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“Presidência pode marcar viragem para consolidação da CPLP”

A ilha cabo-verdiana do Sal acolhe, a 17 e 18 de julho, a XII Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). A cimeira para a qual está confirmada a presença de oito dos nove chefes de Estado da organização – Timor Leste cancelou a presença – marca o arranque da presidência cabo-verdiana da organização. A poucos dias do evento, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Cabo Verde, Luís Filipe Tavares, perspetiva, numa entrevista à agência Lusa/Plataforma, a cimeira e o papel de Cabo Verde à frente dos destinos da comunidade lusófona.

– Que balanço faz Cabo Verde da presidência brasileira da CPLP?

Luís Filipe Tavares – Em relação ao compromisso inicial, podemos dizer, de forma geral, que o balanço é positivo, apesar da crise política no Brasil, que foi tremenda. Ainda bem que vamos ter eleições, proximamente, e as coisas vão ficar clarificadas, mas é óbvio que a crise política não ajuda num processo desta natureza. Numa organização com nove estados membros e com uma dinâmica própria, um país que está na presidência deve ter uma situação normal em termos de estabilidade política para poder trabalhar normalmente. Mas, o Brasil é um grande país. Tem instituições sólidas, fortes e conseguiu durante a presidência cumprir a sua missão. Todas as reuniões estatutárias previstas foram realizadas, as reuniões setoriais também, todas as áreas setoriais estiveram presentes no Brasil em reuniões organizadas pelas diversas instituições brasileiras que trabalharam no quadro da CPLP. Também as reuniões dos ministros dos Negócios Estrangeiros, a cimeira dos chefes de Estado e do Governo em Brasília foram um sucesso. Debatemos questões importantes que têm que ver com o futuro da CPLP, a língua portuguesa, a cooperação económica empresarial, as crises políticas no continente africano, mas também na Europa e no mundo. Houve momentos de troca de informações muito interessantes. Apesar de todas as dificuldades que o Brasil atravessou, penso que, globalmente, o balanço é positivo. Tiro o chapéu às autoridades brasileiras.

– Que marca fica desta presidência brasileira?

L.F.T. – O facto de termos tido oportunidade de debater temas da atualidade como a agenda 20/30 de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas. Hoje temos nos nove estados membros um plano para que se possa atingir os objetivos do desenvolvimento. Isso é importante e foi conseguido pela presidência brasileira. Mas também todo o trabalho que foi feito na área da cultura e da educação. Temos várias declarações importantes que saíram das reuniões realizadas no Brasil. Agora vamos, no Sal, dar continuidade a várias recomendações e trabalhar para as consolidar. O Brasil deu um contributo muito importante para a afirmação da CPLP.

– E que marca quer deixar Cabo Verde?

L.F.T. – Conseguirmos avançar bem nos três temas que elegemos: Pessoas, Cultura, Oceanos. Quando falamos de pessoas, estamos a falar de mobilidade, de circulação. Temos uma grande ambição de contribuirmos para que haja mais circulação de pessoas e bens no quadro dos países da comunidade de língua portuguesa. É um objetivo estratégico, importante, mas não vai ser fácil de atingir. O caminho faz-se caminhando e estamos a caminhar passo a passo. Em matéria de mobilidade e circulação temos de dar passos seguros, consolidar cada passo e passar ao seguinte. 

– Pode especificar?

L.F.T. – Queremos começar com algumas categorias socioprofissionais – músicos, empresários, profissionais liberais – e com os bens culturais que achamos que devem ter uma livre circulação. Podemos estabelecer um calendário e o nosso objetivo é discutir, abertamente, com os demais estados membros e analisar também as cooperações bilaterais em matéria de circulação e de mobilidade que cada estado membro tem com a sua região (Portugal com a UE, Cabo Verde com a CEDEAO, Angola com a SADC, etc) para podermos ver onde estão os constrangimentos e trabalharmos com determinação e sentido de responsabilidade para os eliminarmos, um a um, até termos uma base consensual que permitirá a tal livre circulação de pessoas e bens, que é um grande sonho dos cidadãos da CPLP.

– Um sonho possível?

L.F.T. – Acho que é um sonho possível. Ainda bem que as pessoas sonham e compete aos políticos trabalhar para que esse sonho possa ser uma realidade. Sinto que há uma vontade política incipiente nos estados membros da CPLP. Cabo Verde está confiante. Vamos assumir a nossa presidência com Portugal a assumir o secretariado executivo.  Estamos a trabalhar já há alguns meses, temos um clima de trabalho muito bom, entendemo-nos muito bem com Portugal e acreditamos que temos todas as condições para fazer um excelente trabalho.

Se conseguirmos facilitar a mobilidade e a circulação de bens e serviços no quadro da CPLP, Cabo Verde dar-se-á por satisfeito durante o seu mandato.

– Mas já há acordos para a livre circulação de algumas categorias profissionais que nunca funcionaram.

