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Sobre a vacinação de crianças e adolescentes

Bebiana CunhaBebiana Cunha*

São várias as preocupações que a comunidade científica e médica tem colocado em relação ao anúncio de vacinação das crianças e jovens até ao início do ano letivo 2021/2022, publicamente proferido pelo Ministro da Educação e pelo próprio Primeiro-Ministro, apesar de não ter sido ainda divulgada a posição da DGS nesta matéria.

A vacinação das crianças contra a COVID-19 tem dividido os especialistas. Jorge Amil Dias, presidente do Colégio da Especialidade de Pediatria, da Ordem dos Médicos, referiu que atualmente “não é uma emergência vacinar as crianças” porque “a população que está em maior risco é a população adulta”, aconselhando “prudência” neste momento. É aliás o próprio Colégio que refere a necessidade de evidência científica sólida sobre a eficácia e segurança das vacinas nestas faixas etárias, entregando à DGS um conjunto de preocupações que esperam ser atendidas e lembrando a urgência de uma posição nesta matéria. O Colégio adianta ainda que não se pode recomendar a vacinação “por uma questão de pânico ou por uma questão de ‘achismo’ pessoal, sem evidência de que ela traga efetivamente benefícios para as pessoas”. Também José Gonçalo Marques, coordenador da Unidade de Infecciologia e Imunodeficiências do Hospital de Santa Maria e membro da comissão técnica de vacinação da DGS, refere que a vacinação de crianças e adolescentes saudáveis tem de ser clara nos seus objetivos e deve assentar em critérios de razoabilidade e proporcionalidade dos custos e riscos de vacinação. 

Por um lado, pessoas menores representam uma ínfima parte de internamentos hospitalares por COVID-19, não representando risco expressivo de doença grave e/ou mortalidade. Por outro, falta evidência nestas idades, tendo já surgido alertas para que a decisão de vacinar menores só ocorra se for possível prever que o benefício excederá significativamente os potenciais riscos. Dir-se-ia, então, que deve o esforço de vacinação continuar focado na população em maior risco: os adultos. 

A Ordem dos Enfermeiros, após auscultação ao Colégio de Especialidade em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica, refere que da literatura disponível até ao momento para a grande maioria das crianças e adolescentes os benefícios de saúde individuais oriundos da vacinação serão provavelmente limitados. Apontam para um pequeno grupo de crianças e adolescentes, portadores de doenças crónicas específicas, que parecem ter risco aumentado de doença grave e essas podem, de facto, ter maior benefício com a vacinação, tal como já foi identificado na norma da DGS. 

Quase três dezenas de profissionais de saúde portugueses assinaram e enviaram uma carta a todas as autoridades políticas e de saúde pedindo cautela na vacinação dos mais novos. Consideram que pode estar em causa uma violação do superior interesse das crianças uma vez que, não trazendo vantagem à saúde das mesmas, mas sim à proteção dos adultos, se estarão a sujeitar os mais novos a riscos desnecessários.

Estudos realizados em Israel já demonstraram que a vacinação em massa da população adulta levou a uma redução dos casos de infecção em pessoas não vacinadas com menos de 16 anos. Tal sugere que, para além da proteção direta, poderá haver benefício indireto para os indivíduos não vacinados (Milman et al., 2021). Ou seja, uma elevada cobertura vacinal na população adulta, em especial entre os pais, pessoal docente e não docente, poderá contribuir para a redução efetiva do número de infecções por SARS-CoV-2 na população pediátrica. A evidência disponível parece indicar que ao vacinar adultos se reduz o risco de exposição das crianças e adolescentes. 

Mas a posição pública do Ministro da Educação e do Primeiro-ministro parecem não considerar estas preocupações, sobrepondo a proteção da sociedade à cautela que se exige na proteção dos menores. Diria o bom senso e o superior interesse das nossas crianças que  se recomenda prudência.

*Deputada do PAN

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