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Travar aumento da criminalidade

Seis meses depois do crime que chocou Cabo Verde e colocou o país no topo da atualidade mundial, o autor confesso da morte de 11 pessoas num destacamento militar no interior da ilha de Santiago foi condenado à pena máxima de 35 anos de cadeia, numa altura em que as notícias de homicídios se sucedem e o Governo aponta um pacote de medidas para tentar travar o aumento da criminalidade.

Balotelli era arrumador de carros e foi encontrado morto no bairro do Palmarejo. Evandro morreu às mãos de outro jovem de um grupo rival no bairro da Calabaceira. Marisa, uma empresária de Ponta de Água, foi morta no sofá da sua casa por dois homens encapuzados.

São estes alguns dos nomes que, entre finais de setembro e outubro, engrossaram as, já de si pesadas, estatísticas dos homicídios ocorridos em Cabo Verde, a sua maioria nos bairros periféricos da cidade da Praia.

No primeiro semestre deste ano, o número de homicídios registados em Cabo Verde duplicou relativamente ao mesmo período de 2015, um número influenciado pelas 11 mortes ocorridas no destacamento militar no interior da ilha de Santiago, segundo dados oficiais da Polícia Nacional. 

Neste período, o mais recente para o qual há dados, foram registados em Cabo Verde 36 homicídios, o dobro dos 18 registados no período homólogo de 2015. A maioria destas mortes ocorreu na área do comando regional da Praia da Polícia Nacional (29), sendo que 15 se registaram na capital e 14 no município de São Domingos.

Monte Toxta: um caso excecional 

O autor confesso das mortes, o soldado do mesmo destacamento Manuel António Ribeiro, foi condenado este mês, em cúmulo jurídico, a 35 anos de cadeia pelo coletivo de juízes do Tribunal Militar.

Foi uma das primeiras condenações a pena máxima de 35 anos após o aumento de penas para crimes violentos e de sangue ter sido aprovado em 2015, como parte da estratégia de combate à criminalidade do anterior executivo do Partido Africano para a Independência de Cabo Verde (PAICV).

Julgado por um Tribunal Militar do qual fez parte uma juíza civil, foi-lhe também aplicada uma pena prevista no código penal civil e foi já transferido para a cadeia central de São Martinho, na cidade da Praia, onde cumprirá a pena.

Manuel António Ribeiro ou “Entany”, como é conhecido, foi condenado como autor material de dois homicídios de superior hierárquico a penas de 16 anos de cadeia cada um, seis homicídios agravados de militares e três homicídios agravados de civis, cada um deles punível com 15 anos de cadeia.

Foi ainda condenado por roubo agravado de armas (4 anos de cadeia), furto de um televisor (seis meses de cadeia), uso ilegítimo de arma (três meses de cadeia) e abandono do posto de sentinela (três meses de cadeia). 

O total das penas resultou num cúmulo jurídico de 35 anos, a pena máxima prevista no código penal civil em Cabo Verde.

O tribunal deu como provado que depois de um desentendimento com o comandante do posto militar de Monte Txota e de ter sido alvo de chacota dos colegas, “Entany” entrou, na madrugada de 25 de abril, nos três quartos onde dormiam os colegas, disparando sobre eles com a intenção de matar. 

Provado ficou também que o arguido aguardou no ponto mais alto do destacamento até às 09h00 da manhã, altura em que matou os três civis – dois espanhóis e um cabo-verdiano – que chegaram ao local para fazer a manutenção das antenas. 

O tribunal não conseguiu esclarecer as circunstâncias em que o acusado terá conseguido apoderar-se da chave do cacifo onde estavam guardadas as armas e munições do destacamento, mas deu como provado que as armas foram transportadas para a cidade da Praia no carro dos técnicos espanhóis, que o suspeito acabaria depois por abandonar.

Provado ficou também que as mortes das 11 vítimas foram causadas pelos disparos das armas AKM e Macarov, que tinha em seu poder.

O tribunal adiantou não ter conseguido apurar que “Entany” tenha sido alvo de maus tratos nas Forças Armadas, como alegado por alguns dos seus familiares, nem estabelecer qualquer ligação destes com a motivação dos crimes.

Durante a leitura da sentença foi também assinalado que o arguido confessou os crimes, mostrou arrependimento e pediu desculpa aos familiares das vítimas.

Apesar de chocante, o massacre de Monte Txota está a ser encarado pelas autoridades como um caso excecional, que não reflete o tipo de criminalidade que está a aumentar no país.

Registo de 120 homicídios num ano

Entre 1 de agosto de 2015 e 31 de julho de 2016, deram entrada na Procuradoria-Geral da Republica de Cabo Verde 215 processos-crime por homicídio, 95 (44%) na forma tentada, 80 homicídios simples (37%) e 37 negligentes (17%).

Foram ainda registados dois processos por homicídio agravado e um por homicídio qualificado.

O relatório, entregue pelo Procurador-Geral da República na Assembleia Nacional e discutido no debate anual sobre o estado da justiça, dá ainda conta de um aumento generalizado de processos-crime na ordem dos 6,7 por cento.

Globalmente, deram entrada no Ministério Público 29.750 processos da área penal, mais 1.870 do que no ano judicial anterior.

A criação Polícia Nacional de uma unidade de coordenação da investigação criminal, afetação de efetivos em regime de exclusividade, bem como a melhoria da capacidade de resposta da Polícia Judiciária em matéria de investigação e instrução processual são outras propostas que constam do documento.

Criminalidade sobretudo na capital

O aumento da criminalidade registou-se sobretudo na cidade da Praia, onde os crimes aumentaram 8 por cento no primeiro semestre de 2016, o que levou ao anúncio por parte do Governo do reforço em breve da Policia Nacional com 60 novos efetivos.

Na sequência, da divulgação dos dados, o Governo anunciou um “reforço extraordinário” de meios para as polícias nacionais e serviços prisionais em cerca de quatro milhões de euros.

A verba será usada na aquisição de equipamentos de segurança e proteção pessoal e meios de mobilidade para as polícias cabo-verdianas.

O Governo vai ainda implementar o 112 como número único nacional para a comunicação de emergências e o projeto “Cidade Segura”, em pareceria com a China, que contempla a comunicação operacional (rádio), videovigilância urbana e instalação de um centro de comando e controlo para a gestão do patrulhamento urbano.

Foi ainda decidido uniformizar o horário de funcionamento dos estabelecimentos noturnos e em estudo está a reforma da legislação cabo-verdiana para criminalizar os denominados ‘tugs’, grupos de jovens rivais que espalham a violência e a criminalidade nos bairros da Praia.

O executivo quer também mais coordenação e integração das forças e serviços de segurança, reforçar a iluminação pública e tomar medidas para o reforço da motivação dos profissionais da segurança.

O Governo irá ainda elaborar um programa Nacional de Segurança Interna e Cidadania, destinado a atuar sobre as raízes socioculturais do crime, articulando medidas de segurança pública com políticas de inclusão social. 

Cristina Fernandes Ferreira-Exclusivo Lusa/Plataforma

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