Nos primeiros 35 dias do segundo e último mandato de Fernando Chui Sai On, que hoje se assinalam, a nova equipa governativa procurou conquistar a confiança da população. A determinação dos atos do novo secretário para a Segurança e a ousadia do discurso do titular da pasta da Saúde criaram, segundo analistas, elevadas expectativas.
Para cumprir o seu segundo e último mandato, Fernando Chui Sai On apostou numa nova equipa para “um novo capítulo de desenvolvimento” da Região.
“Não estamos satisfeitos com os resultados alcançados”, reconheceu o líder do Governo na sua última tomada de posse perante o Presidente chinês, Xi Jinping, que deixara momentos antes o aviso de que Macau se encontra num ponto de viragem que requer mais esforços, novas estratégias e determinação “para se superar as dificuldades e se obter melhores resultados”.
Os sinais de mudança chegaram com a partida do mensageiro. Os casinos fecharam o ano com uma quebra inédita das receitas, os grandes apostadores começaram a olhar com desconfiança para o mercado local e salas VIP começaram a fechar.
“A China enfrenta um dilema”, constatou o académico Sun Guang-Zhen, referindo-se ao facto de ter sido o Governo central a abrir caminho à conquista por Macau do estatuto de capital mundial do jogo e de querer agora por um travão ao crescimento que parecia não ter limites, mas sem causar um forte impacto negativo na Região Administrativa Especial. “Estão claramente felizes por verem a prosperidade de Macau e o território a crescer depressa. Mas, por outro lado, também estão preocupados com a corrupção política na China e é do conhecimento público que muitos oficiais gastam muito dinheiro em atividades de jogo em Macau”, disse. Para este professor de Economia da Universidade de Macau, o Governo central, “particularmente a nova geração liderada pelo Presidente Xi, deve ter refletido bastante sobre esta situação, sobre como conseguir que a economia de Macau se continue a desenvolver, minimizando-se simultaneamente os efeitos negativos na governança chinesa”.
“Penso que este é um momento de viragem para Macau e o quão longe este novo Governo poderá ir, não sabemos ainda”, concluiu.
PALAVRA DE ORDEM: DIVERSIFICAÇÃO
Nos primeiros 35 dias do novo Governo, a meta da diversificação foi provavelmente a mais apregoada com base numa necessidade de ajustamento por ser “o tempo certo e haver condições” para o desenvolvimento de setores extra-jogo, segundo Chui Sai On.
O rosto escolhido para esta missão foi Lionel Leong, dono de uma das maiores lavandarias do mundo e apontado como potencial candidato a líder do Governo em 2019. A pasta da Economia e Finanças foi então deixada à confiança de um empresário de sucesso, caso único entre a atual equipa governativa.
“Conhece bem a economia local e tem capacidade para fazer um bom trabalho”, acredita Kwan Fung, também professor de Economia da Universidade de Macau. A sua nomeação, disse Zhu Shihai, académico da Universidade de Ciência e Tecnologia (MUST), “significa que o Governo está a prestar mais atenção às questões económicas e que quer usar pessoas familiarizadas com esta área para a gerir, o que é positivo”. Sun Guang-Zhen aponta “mais vantagens do que desvantagens”, pois o empresário “saberá melhor do que outros políticos como mudar a situação económica local”.
Lionel Leong classificou a diversificação da economia como uma prioridade fundamental. Prevendo que a tendência de queda das receitas de jogo se manterá neste primeiro semestre, o governante salientou que se irá passar gradualmente de “uma situação de crescimento acelerado anormal para uma etapa de desenvolvimento estável e normal”, o que exige “ajustes e poderá trazer vantagens”. As apostas, disse, passarão pelo setor das convenções e exposições, cultura, indústrias criativas, ambiente e educação, a par da transformação do território num centro mundial de turismo e lazer, da cooperação regional e aprofundamento da plataforma de serviços entre a China e a lusofonia.
Entre as suas promessas neste primeiro mês no cargo estão incentivos para as pequenas e médias empresas, nomeadamente o alívio da sua carga fiscal, e aposta na formação de quadros qualificados e promoção de oportunidades de progressão profissional dos residentes. O novo secretário quer tomar medidas eficazes e que deixem a população satisfeita, por isso, garantiu que irá auscultar opiniões de diferentes setores sociais e reforçar a capacidade de previsão e
análise económica do Governo.
Para o analista político Larry So, o estilo de Lionel Leong “não é muito diferente do de Francis Tam”.
Também na perspetiva de Kwan Fung, o discurso do novo secretário não trouxe grandes novidades neste primeiro mês, julgando ser ainda cedo para balanços. “São declarações importantes, mas gerais e é preciso mais do que isso, é preciso uma estratégia, pensar-se na diversificação de forma mais séria do que antes, definirem-se políticas e envolverem-se consultoras e empresas internacionais nestes esforços, julgo que esta será a principal tarefa do Governo nos próximos anos”.
Segundo Sun Guang-Zhen, o facto de as atividades relacionadas com o jogo “serem responsáveis por 90% do PIB, enquanto que em Las Vegas representam apenas 40%, coloca Macau em risco, porque se o Governo chinês decidir apertar o controlo sobre o movimento de capitais, então estará em apuros”. Ao salientar que “foram colocados demasiados recursos na indústria do jogo”, o académico observou que “esta foi provavelmente a mensagem que o Presidente Xi procurou passar, mas não o fez de forma clara por razões políticas”.
