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PME “revoltadas” sem “poder, dinheiro ou apoio legal”

Pequenas e médias empresas de restauração enfrentam dois enormes problemas: cada vez mais residentes atravessam a fronteira, atraídos por preços mais baixos; e a dependência de plataformas de venda, que reduzem margens de lucro. Aeson Lei, presidente da Associação da Indústria de Restauração de Macau, diz que a solução passa por regular as vendas online e pela promoção do outro lado da fronteira

Nelson Moura

– Como descreve hoje o ambiente na restauração em Macau?

Aeson Lei – O setor de restauração em Macau mudou significativamente ao longo dos últimos anos. Nas áreas turísticas mais populares os negócios estão em alta devido ao aumento do número de visitantes. São áreas que estão a prosperar e não têm problemas em atrair clientes. No entanto, os restaurantes em zonas residenciais enfrentam muitos desafios. Durante a pandemia de COVID-19, a situação era o oposto. Com as restrições de movimento, os residentes permaneceram nas suas comunidades, e o Governo emitiu cartões de consumo, incentivando o gasto local. Naquela época, as áreas turísticas praticamente não tinham movimento; alguns lugares mal conseguiam 1.100 patacas por dia e enfrentavam dificuldades com despesas como aluguer e salários. Agora, com as restrições de viagens levantadas, os residentes cada vez mais conduzem para a China continental, cerca de três vezes por mês, atraídos pela gasolina mais barata, supermercados maiores e mais opções de entretenimento. Em Hong Kong um litro de gasolina custa 25 patacas, em Macau 13 patacas, mas no continente talvez custe 7 yuan, o que torna atraente para os residentes atravessarem a fronteira. Ao mesmo tempo, aproveitam para se abastecerem de comida nos grandes supermercados, como o Sam’s Club ou Cosco, fazerem compras e até levarem os filhos a parques ou quintas com animais que não existem em Macau. Cada viagem geralmente resulta em gastos significativos em mercearias e outros produtos, reduzindo a receita para os negócios locais. Os residentes adoram atravessar a fronteira porque há mais opções e mais baratas para fazer compras e divertir-se. Portanto, as PME clássicas em áreas residenciais de Macau estão a enfrentar dificuldades. Ao mesmo tempo, é difícil atrair turistas para áreas residenciais. A maioria dos visitantes permanece em pontos conhecidos como o Largo do Senado ou nos hotéis operados pelas principais empresas de jogos de Macau. Isto limita o tráfego de pedestres nessas zonas menos visitadas, o que tem um impacto forte os negócios de alimentação e bebidas que dependem mais dos clientes locais.

– O maior uso de pagamentos e plataformas online não ajuda a recuperar volumes de negócio?

A.L. – O crescimento das plataformas de entrega de comida que operam em Macau, como a Aomi, MFood e Shanbee é, na verdade também um problema. Embora convenientes para os residentes, essas plataformas são financeiramente desafiadoras para os restaurantes. Em lugares como os EUA, Austrália ou Canadá, os restaurantes pagam taxas de entrega baseadas em encomendas maiores e de valor mais elevado, permitindo que as plataformas gerem receita. Se um restaurante utiliza a plataforma, pode ser cobrada uma taxa fixa, como 100 patacas, o que é viável para o negócio, pois nas vendas totais, ainda terá uma boa margem de lucro após os custos. A plataforma então usa essa receita para cobrir os custos de entrega, como os motoristas. Em Macau, no entanto, temos o modelo chinês, em que o negócio tem uma margem de lucro menor. Imagine, se pagar 40 patacas por um pedido de entrega, quanto lucro restará para os restaurantes? Talvez 20 patacas, e ainda têm custos de aluguer e outras despesas operacionais. As plataformas também estão em competição feroz e têm de lutar entre si. Estas plataformas também não podem entrar na bolsa para atrair investimentos nem se conectar com outros serviços, como partilha de viagens ou venda de bilhetes, como os grupos de plataformas de entrega fazem na China, que podem acumular receita de outras fontes. Em Macau, eles não podem, então precisam encontrar outras formas de gerar lucro, e quem acaba a pagar os custos são as PME. As PME não gostam disso, mas não têm escolha, já que todos em Macau usam estas plataformas de entrega de comida atualmente. Ao mesmo tempo, temos residentes a gastar na China continental e os que gastam em Macau fazem-no via plataformas que não são vantajosas para as PME locais.

É como se eu fosse esfaqueado, pedisse ajuda e me oferecessem um café. Gosto de café, mas isso não resolve o problema principal, a faca cravada na minha barriga

– Como analisa a atuação do Governo no estímulo ao consumo – como cupões de desconto – e que efeito isso teve nas áreas residenciais?

