Depois de Biden o ter feito, em canto do cisne, Inglaterra também autoriza a Ucrânia a lançar mísseis de longo alcance. Moscovo reage atacando Dnipro com mísseis balísticos intercontinentais. A capa da “Político” mostra Putin a ensombrar a Europa; mestria com a qual ilustra o pânico que já leva suecos a armazenarem víveres e primeiros socorros, antecipando a escalada da guerra. Com a eleição de Trump, Olaf Scholz e Lula da Silva encomendam a alma a um novo Messias: Xi Jinping. Os líderes alemão e brasileiro juntam-se na fé de que o líder chinês possa pôr luz nesta loucura. Oxalá tenham razão.
Para o bem e para o mal, a política não é feita de ilusões – muito menos a guerra. As vítimas morrem mesmo, aos milhares – não ressuscitam. As armas não se calam, nem na Ucrânia nem na Palestina; todos os dias enterram mais fundo o sonho da paz. Há outra visão, de muito mais longo alcance: quem for capaz de fazer a paz, ganha um séquito de seguidores. E, nesse contexto, Pequim tem uma oportunidade de ouro na sua cruzada para recuperar face e influência global.
A reconstrução do pós-guerra, muito mais do que uma missão moral – é uma grande oportunidade económica. E a História mostra-nos que quem mais ganha com isso é quem está à mesa da negociação
Voltemos à terra: porque raio Xi Jinping o faria? Por muitos motivos: não é preciso virar costas a Moscovo, antes pelo contrário; é precisamente a proximidade que lhe permite negociar/impor uma solução. Mas também porque, nesse contexto, obrigaria Washington a pressionar Israel e a descomprimir a guerra comercial; ganharia pontos na Europa, no mundo árabe – e à escala planetária. Sobretudo, porque a energia da pacificação colocaria a China numa posição incontornável, não só de respeito, mas de liderança internacional. Não há melhor forma de recuperar a globalização económica, que tanta falta faz à China, para o seu próprio crescimento e pacificação interna. Por muitas vantagens que tenha na parceria estratégica com a Rússia, Pequim sabe bem que a crise que enfrenta resolve-se com o comércio global – não é só com vizinhos antiamericanos. Por fim, a reconstrução do pós-guerra, muito mais do que uma missão moral – é uma grande oportunidade económica. E a História mostra-nos que quem mais ganha com isso é quem está à mesa da negociação; definitivamente, quem põe na ordem o caos.
Este não é o momento de discutir quem tem mais razão – ou culpa. Todos têm a sua quota parte. O que verdadeiramente importa é saber quem segue o caminho do abismo; ou quem sabe pôr-lhe travão. Xi Jinping tem um discurso de globalização pacífica, crescimento e ambição com base nas relações internacionais e nas trocas comerciais… cabe-lhe perfeitamente o papel. E tem poder para isso; pelo que a China representa numa economia multilateral, pacífica e sustentável; e pela influência ímpar na relação com Putin.
Não o fará, certamente, de graça. Ninguém o fará. A arte da negociação está em perceber o que ganha a Ucrânia, mas também a Rússia; o que ganha a Palestina, mas também Israel; o que convence a Europa, Estados Unidos, BRICS…
Fala-se muito na falta de grandes líderes mundiais. Mas há hoje dois nomes incontornáveis: Trump e Xi Jinping. Goste-se – ou não – está nas mãos deles acabar com a guerra e mudar o foco para a paz e o crescimento económico sustentável. Se não acontecer, perdem todos na missão de salvar o planeta do caos da guerra e das alterações climáticas. Lula e Scholz têm razão: olhando para os dois impérios que se digladiam pela liderança mundial, o discurso de Xi está bem mais próximo de uma solução do que o de Trump. Haja espaço e visão para o tiro de mais longo alcance: a conquista da paz.
*Diretor-Geral do PLATAFORMA