidadania tem sido muito pouco enfatizada. Participei na Universidade de Macau em projetos de educação pessoal, social, e educação para a multiculturalidade. Tudo isso engloba a aceitação da diferença e de um mundo diferente para a cidade; mas esses três cursos, em língua portuguesa, extinguiram-se. A questão é de cidadania e tem de começar logo no ensino primário e no secundário, habituando as pessoas a pensarem de uma forma diferente e a exigirem uma cidade diferente. Isso é que é fundamental.

– A que distância estamos dessa consciência coletiva?

[R.R.] – Estamos no início desse debate. O sistema educativo em Macau tem um problema muito complexo: não há um plano global educativo; com objetivos no médio e longo termo. O sistema é policentrado, com decisões diversas, escolas ligadas ao pensamento anglosaxónico, outras luso-chinesas oficiais, outras ainda alinhadas com o pensamento continental; há escolas confessionais, etc. Não há um pensamento educativo para a cidade.

– Daí a cidade não ter uma ideia para si própria?

[R.R.] – Não se discute a cidade, não se consciencializa os estudantes para a ideia de cidade e, sobretudo, para uma ética de cidadania, com direitos e deveres. Continua a não ser obrigatório estudar História de Macau e quem não conhece a sua História não está apetrechado para discutir uma ideia para si próprio. Há um problema ambiental, mas o problema é sobretudo educativo.

– É também esse o problema do bilinguismo?

[R.R.] – Quando falamos de competências linguísticas temos da falar do ensino básico e do secundário. Não podemos ter a dificuldade que existe em encontrar intérpretes tradutores ou continuar, na área do Direito, com profissionais que falam bem português; ou não falam sequer chinês. Tudo isto tem de ser resolvido a montante das universidades.

– Esse debate está obliterado pelo ensino patriótico?

[R.R.] – Em relação a isso sou muito objetivo: a educação para a cidadania é uma educação para a tolerância e a rejeição da conflitualidade. Vivemos num sistema planetário altamente conflitual; temos uma terceira guerra mundial disseminada pelo planeta e, quando se fala em educação patriótica, entra-se numa espécie de fundamentalismo em que define claramente qual é a fronteira e qual é o inimigo. Em vez de ser inclusiva, é exclusiva. Portanto, a educação para a multiculturalidade é muito mais importante para a própria concepção de cidade: aberta à emigração e ponte entre diferentes culturas. Seria muito mais adequado a uma cidade internacional, aberta à diferença e à generosidade entre culturas do que a educação patriótica.

Findo o colóquio, quais os objetivos que gostaria de ver cumpridos?

[R.R.] – Estes colóquios têm dois momentos: um em Macau, outro no Continente. Este ano vamos a Nanchang visitar autoridades e instituições que se preocupam com a proteção ambiental. Fundamentalmente, pretendemos dar a conhecer o que estamos a fazer e conhecer o que a China está a fazer em matéria de proteção ambiental; mas também criar condições para estabelecer contactos e permutar know-how. Isso é fundamental e o Fórum Macau quer cada vez mais cooperação e investimento entre a China e os países de língua portuguesa, neste caso nas áreas verdes. A China está muito interessada nesses países, mas eles também estão muito interessados no grande mercado chinês. Há aqui uma confluência de interesses e estes colóquios pretendem sempre fomentar ligações que possam ser produtivas e duráveis no tempo.

Não se discute a cidade, não se consciencializa os estudantes para a ideia de cidade e, sobretudo, para uma ética de cidadania, com direitos e deveres

Paulo Rego

18 de setembro 2015

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