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Arquitetos locais premiados por construção em bambu

Catarina Brites Soares

Os arquitetos João Ó e Rita Machado foram galardoados pela Architecture Masterprize. “Chasing Sounds” ganhou o prémio “Landscape Architecture”, na categoria de “Installation and structures”. Ao PLATAFORMA, os artistas explicam como a obra resume um percurso que homenageia e preserva uma tradição de Macau e da China: a construção em bambu.  

Quem vive em Macau e Hong Kong deixou de estranhar avistar homens pendurados em estruturas de vários metros em bambu. Entrelaçados uns nos outros, os paus aparentemente frágeis e inseguros – aguentam intempéries e são usados em diversos contextos e com distintos propósitos. Nada disso escapou ao olhar de João Ó e Rita Machado, que decidiram dar novos fins à tradição e da técnica fazer obras de arte. A originalidade foi recentemente valorizada pela Architecture Masterprize, que viu em “Chasing Sounds” a diferença e identidade que os arquitetos locais procuram desde 2013.  

A peça – que venceu o prémio Arquitetura de Paisagem, para instalações e estruturas – foi o resultado de um caminho iniciado em 2018, quando o atelier Improptu Projects foi convidado pela Art Promotion Office, de Hong Kong, a desenvolver um espaço em parceria com a orquestra Hong Kong New Music Essemble. A peça foi uma das 17 que fez parte da mostra coletiva “Hi! Flora, Fauna” e que teve lugar no Hong Kong Zoological and Botanical Gardens – o jardim mais antigo do território. “Pensámos fazer um coreto ou um palco, mas percebemos que a linguagem da orquestra era bastante experimental e tivemos a ideia de desenhar uma espécie de onda sonora que se espraiava neste ajardinado. Fez sentido porque os músicos seriam depois estrategicamente colocados ao longo da estrutura, criando a necessidade no público de ir à procura dos diferentes tipos de sons. Por isso se chama “Chasing Sounds”, explica Rita Machado. 

O desenho e o material fizeram com que a obra se destacasse numa distinção criada para celebrar e reconhecer o design multidisciplinar inteligente e sustentável – linhas mestras no trabalho dos arquitetos locais. “As estruturas em bambu, que trabalhamos muito, enquadram-se no tema da sustentabilidade que hoje tem relevância mundial”, constata João Ó.  

Rita Machado: “Há outro lado que nos interessa que é o do saber local e que foi passando entre gerações. Esta forma de conceber e de fazer estas estruturas em bambu”

Rita Machado acrescenta que o trabalho do atelier Improptu Projects faz parte de um nicho que prioriza características como a sustentabilidade, a arquitetura do efémero e a reutilização dos próprios materiais, mas ressalva que o lugar dado ao bambu tem outra ambição. “Há outro lado que nos interessa que é o do saber local e que foi passando entre gerações. Esta forma de conceber e de fazer estas estruturas em bambu, é muito inspirada nas óperas chinesas”, diz. “Existe uma cultura local que tem esta versatilidade de se poder adaptar e que conseguimos trabalhar para a aplicarmos noutros contextos.” 

A primeira inspiração, continua Ó, foram as óperas chinesas. “Esta peça acaba por ser uma reinterpretação deste tipo de evento. No fundo, e quase inconscientemente, estamos a recriar a tradição que vimos aqui em Macau”, realça o arquiteto. 

O valor do património  

Foi em 2013 que a dupla decidiu dedicar-se à técnica. O levantamento passou por um registo fotográfico, desenhos das várias etapas e conversas com os mestres. Com isto, colmataram uma lacuna: criar um registo físico sobre a arte, que tem resistido apenas por meio da transmissão oral de quem a sabe de cor.  

Em 2015, o atelier concebe Treeplets, a primeira obra em bambu, e dois anos depois de iniciarem o estudo. “Foi o tempo de aprender. Partir de um desenho cuja execução não seria viável era inútil. Trabalhar diretamente com os mestres foi crucial. Há uma intensidade, rigor e velocidade fascinantes nesta técnica. Este processo tem sido curioso porque os mestres ficam encantados com o facto de a técnica deles ganhar outra forma. Também partiu deles este querer chegar a desenhos cada vez mais complexos. São eles que muitas vezes nos desafiam a criar novas formas”, conta Rita Machado. 

