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Somos quer explorar cooperação sino-lusófona através da cultura

Nova associação de Macau, que junta a lusofonia e a China, vai organizar um projeto musical com sonoridades e artistas dos diferentes países. A iniciativa vai ser dirigida pelo músico português José Salgueiro, em parceria com artistas locais e dos territórios envolvidos.

Arrojada. É a palavra que Marta Pereira, presidente e fundadora, usa para falar da ideia que deu lugar à recém-criada Somos – Associação de Comunicação em Língua Portuguesa (ACLP). Um dos projetos que pretende desenvolver em Macau, com a lusofonia e a China Continental, vai juntar as sonoridades, instrumentos e artistas de todos os territórios e terá na frente o músico português José Salgueiro. 

A ideia vai beber ao conceito que se convencionou chamar de música do mundo (worldmusic, em inglês) – conhecida assim por fundir sons e influências de diferentes partes. Neste caso, a iniciativa limitar-se-á aos mundos lusófono e chinês, e terá como objetivo fazer um levantamento dos instrumentos tradicionais e étnicos de Macau, da China e dos países de língua portuguesa. Marta Pereira revela um pouco mais da ideia. “Procurar-se-á cruzar cantores, instrumentistas de cada país, numa mescla de poesia local interpretada por parceiros artísticos, fazendo um levantamento de poemas de cada país que, depois de traduzidos, serão interpretados e musicados pela melodia de diferentes instrumentos. O objetivo é partir da heterogeneidade dos diversos sons e conseguir juntá-los numa composição, espetáculo e comunhão genuína”, revela.

O artista José Salgueiro – que fez parte do grupo de música portuguesa Trovante, entre outros – será o responsável por conceber o projeto em parceria com artistas do território, do Continente e países de língua portuguesa. Além da vasta carreira no mundo da música portuguesa, é também um habitué nos palcos de Macau. Salgueiro, também membro da associação Somos, vem com frequência à região para participar em vários projetos e como agente de outros artistas, por exemplo para o Festival da Lusofonia. 

Neste projeto de juntar as sonoridades e instrumentos dos diferentes espaços, serão, por exemplo, reutilizados os “adufões” – adufes gigantes confecionados e idealizados pelo músico português. 

Mas há mais. Marta Pereira diz que foram vários os projetos discutidos na primeira assembleia geral da associação, que decorreu no passado sábado. “Diria que, na sua maioria, muito arrojados e ousados pela dimensão da sua execução e o número de pessoas envolvidas”, adianta. Um deles – “aquele que consideramos o principal e que deu origem à associação” – vai ser apresentado no primeiro semestre. “A apresentação decorrerá em Macau e em simultâneo para todos os países lusófonos. Vai contar com uma rede de atores de todos os países.”

Não é por acaso. O pontapé de saída pretende refletir a essência da associação: envolver todos os territórios de igual forma e com a mesma importância. Marta Pereira garante que não há protagonistas. “Pretendemos ser ‘muitos para muitos’, e aproximar os povos e as comunidades, comungando e partilhando vivências e experiências de caráter social, educacional e cultural”, detalha a fundadora.

Trabalhar para fora cá dentro

A aproximação dos povos e territórios também vai ser feita através de parcerias com governos, entidades oficiais e não oficiais, e profissionais. No Continente, por exemplo, a associação já estabeleceu cooperação com o canal português da Rádio Internacional da China. Tal como Macau, realça Marta Pereira, a Somos quer ser uma ponte de união entre a lusofonia e a China Continental. 

Marta Pereira reconhece que já existem vários projetos que relacionam a lusofonia, Continente e Macau, mas ressalva que se centram sobretudo nas relações económicas e comerciais. “O nosso papel será sempre numa área, que nos parece a nós, que está pouco desenvolvida, que é a parte cultural e social”, sublinha. A presidente diz que a associação acabará por tocar noutros campos, como o turismo, mas a economia ou trocas comerciais não serão o enfoque da associação.