DETENÇÕES SURPRESA
Um dos pontos altos dos primeiros 35 dias do novo Governo foi, segundo analistas, o desmantelamento da maior rede de prostituição dos últimos 15 anos, que culminou na detenção de cerca de 100 pessoas, incluindo Alan Ho, diretor executivo do Hotel Lisboa e sobrinho do magnata Stanley Ho. A rede em causa terá faturado no último ano cerca de 400 milhões de patacas através da distribuição de quartos naquele hotel a prostitutas, sob o pagamento de tarifas.
Para Zhu Shihai, este “talvez também seja um sinal importante de que o Governo, incluindo o Governo central, decidiu gerir a indústria do jogo em Macau”.
“Há muita especulação sobre a possibilidade de Wong Sio Chak ter guardado esta informação para atuar após assumir o cargo, de modo a promover a sua moral e reputação entre a comunidade, mas se assim foi não há nada de errado nisso”, comentou Larry So. Para este analista, o novo secretário “demonstrou assim o seu poder e determinação em prol da manutenção da lei e ordem em Macau, o que lhe poderá ter dado alguma força, mas a comunidade está na expectativa de ver se esta atitude se irá manter”. De qualquer modo, Larry So considera que foi Wong Sio Chak quem mais se destacou entre a nova equipa nestes primeiros 35 dias do último mandato de Chui Sai On.
O novo secretário para a Segurança, ex-diretor da Polícia Judiciária, garantiu que o combate à criminalidade será mantido e que será reforçada a presença policial nos casinos e hotéis.
O seu primeiro mês no cargo também ficou marcado por proibições de entradas de ativistas de Hong Kong em Macau, entre os quais a deputada Emily Lau, por alegadamente poderem por em risco a segurança do território. Isto acabou mesmo por motivar um pedido de desculpas conjunto de Wong Sio Chak e Chui Sai On por uma criança de um ano ter sido barrada alegadamente por partilhar o nome com uma das pessoas inscritas numa lista negra das autoridades.
SAÚDE A BRILHAR
Alexis Tam assumiu a “super pasta” dos Assuntos Sociais e Cultura com a atitude de um “super secretário”. Com uma agenda ambiciosa na área da Saúde, o governante prometeu o recrutamento de mais de 500 profissionais, melhores regalias para o pessoal médico, redução dos tempos de espera nos serviços, a conclusão do novo hospital público e melhor fiscalização do erário público.
“O Governo coloca a saúde dos residentes em primeiro lugar (…) tenho muita confiança que dentro de cinco anos conseguiremos construir um sistema de saúde sofisticado”, afirmou, sublinhando que terá um “pulso mais firme” na gestão deste setor.
Na sua primeira visita ao hospital Conde São Januário, o novo secretário mostrou isso mesmo. Visitou as instalações, ouviu doentes e pessoal técnico e no fim apontou falhas na gestão dos Serviços de Saúde e deu o prazo de um ano para que sejam corrigidas.
Durante o seu mandato, Alexis Tam pretende ainda trabalhar para que Macau “atinja os níveis das regiões vizinhas ou até ultrapassar” no que toca à Saúde e prometeu mais atenção às opiniões e queixas dos cidadãos e maior apoio aos grupos vulneráveis. A formação de quadros bilingues é outra aposta do governante para o desenvolvimento do papel de Macau como plataforma entre a China e a lusofonia e afirmação do território a nível regional como centro de formação da língua portuguesa.
Larry So considera que Alexis Tam “é uma exceção” na nova equipa governativa pelo “seu estilo diferente”, que rompe com o padrão do passado. “A promessa que tem repetido de que os próximos cinco anos serão brilhantes para a Saúde é o momento que destaco deste primeiro mês do novo Governo. É isso que a população gostaria de ver e, se cumprir a sua palavra, Alexis Tam será encarado como um verdadeiro líder”, disse. Zhu Shihai também considera que as intenções do governante “são muito boas e, se se aplicarem, deixarão muita gente satisfeita”.
Raimundo do Rosário, com a pasta dos Transportes e Obras Públicas, é, para os analistas, o governante que enfrenta atualmente maior pressão. A nomeação de Li Canfeng, que foi testemunha no caso Ao Man Long, como diretor dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes gerou alguma polémica e a sua tutela voltou a estar esta semana no centro das atenções com um novo relatório do Comissariado de Auditoria que volta a dar conta de “grandes derrapagens orçamentais” e outros problemas relacionados com a obra do metro ligeiro, quase três anos atrasada.
Raimundo do Rosário pediu tempo até à apresentação das Linhas de Ação Governativa para anunciar medidas.
Na pasta da Administração e Justiça, que volta a ser a única comandada por uma mulher, a secretária Sónia Chan estabeleceu como prioridades a simplificação do aparelho administrativo, aceleração do processo legislativo e a uniformização dos contratos dos funcionários públicos.
O académico Kwan Fung constata que “muito do que o Governo fez neste primeiro mês passou mais por mostrar à população que tem novas caras e que elas querem fazer mais por Macau do que propriamente por medidas concretas”. Também Larry So observou que os secretários ainda se estão a adaptar ao cargo e a criar o seu próprio estilo de trabalho, tendo este mês ficado marcado por “uma espécie de campanha de relações públicas com visitas a organizações e serviços das respetivas tutelas”.
Patrícia Neves