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Modernizar bairros antigos mantendo a sua essência

Concessionárias estão encarregues de revitalizar seis bairros antigos de Macau. A ideia é dinamizar estas microeconomias, recuperando áreas urbanas, trazendo turistas e consumo. Como se pode modernizar e garantir que as zonas servem os seus residentes? Arquitetos e profissionais ligados ao turismo traçam o ponto de equilíbrio

Guilherme Rego

O Instituto Cultural (IC) admitiu que vai avançar com mais planos de revitalização dos bairros antigos na cidade, sendo que os próximos projetos terão lugar nas pontes-cais n.ºs 23 e 25 do Porto Interior, da zona da Avenida de Almeida Ribeiro, da área da Rua de Cinco de Outubro, dos edifícios na zona da Barra no entorno da Doca D. Carlos I, da Antiga Fábrica de Panchões Iec Long e dos Estaleiros Navais de Lai Chi Vun.

Porém, não avança sozinho. O Governo de Macau conta com o apoio direto das seis concessionárias nesta manobra. O Chefe do Executivo assumiu em maio que as operadoras de jogo já tinham entregue os projetos de revitalização e que “basicamente” havia acordo para os seis planos, com acréscimo de elementos comerciais.

Segundo o que foi divulgado até agora, a MGM China Holdings ficará encarregue da zona da Barra no entorno da Doca D. Carlos I, a Wynn Macau pela Rua da Felicidade, Melco Resorts & Entertainment pelas pontes-cais n.ºs 23 e 25 do Porto Interior e a SJM Resorts pela Avenida de Almeida Ribeiro. Ontem a Galaxy Macau anunciou que ficará responsável pelos Estaleiros Navais de Lai Chi Vun, pelo que se presume a Sands China ficará encarregue pela Fábrica de Panchões Iec Long. Para já, não foram divulgados planos detalhados por parte destas empresas, ou do Governo, sendo que o próprio modelo de cooperação continua nos bastidores.

Seis distritos, seis estratégias

MGM China Holdings ficará encarregue da zona da Barra no entorno da Doca D. Carlos I

Urbanistas e arquitetos ouvidos pelo PLATAFORMA pedem, desde já, que não se caia no erro de olhar para todos os distritos da mesma forma. “Não se pode aplicar uma estratégia semelhante em todas”, começa por dizer Nuno Soares, arquiteto local. “As concessionárias têm de começar por compreender estes bairros”, pois “se não fizerem um bom diagnóstico, o resultado não vai ser positivo”. Por essa razão, pede calma e pouca pressa, até porque, lembra, as concessionárias são muito fortes em jogo e entretenimento, mas não têm qualquer tipo de experiência em desenvolvimento urbano. “Têm de criar sinergias com o que já existe naqueles bairros”, entende. “Se forem demasiado rápidas e se apressarem nos projetos sem fazer uma investigação adequada, o mais provável é que os resultados não sejam positivos. As zonas antigas de Macau têm cenários complexos e muitas partes interessadas.”

[As concessionárias] têm de criar sinergias com o que já existe naqueles bairros
Nuno Soares, arquiteto local

Além disso, diz que se “deve evitar a gentrificação, porque em vez de se apostar na diversificação económica, vamos depender novamente de uma economia singular. Se as concessionárias quiserem replicar o seu modelo de negócio nestes bairros, vamos tornar-nos novamente numa ‘monoeconomia’.

Wallace Kwah, arquiteto e membro da Associação dos Embaixadores do Património de Macau, diz ao nosso jornal que é necessário definir os objetivos de forma clara. Caso o objetivo das concessionárias seja apenas atrair turistas e promover as suas marcas, avisa que os locais “são mais atrativos” quando as suas características são preservadas e reforçadas. “Quer sejam residentes ou turistas, isso é o que mais querem ver.”

Colaboração entre concessionárias

A Wynn Macau será a responsável pela Rua da Felicidade

Nuno Soares defende que é fundamental uma colaboração entre as concessionárias, apesar de reconhecer que estas não estão habituadas a cooperar, aliás, muito pelo contrário. “Estão sempre a tentar manter os clientes nas suas propriedades e desenvolvem estratégias para que estes não joguem nos concorrentes.”

[O Governo] pode ter de exercer um controlo macro, incluindo (…) garantir que a conservação física e a exportação cultural está de acordo com as característica daquela zona e se é apropriado transformar ou combinar alguns elementos novos
Wallace Kwah, arquiteto membro da Associação dos Embaixadores do Património de Macau

Contudo, realça que até no Cotai Strip, onde as concessionárias concentram grande parte das suas propriedades, “todas cooperam para criar a ideia de um local vibrante e excitante”. Daí, acredita que se pode fazer essa transição, sempre com a consciência de que a intervenção no espaço público obriga a outra “mentalidade”. “Cada rua deve alimentar os clientes da rua seguinte e receber clientes da outra”. Como? “Se estamos a falar da Rua da Felicidade, temos de ser capazes de criar sinergias com o Largo do Senado. E em vez de termos apenas um eixo principal de atração para as Ruínas de S. Paulo, podemos começar a ter outro para o Porto Interior. Essa é uma zona que, como sabemos, não está tão bem preservada.

