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“Queremos beneficiar dos resultados da investigação”

O Parque Científico e Industrial de Medicina Tradicional Chinesa, com o qual o Governo de Macau se comprometeu a um investimento inicial de 600 milhões de yuans, continua a ser uma incógnita para a Associação Industrial de Macau. Fong Son Kin, presidente da direção da organização, defende o acesso das empresas de Macau à investigação que lá for produzida. Terrenos e acordos para facilitar a exportação são outras das reivindicações numa altura em que o Governo promete apoio à reconversão da produção tradicional de Macau. 

– No plano quinquenal de Macau para a região, pretende-se promover o reposicionamento das indústrias de Macau. Que sectores têm hoje potencial para um maior desenvolvimento?

Fong Soi Kin –  O Governo concede bastantes benefícios, com as receitas a superarem mais de 100 mil milhões de patacas, comparando com apenas 20 mil milhões antes da transferência. Está a subsidiar novos tipos de indústrias e a dar apoio a novos negócios, como o turismo e as convenções, mas não presta atenção ao desenvolvimento da indústria de manufactura. Com o plano quinquenal, parece prestar mais atenção, reconhecendo a importância da indústria manufactureira e definindo políticas para as indústrias tradicionais. Estamos satisfeitos por sermos alvo desta atenção.

–  Que sectores podem ter potencial para se reformarem?

F.S.K. – Temos estudado muito este tópico. Olhando para o contexto histórico, foi basicamente a indústria do vestuário que apoiou a indústria no geral. Hoje, tudo mudou. Esta indústria enfrenta grandes dificuldades, que são também muito difíceis de resolver. Somos da opinião de que para termos operações em Macau temos de nos atualizar e encontrar novos produtos. Há três tipos de negócios onde há ainda alguma oportunidade de desenvolvimento: indústria alimentar, suplementos alimentares e produtos farmacêuticos, e design de moda de alto valor. Há muita produção que foi transferida, mas que se encontra em regiões vizinhas – sobretudo, na China Continental. Achamos que temos que desenvolver as nossas marcas no mercado local e chinês de retalho. São estas a três direções a explorar. Mesmo no atual contexto, achamos que as podemos desenvolver com algum tipo de apoio que o Governo possa dar.

– Para investir neste tipo de produtos, quais são as necessidades? Também na China Continental há pressões sobre a manufactura para a relocalização noutras regiões do sudeste asiático.

F.S.K. – Queremos encorajar as nossas indústrias a operarem aqui, em Macau.  Naturalmente, o espaço e a mão-de-obra são limitados, e há um conjunto de factores desfavoráveis. Queremos ter 100 por cento das operações aqui, mas na realidade para produzir algo são precisos talvez 20 processos diferentes de produção. As regras alfandegárias para que a origem de um produto seja de Macau não exigem que todos os processos aconteçam em Macau, mas há um quadro que é necessário seguir. Temos muita experiência na produção de produtos alimentares turísticos – quase todos os que nos visitam saem de Macau com um ou dois sacos de bolos. Queremos promover a imagem ‘Made in Macau’, sabendo que a questão da confiança na segurança dos produtos é um problema na China Continental. É uma vantagem para nós. A nossa associação fez bastante trabalho preparatório. Se conseguirmos desenvolver um sistema de controlo de qualidade local que assegure um bom nível de confiança dos consumidores nos produtos ‘Made in Macau’, conseguiremos apoiar este sector. Podemos fazê-lo recorrendo a laboratórios reputados do exterior, mas são precisos bastantes recursos, mão-de-obra, procedimentos. O processo de certificação exigirá verificações periódicas. Esperamos que o Governo preste atenção a este processo agindo de forma a ir ao encontro da nossa proposta.

– O Centro de Segurança Alimentar de Macau não será suficiente para esses procedimentos?

F.S.K. – Poderemos colaborar, mas estamos a falar de uma fase mais comercial e não da questão das importações. Seria algo semelhante ao sistema Q-Mark criado pela Federação das Indústrias de Hong Kong. A nossa ideia é desenvolver uma etiqueta que ateste que a qualidade de determinado produto, do ponto de vista da segurança e outros, atinge certos critérios fixados por um sistema que seja bem conhecido e alvo da confiança do público.

– Referiu também a questão dos suplementos e produtos farmacêuticos. O que pode ser feito nesse domínio?

