Considerando o património cultural do ponto de vista do género

Já pensou na possibilidade de o género poder afetar a participação igualitária de uma pessoa na esfera cultural? A promoção da igualdade de género está intimamente relacionada com a conservação do património e a promoção da diversidade cultural. Apresentaremos alguns exemplos para se compreender melhor este assunto complexo
Género e herança cultural mundial
O relatório da UNESCO “Gender Equality, Heritage and Creativity”, publicado em 2014, refere que o “acesso restrito” é uma das questões mais preocupantes relacionadas com as regiões do Património Mundial. Quando estes locais são inscritos na Lista do Património Mundial, a sua tradição de género, história e cerimónia possuem “Valor Universal Excecional”. Em muitos casos, estas localidades não permitem a entrada de mulheres. Isto significa que a proibição viola certas convenções das Nações Unidas relativas a discriminações? Tomemos como exemplo os Locais Sagrados e as Rotas de Peregrinação na Cordilheira Kii. O acesso restrito a mulheres em algumas áreas fez com que certas organizações não governamentais (ONG) protestassem a inscrição do local enquanto património cultural do Japão. Estas ONG argumentaram que as restrições impostas eram o oposto da missão da UNESCO – promover a igualdade de género a nível global.
O género consta nas práticas de transmissão intergeracional do património, sendo que muitos patrimónios culturais imateriais estão ainda limitados a este fenómeno devido ao contexto histórico e social. Desde a antiguidade, a realidade dominada pelos homens tem-se refletido plenamente na herança do património e na transmissão da cultura na sociedade patriarcal, como acontece na China e muitos outros países. Os herdeiros são maioritariamente do sexo masculino, o que resulta num forte estereótipo de muitas heranças culturais. Por exemplo, a arte tibetana Thangka, inscrita como Património Cultural Imaterial Nacional da China em 2006, é raramente ensinada a mulheres. Todos os doze herdeiros de Thangka são homens, visto que as mulheres tinham menos possibilidades de serem instruídas, segundo os Transmissores da Lista Representativa de Itens do Património Cultural Imaterial Nacional anunciados pelo Ministério da Cultura e Turismo da China. Felizmente, hoje em dia, à medida que a sociedade progride, mais mulheres tibetanas estão a aprender e a tornar-se proeminentes na arte de Thangka.
Por outro lado, a “Gastronomia Macaense“, também na Lista do Património Cultural Imaterial de Macau, tem características femininas. As receitas familiares da culinária local foram transmitidas de mãe para filha e nora; o casamento entre portugueses e chineses fez com que os ingredientes, pratos e culinárias chinesas se integrassem gradualmente na culinária portuguesa. Estes aspetos estão associados à tradição de que “os homens trabalham fora da família e as mulheres trabalham dentro da família”. Embora o papel que o género desempenha na sociedade seja considerado como estereótipo na perspetiva atual, tem contribuído para a criação e transmissão destes patrimónios culturais valiosos.
Aumentar a participação do género na esfera cultural
Devemos considerar as seguintes questões: como ultrapassar os papéis tradicionais do género, preservando ao mesmo tempo a aparência original e os valores fundamentais da cultura? Os valores centrais da cultura serão afetados quando as fronteiras tradicionais de género forem quebradas?
Podemos verificar que o género estabelecido na esfera cultural é um produto das construções sociais e tradicionais, não derivando da natureza do próprio item cultural. Os bens culturais são supostamente neutros, mas o género social continua a fluir. À medida que o seu estatuto na sociedade se altera, a participação de ambos os géneros em projetos culturais muda de forma natural.
A preservação e transmissão do património deve centrar-se no valor universal dos bens culturais para toda a Humanidade. Ao mesmo tempo, deve-se construir de forma ativa um quadro político que integre a perspetiva de género, promovendo a participação diversificada e o desenvolvimento sustentável da cultura. O caminho para a conservação cultural vai além da história e o mundo verá este marco no futuro quando a sociedade interpretar o património de uma perspetiva de igualdade de género.
*Vice-presidente da Associação de Intercâmbio Linguístico e Promoção Cultural
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