L.F.T. – Isso significa que há ainda muito trabalho a fazer, um trabalho de convencer as pessoas, as instituições, os países. As coisas levam o seu tempo. Temos de continuar a trabalhar para o que Estatuto do Cidadão Lusófono, por exemplo, seja uma realidade em todos os estados. Quando as pessoas fazem parte de uma comunidade de língua portuguesa, que partilha valores, querem circular livremente e ter acesso a bens e serviços em cada um dos países, poder trabalhar, etc.

Pensamos que é possível dar um passo em frente em matéria de mobilidade e liberdade de circulação de bens e pessoas e as coisas acontecem no momento certo. Quando há vontade política e um trabalho rigoroso e sério as coisas acabam por acontecer.

– E a proposta sobre esta mobilidade de Portugal e Cabo Verde?

L.F.T. – Não é uma proposta de Portugal e de Cabo Verde. É uma proposta global, de todos os estados membros. Há uma grande convergência de pontos de vista em como temos de avançar para tornar a comunidade, não só uma comunidade onde se fazem reuniões diplomáticas, de cooperação, projetos entre estados membros, etc, mas uma comunidade de povos.  Para ser uma comunidade de povos tem de haver liberdade de circulação, mais mobilidade, reconhecimento de títulos académicos. Temos condições para avançar com a proposta e, sobretudo, obter o consenso dos estados membros.

– Que avaliação Cabo Verde faz da integração da Guiné Equatorial na CPLP, tendo em atenção que os dois principais requisitos colocados pela comunidade para aprovar a entrada não estão a ser cumpridos, continuando a vigorar a pena de morte e com o português praticamente inexistente no país?

L.F.T. – Cabo Verde acha que tem de haver progressos concretos. Em primeiro lugar o roteiro, que foi aprovado por todos, deve ser cumprido. É também absolutamente inaceitável que num país da CPLP possa haver pena de morte. Temos de trabalhar para que este problema seja solucionado e durante a nossa presidência queremos dar passos nesse sentido. Promover a língua portuguesa na Guiné Equatorial também é importante, há disponibilidade e vontade política da parte das autoridades da Guiné Equatorial para promover a língua portuguesa. Devemos trabalhar com a Guiné Equatorial para que ela possa cumprir, rigorosamente, aquilo que já foi acordado. O roteiro existe, tem pontos muito concretos e é nossa obrigação, enquanto país que vai estar a presidir, criar todas as condições para fazermos com que a Guiné Equatorial possa cumprir o roteiro que foi livremente aceite e aprovado por todos os Estados membros.

-Até quando é possível continuar à espera que a Guiné Equatorial decida cumprir o roteiro?

L.F.T. – O mundo não se fez num dia, mas o importante é trabalharmos, rapidamente, para resolvermos questões muito importantes. Desde logo a questão da pena de morte. Não é normal que num país membro da CPLP haja pena de morte, não é normal e temos de trabalhar para resolver este problema, que é talvez o mais importante e mais grave, e trabalharmos para consolidarmos outros valores como o respeito pelos direitos humanos e as liberdades, a democracia.

Os nove estados membros da CPLP têm uma grande responsabilidade em matéria de proteção e defesa dos direitos humanos, que são valores que devem ser partilhados e promovidos em cada um dos estados membros da CPLP. Por isso não pode haver um estado que tenha ainda a vigorar a pena de morte. Não é normal e vamos trabalhar para que esse assunto seja discutido com frontalidade e com responsabilidade.

– A Guiné Equatorial lançou uma campanha junto dos outros estados para receber a cimeira e a presidência da comunidade em 2020. Cabo Verde foi contactado?

L.F.T. – Cabo Verde não foi contactado. Neste momento temos em cima da mesa um roteiro que deve ser cumprido. A Guiné Equatorial deve trabalhar para cumprir o roteiro em primeiro lugar e depois veremos o que poderá acontecer no futuro. A prioridade das prioridades é o cumprimento por parte da Guiné Equatorial do roteiro que foi acordado voluntariamente pelos nove estados membros.

– Qual é o grande desafio futuro da CPLP?

L.F.T. – A ligação com as populações é o grande desafio. Temos uma grande responsabilidade política de informar de explicar e, sobretudo, de dar passos políticos. A questão da mobilidade e da circulação de bens e serviços são fundamentais. Temos de dar esse passo para as pessoas acreditarem mais no projeto CPLP. Pela vitalidade que tem e pelo interesse que desperta em vários países e regiões do mundo, deve obrigar os políticos, os chefes de Estado e de Governo, e todos nós a refletirmos sobre o futuro da organização e como fazer que ela seja cada vez mais uma comunidade de povos. As pessoas querem e sonham com a mobilidade e com a livre circulação porque, para que haja desenvolvimento económico e partilha de valores comuns, tem de haver mobilidade e as pessoas estão ávidas de mobilidade e vamos trabalhar para dar passos significativos. Podemos começar devagar, com categorias socioprofissionais e, paulatinamente, alargar a mobilidade e a circulação a todos os cidadãos de forma livre, como deve acontecer. 

Cristina Fernandes Ferreira 13.07.2018 Exclusivo Lusa/Plataforma Macau

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