F.S.K – Também aqui tem que ver com a confiança do consumidor – e, mais uma vez, estamos a referir-nos ao consumidor chinês. A ideia é a mesma que para os produtos alimentares. Em certo sentido, estamos a falar de produtos próximos da farmacêutica. O Governo de Macau está preparado para investir muito dinheiro no Parque Científico e Industrial de Medicina Tradicional Chinesa na Ilha da Montanha. Os jornais contam que o primeiro centro de desenvolvimento entrou em operações e que a cobertura do edifício-sede já foi terminado. O investimento é enorme. Nós esperamos que o parque ajude a indústria de produtos farmacêuticos local, que haja informação, e que haja transferência tecnológica da investigação que for feita. Cada pataca dos custos será paga pelo Governo. Será um parque apenas para investigação, sem produção.

– Mas será possível haver colaboração para uma aplicação industrial?

F.S.K. – É isso que queremos perceber. O parque não está em Macau e pode apenas desenvolver-se investigação. A maioria das empresas com acesso ao projeto parece ser da China Continental, são grandes empresas. Gostaríamos que os resultados de investigação pudessem ser disponibilizados para uso das farmacêuticas locais, mas não sabemos como isso pode acontecer. Como é que a nossa economia pode beneficiar da investigação que aí será conduzida?

– Há um número significativo de empresas nesta área em Macau?

 F.S.K. – Não sabemos. Os jornais falam em 86 e referem que se pretende que o parque esteja a ser utilizado em 2018, tendo sido alcançado um memorando de cooperação. Estão a negociar com 252 empresas, incluindo 86 empresas de Macau. E, das 252 empresas referidas, 68 manifestaram a intenção de integrar o parque, sendo que 56 chegaram já a um acordo de cooperação.

– Fala-se de 86 empresas de Macau envolvidas na medicina tradicional chinesa. A Associação Industrial de Macau não as conhece?

F.S.K. – A administração do parque vai voltar a encontrar-se connosco – levantámos muitas questões e vamos conversar. Da nossa parte, não temos a informação completa. Queremos beneficiar dos resultados da investigação, e devemos ter alguma prioridade. O Governo de Macau está a investir muito dinheiro. Outra coisa: se beneficiarmos da investigação e pudermos produzir em Macau, sendo o consumo local pequeno, devemos planear a forma de enviar os nossos produtos para o mercado da China. É um processo muito difícil, em termos de inspeções. Esperamos que o Governo nos ajude a pensar no assunto.

– Haverá questões de propriedade industrial a resolver também?

F.SK. – Sim, o Governo deve também prestar atenção a esse aspecto.

– Quanto à indústria de design de vestuário, o que pensam fazer?

F.S.K. – Estamos a falar de vestidos de gala e de smokings, é disso que falamos quando dizemos vestuário de luxo. A indústria de vestuário, como referi, tem-se mantido forte, mesmo agora, desde 1972. Temos muita experiência ainda que a nossa escala seja pequena, mas acreditamos que há ainda a oportunidade de aprofundar este negócio. Antes, focávamo-nos na produção para exportação. A situação mudou e a ideia não é pensar na exportação, mas antes em criar marcas de moda para vender domesticamente e no mercado chinês. Para isso, precisamos mesmo de apoio. Isso significa participar em exposições e ter representação em bons pontos de venda, independentemente da localização. Muitos jovens querem desenvolver as suas marcas, mas isso implica um modelo de operações totalmente diferente da simples manufactura. Devia haver um departamento especial para tratar deste tipo de assuntos e ajudar as gerações mais jovens.

– Não deveria ser iniciativa da própria indústria?

F.S.K. – Sim, estamos a iniciar o processo. Temos a marca MinM [Made in Macau] desde há três anos, com esta ideia. Queremos que as indústrias locais adoptem esta direção para promoverem as suas marcas. Queremos colaborar com o Governo para promover a MinM como marca coletiva. Sabemos que não é adequado procurar subsídios para marcas individuais. Também tenho uma marca. Mas para benefício da economia no seu conjunto é importante promover a MinM, que também integra outros conceitos criativos para a imagem de Macau.

– A promoção das marcas, os serviços de marketing, também conduzem à questão se saber se os recursos humanos são adequados, havendo leis laborais que limitam o recrutamento ao exterior?

