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Presidente aproveita viagem à China para definir relação bilateral

O presidente do Brasil realiza primeira viagem oficial à China dez meses depois de tomar posse. Jair Bolsonaro têm intenção de negociar novas parcerias e aprofundar as trocas bilaterais. 

Embora a viagem signifique um sinal claro de pragmatismo por parte do líder sul-americano – que chegou a dizer publicamente na campanha presidencial que “a China não está comprando no Brasil, está comprando o Brasil” e a fazer repetidas críticas sobre uma alegada ameaça comunista no mundo -, analistas consideram que falta a Brasília uma agenda clara com metas sobre o que o país pretende junto de Pequim e empresas chinesas.

Para Marcos Vinicius de Feitas, professor visitante na Universidade de Relações Exteriores da China (CFAU), a viagem à China acontece demasiado tarde, porque o país asiático é o maior parceiro comercial do Brasil e um dos maiores investidores estrangeiros. O analista frisa também que a viagem de Bolsonaro à China pode abrir portas e intensificar relações económicas se o Governo brasileiro souber com clareza o que quer obter do relacionamento bilaterial.

“Por termos uma tendência ideológica no Brasil evidenciada pela decisão de uma aproximação maior com os Estados Unidos, sem levar em consideração o facto de que em política externa não há nem amigos perenes nem inimigos perenes, somente interesses, penso que o Governo brasileiro tem que ser claro no que deseja”, pontuou o professor da CFAU.

“Quando o Brasil definir o que quer do relacionamento com a China tomará medidas para que os acordos fluam. Não é uma questão somente de achar que o Governo chinês tem que oferecer as coisas. O Brasil tem que saber o que quer e, para isto, é necessário haver um plano concreto de política externa que ainda não existe”, acrescentou.

Marcos Vinicius de Feitas citou, como exemplo desta falta de planeamento na relação bilateral, dúvidas sobre qual será a posição do Brasil diante do facto de que a China deverá ser a maior economia do mundo em 2030, conforme apontaram projeções divulgadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Carlos Gustavo Poggio, professor de Relações Internacionais da Faculdade Armando Alves Penteado (FAAP) também concorda que o Brasil não mostra ter um plano concreto direcionando suas relações com a China.

“Não apenas em sua relação com a China, o Brasil, nos últimos anos, do ponto de vista económico e comercial não soube se inserir no mercado global” e “esta falta de estratégia foi substituída pela ideia de que os Estados Unidos iriam resolver todos os nossos problemas, mas parece que agora [os membros do Governo brasileiro] perceberam que isto não vai funcionar”, considerou. No seu entender, “falta uma estratégia clara em relação à China e também uma estratégia clara sobre como o Brasil quer inserir-se globalmente”.

O professor da FAAP afirmou que a viagem de Bolsonaro à China concretiza, acima de tudo, uma mudança na retórica adotada pelo líder sul-americano. “Quando Bolsonaro assumiu o Governo do Brasil, a China já era o maior parceiro comercial do país e a realidade impôs-se. Ele teve que mudar sua retórica”, porque “há uma série de interesses de empresas brasileiras que exportam para a China, do setor agropecuário, que apoiaram a candidatura e o Governo Bolsonaro e ele percebeu que não teria nada a ganhar politicamente colocando-se contra a China”, frisou.

A opinião dos especialistas sobre a necessidade de ajustes na relação bilateral também encontra eco nalgumas declarações de membros do Governo brasileiro. O secretário de Comércio Exterior do Brasil, Marcos Troyjo, disse numa reunião anual do FMI, em Washington, no último dia 18, que a viagem de Bolsonaro à China será uma oportunidade para transformar a dinâmica entre os dois países em algo diferente do que é hoje, que classificou como uma relação de clientela.

Troyjo apontou que o Brasil mantém com a China uma relação de fornecedor e cliente, mas isto não significa que os dois países sejam essencialmente parceiros porque as duas economias não têm uma relação de interdependência como acredita, por exemplo, existir na relação entre a China e os Estados Unidos. O secretário de comércio salientou ainda que Bolsonaro pretende transformar esta situação e que procurará apoio dos chineses sem abrir mão da soberania do país.

Balança comercial e investimentos

Atualmente a Ásia é o destino de cerca de 40 por cento das exportações do Brasil. De janeiro a setembro, as exportações brasileiras ao continente asiático geraram 67 mil milhões de dólares norte-americanos, dos quais 46,2 mil milhões de dólares foram negociados somente com a China, segundo dados disponibilizados pelo Ministério da Economia do Brasil.

Nos nove primeiros meses do ano, o país sul-americano importou 26,3 mil milhões de dólares em produtos chineses, número que deu um saldo positivo de 19,5 mil milhões de dólares a favor do Brasil nas trocas comerciais com a China.

Os números do Governo brasileiro indicam que a maioria das exportações para a China foram de matérias primas: soja (35 por cento), petróleo (24 por cento) e minério de ferro (21 por cento).

Embora as trocas comerciais favoreçam o Brasil, Marcos Vinicius de Feitas admitiu que o país deveria agregar valor a estes produtos para ganhar mercado, pauta que deveria ser abordada na viagem do chefe de Estado brasileiro ao país asiático.

“Ao invés de exportar minério de ferro, o Brasil deveria tentar exportar aço. Ao invés de exportar banana, deve tentar vender aos chineses geleia de banana (…) Poderiam entrar mais produtos brasileiros na China, mas há uma falta de estratégia e o país está a perder oportunidades de conquistar espaço naquele mercado”, argumentou o professor da CFAU.

Além da relação comercial, os analistas acreditam que a China pode dar ao país sul-americano um apoio substancial com empréstimos financeiros e também na concretização de investimentos necessários ao plano de privatização defendido por Bolsonaro e sua equipa.

“Além da questão comercial, há uma série de outros elementos envolvendo esta relação, questões financeiras de investimentos e de tecnologia. O Brasil tem um plano de privatização, de concessão de uma série de empresas públicas no qual a participação do capital chinês será importante”, ponderou Carlos Gustavo Poggio.

Já Marcos Vinicius de Feitas lembrou que a China é um grande investidor em projetos de infraestruturas, área que não tem recebido investimentos públicos do Governo brasileiro nos últimos anos, principalmente porque o país ainda sofre os efeitos de uma grave crise económica que fez o Produto Interno Bruto (PIB) recuar cerca de sete por cento, entre os anos de 2015 e 2016. “A China é um grande investidor na área de infraestruturas e pode contribuir muito para o Brasil porque as infraestruturas são uma das coisas que garante o crescimento económico de um país”, concluiu o professor da CFAU.

Embora seja o principal parceiro comercial do Brasil desde 2009, os investimentos chineses no país recuaram nos últimos anos. Dados dvulgados em janeiro pela Secretaria de Assuntos Internacionais (Sesain), ligada ao Ministério da Economia, indicam que os aportes chineses no Brasil passaram de 11,3 mil milhões de dólares, em 2017, para 2,8 mil milhões de dólares, em 2018.

As duas últimas edições do Boletim de Investimentos Estrangeiros, formulado pela Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) do Ministério da Economia, indicaram que entre 2003 e o primeiro trimestre de 2019 os investimentos chineses no país somaram cerca de 71 mil milhões de dólares. No segundo trimestre deste ano, porém, o Governo e as empresas chinesas anunciaram a intenção de investir apenas 213 milhões de dólares no país sul-americano. O Presidente brasileiro estará na China até amanhã.

Carolina de Ré 25.10.2019

Exclusivo Lusa/Plataforma

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