A ideia de criar um projeto que juntasse culturas por meio da língua portuguesa surgiu ainda quando estava em Portugal. Na altura, pensava em criar um espaço que permitisse a partilha de experiências e histórias. Foi quando chegou a Macau há cerca de dois anos, e depois de perceber que a Macau tinha sido atribuído o papel de intermediário entre a lusofonia e o Continente, que decidiu avançar. 

Juntaram-se Olga Pereira, Fernando Ferreira, José Manuel Simões, Natacha Fidalgo, Bruno Camacho da Côrte, José Salgueiro e Valéria Carvalho, e surgiu a Somos. “É uma associação de comunicação em língua portuguesa. E quando falamos de comunicação não tem necessariamente que ver com jornalismo, mas sim com o ato de comunicar em português. Essa comunicação vai assentar nas mais diversas áreas, como a expressão artística, literária, cultural, social e turística”, adianta Marta Pereira. Além disso, o grupo vai também desenvolver projectos com crianças em áreas como as artes performativas.

A associação contará com a colaboração de intervenientes de todos os territórios, entre jornalistas, atores, professores e artistas. O objetivo é que cresça em Macau, mas não se esgote aqui. “Temos uma série de ideias que queremos apresentar e concretizar em Macau e porque não, depois, apresentá-las e recriá-las nos outros países?”, lança Marta Pereira. 

“Podemos ajudar de forma inequívoca a melhorar as relações entre os países de língua portuguesa”

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Baterista, trompetista e percussionista. O músico português José Salgueiro fez parte dos Trovante e, entre muitos outros, tocou e gravou com nomes como Sérgio Godinho, Zeca Afonso e José Mário Branco. A ligação a Macau começou há mais de três décadas, em 1986, quando deu um concerto com os Trovante na cidade. Vem com frequência ao território para participar no Festival da Lusofonia e outros eventos relacionados com a música. Macau volta a ser destino de projetos, desta feita, com a nova associação local Somos – Associação de Comunicação em Língua Portuguesa, da qual faz parte.  

– O que o levou a juntar-se ao projeto?

José Salgueiro – A  Somos é uma boa ideia. Juntar-me ao projeto foi uma decisão fácil por acreditar que quantos mais intervenientes culturais existam numa sociedade multicultural, como é o caso de Macau, mais benefícios para uma mentalidade aberta construir o seu futuro.

– Qual é o desafio?

J.S. – É desafiante ajudar neste propósito, ter ideias e concretizá-las, criando eventos que possam abranger várias culturas com o denominador comum que é a língua portuguesa. Trilhar novamente o caminho de unir povos e contribuir para uma paz assente nas diferenças culturais e respeito pelo ser humano.

– De que maneira pode a iniciativa fazer a diferença aqui, em Portugal e nos restantes países?

J.S. – Não diria que fazemos a diferença, mas que podemos ajudar de forma inequívoca a melhorar as relações entre os países de língua portuguesa, e convenhamos que é sem dúvida uma  ponte sólida entre os intervenientes. A cultura é tão importante como a economia e devem andar de mãos dadas, numa entreajuda, com propósitos de compromisso e liberdade de expressão. 

– Que diferença pode fazer no âmbito da cultura, e especificamente da música, tendo em conta as iniciativas que já existem como o Festival da Lusofonia, que decorre todos os anos em Macau?

J.S. – O Festival da Lusofonia foi e é pioneiro na amostragem de culturas distintas, agregando as comunidades de língua Portuguesa em Macau num evento celebrado por todos em festa e comunhão do que nos une. A Somos não existe para ser a diferença. É uma associação comprometida com os valores culturais que pode complementar com ideias novas, preenchendo algumas lacunas do que já se passa em Macau em termos lusófonos.

– De que forma a iniciativa, a cultura e a música podem ajudar e facilitar este encontro entre culturas tão falado e incentivado por Pequim e Macau? 

J.S. – A arte é uma linguagem universal, aproxima povos e culturas, seja ela musical ou visual. A cultura é arte, é caminho para futuro. Cultura é paz e compreensão, aceitação das diferenças, entreajuda social. A economia sem a cultura não é futuro.

Catarina Brites Soares  15.02.2018

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