F.S.K. – Todos os tipos de indústrias estão a enfrentar falta de mão-de-obra, mesmo com os mais de 100 mil não-residentes que estão em Macau. Também estamos a sentir a pressão, mas creio que temos a hipótese de obter um número de autorizações. É um problema social crítico. Não só a manufactura, mas os negócios como um todo enfrentam falta de mão-de-obra. A experiência frequente num restaurante, por exemplo, é a dos preços serem altos, a comida boa, mas o serviço não ser recomendável. Esperamos que, no que for aplicável, haja alguma flexibilização. Mas é um problema social crítico. Do ponto de vista dos negócios, a maioria dos empresários tem a esperança de algum relaxamento. O Governo tem de encontrar um equilíbrio. 

– Estas áreas que refere – alimentar, saúde e design de moda – exigem alguma especialização que talvez não seja fácil encontrar em Macau.

F.S.K. – Sobretudo no que diz respeito à medicina tradicional e farmacêutica, manifestámos a ideia de que as instituições de ensino superior devem garantir uma formação algo mais prática para criar estes recursos humanos. Não há esses cursos ainda. Sem pessoal válido, como é que indústria pode crescer? Não se pode depender de pessoas do exterior o tempo todo. No vestuário, temos já a experiência de sucesso dos últimos 14 anos, com pessoas capazes e jovens que estudaram no exterior e agora aqui vivem. O Centro de Produtividade e Transferência de Tecnologia também oferece cursos nesta área.

– A questão da oferta de terras disponível para a instalação de indústria também se levanta?

F.S.K. – Sabemos que a disponibilidade é escassa e os preços são muito altos. Mas, por outro lado, o Governo tem a intenção de diversificar a base das indústrias locais. No programa do Governo, percebemos que há terrenos industriais do Pac On a reaver, e planos para entregar estes terrenos a algumas grandes empresas. Temos duas ideias. Primeiro, esperamos que o Governo pense em reservar algum terreno para desenvolver um edifício industrial que posa ser usado pelos produtores farmacêuticos. É uma área que exige ventilação e implica a utilização de substâncias por vezes tóxicas. São precisas instalações especiais de armazenamento e mecanismos de tratamento de resíduos adequados, características que uma pequena unidade farmacêutica não tem. As outras indústrias também precisam de espaço. Por outro lado, também esperamos que o Governo ponha de parte um terreno para que uma organização não-governamental construa um complexo que permita a exibição e consumo de produtos de Macau pelos turistas.

– Há alguns anos, os Serviços de Obras Públicas lançaram uma série de medidas para a reconversão de edifícios industriais. Não foi útil nessa altura?

F.S.K. – Recordo-me. Falaram em revitalizar os edifícios, mas parece-me que o resultado foi zero. Estávamos interessados e fizemos muitas sugestões, que não tiveram qualquer resposta. Primeiro, era preciso 100 por cento de consenso dos proprietários, algo praticamente impossível. Por outro lado, os planos de requalificação exigiam que, na reconstrução, entregássemos 20 ou 30 por cento do espaço sem encargos ao Governo para equipamentos sociais. O limite da altura a área bruta de construção também era muito restritivo. Mas, sobretudo, era a questão do acordo a 100 por cento.

– Que outras condições a Associação Industrial vê como necessárias?

F.S.K. – Esperamos que o Governo preste atenção às normas de aquisição pelos serviços públicos. Uma vez que se pretende rever a lei, entendemos que deve ser integrada uma regra para que as agências do Governo deem preferência, numa base quantitativa, a favor das empresas locais. Se o fizerem, estarão a ajudar muito. As empresas e jogo, com a Associação Comercial de Macau, lançaram já uma iniciativa neste sentido. Se o Governo der também o exemplo, outras empresas se seguirão. Se houver uma tal procura, haverá novos investidores, locais ou do exterior, a criar novos produtos. E isso, sim, permitirá alcançar o objectivo de diversificação. Também não estamos a usar muito bem o CEPA [Acordo de Estreitamento das Relações Económicas e Comerciais entre o interior da China e Macau]. Os produtos com origem em Macau estão isentos de tarifas na importação, mas ainda é preciso pagar os impostos de valor acrescentado. Só que o valor dos produtos é definido pelos departamentos da China Continental  e esperamos um acordo com as autoridades chinesas para haver pré-determinação de preços, para que saibamos quanto vamos pagar antes de enviarmos os bens.

Maria Caetano

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