Portanto, nesse caso, a Rua da Felicidade precisa de trazer alguma da atenção que já está a ser dada às Ruínas de São Paulo para o centro da cidade. Mas depois outra concessionária intervirá no Porto Interior. As operadoras não são conhecidas pela colaboração, pois não é esse o seu objetivo. Mas, neste caso, não queremos que um tenha sucesso no tecido urbano e que outro falhe. Queremos que se juntem em sinergia e que isto funcione como um sistema”, explica.

Privatização do espaço público

A Melco Resorts & Entertainment encarregada das pontes-cais n.ºs 23 e 25 do Porto Interior

Mediante a revitalização urbana com a ajuda do setor privado coloca-se a questão: haverá conflito de interesses? “Esse é o maior desafio”, diz Wallace. “Não há muitos precedentes em Macau, pelo que, do ponto de vista das empresas, que têm fins lucrativos, muitas questões podem ser vistas dessa perspetiva. No fim, pode acontecer que muitos dos processos tenham de ser conduzidos pelo Governo, especialmente pelo Instituto Cultural. Pode ter de exercer um controlo macro, incluindo a conservação, isto é, garantir que a conservação física e a exportação cultural está de acordo com as características daquela zona e se é apropriado transformar ou combinar alguns elementos novos.”

É também importante que as políticas apoiem as rendas e o desenvolvimento da economia noturna. Acredito que se esta visão, equilíbrio e política de gestão dos bairros forem mantidas, as empresas locais
também podem sair beneficiadas
Glenn McCartney, professor associado da Faculdade de Gestão e Resorts Integrados da Universidade de Macau

“Há o risco de privatização do espaço público”, alerta Soares. Por isso, afirma que “o papel do Governo é fundamental”. “Deve ser o Governo a avaliar as iniciativas e a proteger o bem comum. Penso que é possível uma situação win-win (…), mas o Governo é o cliente.”

“Esta questão não é assim tão intuitiva. Talvez tenhamos de analisar de diferentes perspetivas. Pode haver alguns aspetos culturais que estejam relacionados com os residentes, e pode até haver festivais e atividades promovidas para os turistas. Pode também acontecer o contrário e, devido à grande afluência de visitantes, estes sítios comecem a ter muitas lojas como joalharias e isso pode ter um impacto negativo nos residentes”, explica Kwah.

Inflação do imobiliário

A Sands China ficará encarregue pela Fábrica de Panchões Iec Long

A revitalização urbana, mas também económica destes distritos levanta outras questões, nomeadamente a da competição desleal, caso os negócios das operadoras de jogo cheguem a estas zonas. Glenn McCartney, professor associado da Faculdade de Gestão e Resorts Integrados da Universidade de Macau, acredita que pode haver um ponto de equilíbrio. “Não tenho certezas sobre os detalhes da revitalização, ou que nível de presença as concessionárias terão – por exemplo, se vão fazer outlets/lojas a retalho, presença de marcas. Penso que o conceito é revitalizar os pequenos negócios (familiares), melhorar o acesso dos visitantes (passadeiras), realçar as características culturais distintas de Macau. É importante manter o carácter histórico. É também importante que as políticas apoiem, por exemplo, as rendas e o desenvolvimento da economia noturna (horários alargados, bancas, entretenimento). Acredito que se esta visão, equilíbrio e política de gestão dos bairros forem mantidas, as empresas locais também podem sair beneficiadas.”

Sinto que pretendem turismo de massas nestas zonas, pelo que as experiências têm mais a ver com as fotos
para as redes sociais ou experimentar a comida local e comprar souvenirs, pelo que não acredito que as rendas aumentem muito
Oliver Tong, diretor-executivo da imobiliária JLL em Macau e Zhuhai

Há também o potencial da inflação do imobiliário depois da revitalização, nomeadamente a subida das rendas das lojas, caso a afluência de turistas e o aumento do consumo se concretizem. Oliver Tong, diretor-executivo da imobiliária JLL em Macau e Zhuhai, tem uma visão conservadora. “Sinto que pretendem turismo de massas nestas zonas, pelo que as experiências têm mais a ver com as fotos para as redes sociais, experimentar a comida local e comprar souvenirs, pelo que não acredito que as rendas aumentem muito. Por outro lado, o Porto Interior tem sofrido muito com cheias e problemas de higiene, pelo que não será um local adequado para incentivar o comércio. Na minha opinião honesta, pode dar para os dois lados [as rendas podem aumentar ou manter-se].”

Já o economista José Isaac Duarte, diz que “ninguém pode garantir que depois de uma revitalização urbana não vá haver um aumento dos preços do imobiliário”. Wallace concorda: “Creio que atrair turistas para gastar dinheiro, independentemente do bairro (…) terá esse efeito, ou seja, fará subir os preços e as rendas. Por conseguinte, esta questão tem de voltar ao facto de que talvez toda a cidade tenha de chegar a um consenso ou a um entendimento sobre o que devemos realmente fazer.”
“Devem-se monitorizar as rendas e as empresas locais que se encontram nestas zonas. O objetivo deve ser ter mais comércio local e não menos. Deve haver mais espaços públicos e sociais e não menos. Por isso, penso que precisamos realmente de colocar alguns indicadores que ajudem a alcançar um impacto realmente positivo na cidade”, atira Nuno Soares.

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