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Ilha ecológica não deve ser a única opção

Os Serviços de Proteção Ambiental (DSPA) afirmam que o único aterro de resíduos de construção em Macau está saturado, e que a construção de uma Ilha Ecológica é “iminente”. Legisladores e urbanistas afirmam que esta não deve ser a única opção para resolver o problema. De acordo com um relatório de avaliação de impacto ambiental que o PLATAFORMA consultou, o local escolhido coincide com a trajetória do golfinho branco chinês, protegido ao mais alto nível estatal

Meimei Wong

A consulta pública sobre o Zoneamento Marítimo Funcional e o Plano das Áreas Marítimas terminou a 16 de fevereiro de 2024; contudo, a controvérsia sobre a Ilha Ecológica está longe do fim. As autoridades avisam que o único aterro de resíduos de construção em Macau, utilizado desde 2006, recebeu mais de 49 milhões de metros cúbicos de resíduos e encontra-se em estado crítico de saturação.

De acordo com os dados da DSPA, o volume total de resíduos de construção em 2023 será de 1.682.970 metros cúbicos, o que equivale a 673 piscinas olímpicas. Ron Lam lembrou que este problema existe há mais de uma década. O legislador reconheceu os esforços envidados pelas autoridades nesta matéria, mas critica as medidas para reduzir os resíduos de construção na fonte, que considera longe de serem as adequadas. “Não vi o Governo esgotar todos os meios para resolver o problema, incluindo a introdução de um regime de tarifação de segunda fase para os resíduos de construção, a disponibilização de instalações de triagem adicionais e a cooperação regional”, afirmou.

O regime de gestão de resíduos de materiais de construção entrou em vigor a 17 de janeiro de 2021, mas os empreiteiros de obras públicas e privadas cuja adjudicação – ou propostas – tenham sido encerradas antes da data de vigência do diploma, ficaram isentos do pagamento de taxas pelos resíduos de construção nessas obras, durante um período de três anos após o início da vigência do novo diploma. Este requisito transitório só terminou a 17 de janeiro deste ano.

Atualmente, a taxa de depósito para materiais inertes de construção e demolição é de 70 patacas por tonelada, enquanto a taxa de depósito para materiais especiais de construção e demolição e outros materiais de construção e demolição é de 200 patacas por tonelada.

Em Hong Kong, para acompanhar a aplicação da taxa sobre os resíduos sólidos urbanos, várias taxas de eliminação de resíduos de construção serão aumentadas a partir de 1 de abril de 2024. Entre elas, a taxa de deposição em aterro, que passará de HK$200 por tonelada para HK$365 por tonelada, a taxa de triagem, que passará de HK$175 por tonelada para HK$340 por tonelada; e a taxa de aterro público (materiais inertes), que passará de HK$71 por tonelada para HK$87 por tonelada.

Sem dados científicos

Entrevistado pelos meios de comunicação social, o diretor da DSPA, Tam Vai Man, responsável pela Ilha Ecológica, explicou que embora Macau tenha 85 quilómetros quadrados de águas sob a sua jurisdição, devido aos canais de navegação, e às pistas do aeroporto; Macau situa-se a oeste do estuário do rio das Pérolas, havendo limites impostos por uma linha de drenagem de cheias e de areias – e que já não pode ser preenchido a leste. Espera por isso que o público compreenda que o local escolhido é relativamente adequado, tendo em conta as muitas limitações.

O deputado Ron Lam afirmou que o Governo nunca explicou ao público porque o local a leste da Zona A e a sul da ilha artificial da ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau não era viável. “Penso que pode ser uma das localizações; o problema pode ser o facto de a localização não ser suficientemente grande, mas quanto maior for a ‘casa’, mais lixo se colocará lá. E depois de encher uma, será necessária uma segunda ‘casa’, o que não é sustentável”.

O urbanista Manuel Iok Pui Ferreira considera que o local (a leste da Zona A, a sul da ilha artificial) pode estar limitado pelo controlo do tráfego aéreo, pelas rotas de navegação e pelo impacto na imagem costeira da cidade; impedindo a utilização mais eficaz do espaço terrestre. Defende ainda que o Governo precisa de “fornecer mais informações para comparação.
Concordo que, atualmente, não haja muito espaço recuperável em Macau, mas muitas vezes falta ao Governo uma proposta comparativa para dizer qual o preço a pagar no caso de não haver recuperação; e qual o custo do projeto, caso não haja alternativas”.

Ferreira criticou o facto de, para um projeto tão importante, o Governo ter oferecido apenas publicidade e não ter disponibilizado ao público o relatório com o apoio científico para a seleção do local. Nestas circunstâncias, diz que a recuperação dos terrenos foi demasiado precipitada.