A.L. – Bem, é como se eu fosse esfaqueado, pedisse ajuda e me oferecessem um café. Gosto de café, mas isso não resolve o problema principal, a faca cravada na minha barriga. Neste exemplo, a faca são os problemas das plataformas e o baixo consumo, e o café são as iniciativas promocionais do Governo. Esforços do Governo como emitir vales de consumo para promover gastos nas áreas residenciais ajudam, mas não resolvem as questões principais. Os negócios locais precisam de melhores margens de lucro, não apenas ajudas temporárias. Sem apoio regulatório, muitas PME sentem-se vulneráveis às políticas das plataformas, pois estas podem mudar contratos à vontade. É por isso que tantas PME se sentem revoltadas; não têm poder, dinheiro ou apoio legal para combater isso. Já levantei estas preocupações com o Governo, que responde dizendo que isto é um mercado livre. Dizem que, se não gostam de uma plataforma, por que não mudam para outra? Mas são todas iguais. Hoje em dia, estas plataformas são como eletricidade ou água; estes restaurantes não conseguem funcionar sem elas. Precisamos de uma lei ou política de comércio eletrónico. Continuo a pedir isso nos meios de comunicação e até disse isso ao próximo Chefe do Executivo. Ele também afirmou que Macau não pode usar apenas o mercado livre para justificar qualquer situação.

– Então, na sua opinião, a lei atual não protege estas PME?

A.L. – As plataformas em Macau funcionam da mesma forma que as plataformas na China continental, mas aí o Governo preocupa-se e cuida destes pequenos negócios. No Interior têm políticas antimonopolistas e leis de comércio eletrónico para assegurar que o modelo de negócio seja justo para todas as partes. Estes serviços são essenciais demais para ficarem sujeitos apenas às regras do mercado livre.

As operadoras de jogo de Macau não estão preparadas para impulsionar o crescimento da restauração em áreas residenciais

– As PME não precisam também de evoluir para produtos e serviços que residentes e turistas não encontram em mais lugar algum?

A.L. – Se resolvermos o problema das plataformas, relativamente a atrair turistas para as áreas residenciais, acredito que há muitas coisas que ainda temos de fazer. A indústria de alimentação e bebidas de Macau precisa saber quais são as suas vantagens e criar uma marca mais forte para distinguir os seus produtos e serviços locais. Participei na Feira Internacional de Macau e conheci um empresário que opera uma empresa de Zhongshan com 70 padarias em Guangdong. Disse-lhe que se a marca dele fosse original de Macau, o seu valor seria cinco vezes maior. Macau é um lugar especial, com uma ligação próxima ao continente e ao exterior, por isso precisamos de usar as nossas vantagens e promover melhor os nossos produtos. Às vezes quando temos uma boa marca, falta-nos a técnica para a promover. Precisamos também de cooperar mais com empresas do continente.

– Será mesmo necessário melhorar o uso das novas tecnologias e a promoção nas redes sociais? O Governo poderia dar mais apoio tecnológico ao negócio?

A.L. – Vemos sempre produtos falsos de Macau ou Hong Kong em redes sociais como o TikTok. Os produtos autênticos de Macau deveriam cooperar melhor com estas redes sociais para mostrar que são os produtos reais de Macau e obter maiores lucros. As PME precisam de mais conhecimento sobre estas ferramentas. O Governo quer fazer isso, mas as PME em Macau são muito preguiçosas, não gostam de aprender. É preciso dizer que às vezes alguma responsabilidade também recai sobre as PME, que não sabem como usar redes sociais ou as ferramentas disponíveis. São preguiçosas para aprender e preferem pagar estas plataformas de entrega para fazer esta promoção por elas. Portanto, é claro que não conseguem um bom negócio.

O crescimento das plataformas de entrega de comida que operam em Macau […] também é um problema

– O Governo pretende que as concessionárias de jogo ajudem as PME em bairros antigos e residenciais. Como comenta essa estratégia?

A.L. – Depender da indústria do jogo para apoiar as PME não é uma solução eficaz nem uma boa ideia. É isto que o Governo quer, mas não funciona. Embora as empresas de jogos possam comprar pequenos artigos de empresas locais, elas têm geralmente os seus fornecedores e logística complexa, o que torna improvável que adquiram quantidades significativas de PME. As operadoras de jogo de Macau não estão preparadas para impulsionar o crescimento da restauração em áreas residenciais, a especialidade deles é hospitalidade, não gestão de eventos para desenvolvimento comunitário. As concessionárias não sabem como fazer estas coisas e acabam a pedir ajuda às grandes associações locais, que também não sabem o que fazer.

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