Joã Ó: Os mestres são quase artesãos. Esta sinergia é bastante importante porque sem eles o nosso trabalho era impossível e, ao mesmo tempo, eles sentem que o que fazem entrou numa esfera artística (…) Há aqui um valor inédito

O levantamento, que começou quase há dez anos, acabou por assegurar o que também é parte do património local. “É um ato consciente da nossa parte. Macau e Hong Kong são dos poucos locais na China onde ainda se usa o bambu, uma técnica em extinção”, alerta João Ó. “Os mestres são quase artesãos. Esta sinergia é bastante importante porque sem eles o nosso trabalho era impossível e, ao mesmo tempo, eles também sentem que o que fazem entrou numa esfera artística e que a profissão foi de certa forma elevada – o que é ótimo para a comunidade. Há aqui um valor inédito”. 

Nada é para sempre 

A opção tem as suas consequências. A efemeridade é uma delas, ao contrário do que sucede na arquitetura convencional. A limitação não preocupa os artistas. “Não desenhamos uma peça só por mera estética e para apreciar só porque é bonita. É por isso que é cada vez mais importante trabalharmos com disciplinas diferentes, neste caso a música”, sublinha João Ó.  

Apesar dos projetos existirem num curto espaço de tempo, ressalva, podem ser repetidos. Da China, por exemplo, já houve um atelier interessado em fazê-lo. “São maquetes gigantes que fazemos à escala real. São exercícios de engenharia rápidos, imediatos e que se realizam num curto espaço de tempo com uma presença muito forte por causa do evento em si. O terminar da obra com o desmontar não é o findar da mesma, mas o início de outra. Não existe a calamidade do efémero, mas sim a força associada a ele”, argumenta. 

“É verdade que este tipo de arquitetura tem um prazo de validade, mas tudo é passageiro. Mesmo a arquitetura convencional em rigor também tem um prazo, ainda que mais longo que este”, defende Rita Machado. João Ó reforça: “O importante é a memória que se cria nas pessoas: o evento, a matéria, e permitir uma experiência imersiva cria uma memória. Há um impacto, que é das coisas mais interessantes”. 

No âmbito da arquitetura efémera do atelier há mais outro fator indissociável: tudo é reutilizado antes e depois da peça arquitetónica. “Parece-me interessante redesenhar o espaço com uma arquitetura mais efémera, mas sempre tendo em conta premissas de sustentabilidade”, salienta Machado.  

Os prémios norte-americanos, criados em 2015 pelo Farmani Group, como uma iniciativa do IDA – International Design Awards, procuram valorizar essas premissas. A arquitetura, sublinha João Ó, deixou de ser só o edifício que vemos. “Há subdivisões que ganharam relevância e neste momento trabalhamos numa. A arquitetura efémera está agora ao lado de um edifício como o da Zaha Hadid, que também foi premiado nesta competição. Deixou de haver só uma forma de olhar a arquitetura”, afirma.  

Já Rita Machado ressalta a importância da projeção mundial da conquista. “Olhamos para este prémio como um reconhecimento do nosso trabalho e como uma forma de divulgar o que se faz localmente em Macau. Estas plataformas ajudam a disseminar a nossa intenção de desenhar o espaço.” 

A par da arquitetura efémera, o atelier desenvolve projetos convencionais, como foi a recuperação do Museu do Grande Prémio. As estruturas efémeras, explica Rita Machado, são os trabalhos de curto prazo, mais rápidos e com uma linha mais experimental. “Há pouco tempo, começámos a desenhar uma estrutura em andaimes metálicos. É interessante porque foi a forma que encontramos de nos colocarmos fora de pé, de irmos por uma linha mais mecânica, menos artesanal, mais modelar e muito mais rápida, e assim perceber qual é a flexibilidade e a potencialidade dos próprios andaimes metálicos. Queremos expandir a nossa área de intervenção e testar novos materiais. Sem nunca esquecer a proximidade ao bambu, é importante esta diversificação da matéria”, vinca.  

A convite do Museu de Arte de Macau, o atelier integra uma exposição que junta cerca de 30 artistas e que inaugura a 19 deste mês. “Mais uma vez, optámos por intervir fora do museu, no espaço público. Cada oportunidade é encarada como um desafio que nos permita aprender”, enfatiza João Ó. 

O fotojornalista português, Gonçalo Lobo Pinheiro, também foi distinguido na primeira edição do prémio destinado à fotografia de arquitetura. A imagem do hotel e casino Grand Lisboa, da perspetiva da Rua Nova à Guia, foi a escolhida. 

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