“Há uma total falta de informação sobre o ambiente marinho; as espécies animais e vegetais; o valor ecológico da massa de água; a área do golfinho branco chinês, que é uma grande preocupação para o público; ou as medidas de mitigação a tomar para a recuperação das instalações”, sublinhou o urbanista. “Embora o Governo tenha declarado que as eco-ilhas têm uma vida útil não inferior a 20 anos, a longo prazo estamos a esgotar os recursos ecológicos da próxima geração”.

Golfinhos no local

De acordo com as estatísticas preliminares consultadas pelo PLATAFORMA, um total de 8 carcaças de golfinhos brancos chineses foram encontradas nas águas próximas de Macau, entre 2019 e 2021.

A página de Facebook “Chefe da Ecologia de Macau”, fundada por dois ecologistas locais, salienta que as águas a sul de Coloane são frequentadas pelo golfinho branco chinês, que é uma espécie sob proteção estatal de primeira classe. Lembra ainda que a sua proteção é de grande importância para o ecoturismo e desenvolvimento económico, investigação científica e educação, além do valor cultural.

O diretor da DSPA contrapõe, dizendo que o local da Ilha Ecológica não é frequentado pelos golfinhos. Segundo dados da Autoridade de Aviação Civil (AACM), a área de atividade dos golfinhos situa-se no extremo sul da pista do aeroporto e – não no local da Ilha Ecológica.

Mas de acordo com documentos classificados no relatório do impacto ambiental da expansão do Aeroporto Internacional de Macau, existe alguma sobreposição entre o local selecionado para a Ilha Ecológica e a área de atividade dos golfinhos (ver o gráfico).

Uma vez que parte do conteúdo da versão online do relatório foi ocultado, devido a questões de direitos de autor (ver páginas 5-6), o PLATAFORMA foi à AACM para verificar o relatório em papel. Não foram permitidas fotografias e gravações de vídeo, pelo que o nosso jornal apenas pôde copiar as pistas relevantes e os mapas de distribuição em formato manuscrito.

No relatório da AACM pode ler-se: “Durante o período de inquérito (junho-outubro de 2016, novembro-dezembro de 2017, janeiro-maio de 2018 e junho-novembro de 2019), foram efetuadas 24 viagens nas águas geridas por Macau, com um tempo total de navegação de 37.6 horas e uma distância total de viagem de 849.74 km, e foram avistados 17 grupos de golfinhos brancos chineses, totalizando 52 avistamentos. Incluindo as águas circundantes, foram efetuadas 88 viagens, com um tempo total de navegação de 574.34 horas, uma distância total de 10.171,66 km e foram registados 349 avistamentos de golfinhos brancos chineses”.

Além disso, o IAM encomendou a organizações profissionais a realização do levantamento dos golfinhos brancos chineses nas águas sob gestão de Macau, entre 2018-2019 e 2020-2021. Ron Lam disse que tinha obtido o referido relatório do IAM através da Assembleia Legislativa; e a localização dos golfinhos brancos chineses era diferente do que as autoridades recentemente disseram. O relatório também recomendava que Macau deveria designar os limites da zona protegida.

Papéis contraditórios dos departamentos governamentais

A Sociedade de Conservação dos Golfinhos de Hong Kong, a União dos Estudantes Verdes de Macau e Ken Kwan, ecologista local, lançaram uma petição online contra o projeto da Ilha Ecológica, tendo recolhido mais de 1.600 assinaturas para parar o projeto.

Durante o período de consulta, o diretor da DSPA afirmou que com a construção da Zona A, e vários outros projetos em Macau, está a aumentar a pressão sobre o aterro de resíduos existentes e que a situação está a tornar-se cada vez mais grave. Pelo que as autoridades vão mesmo avançar com a Ilha Ecológica, esforçando-se para apresentar os relatórios relevantes às autoridades centrais para aprovação, ainda dentro de 2024.

Quando questionado se o Governo não estaria a “forçar” a construção da Ilha Ecológica, Lam admitiu dilemas entre vários departamentos governamentais, que por vezes perdem o discernimento quando alguns valores entram em conflito com a sua perspetiva profissional. “A DSPA tem de lidar com os aterros de resíduos de construção; mas, ao mesmo tempo, é a entidade responsável pela proteção ambiental na zona marítima. Portanto, se construirmos uma Ilha Ecológica para o tratamento dos resíduos de construção, não se está a fazer nada de errado; mas do ponto de vista da conservação da natureza, penso que não é uma escolha razoável”.

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