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Paulo Rego – (DES)ORDEM MUNDIAL (NÃO) AFIRMA A CHINA

 

Henry Kissinger recupera no seu último livro um dos debates que mais apaixona analistas políticos, filósofos e geoestrategas: a nova (des)ordem mundial, marcada por erupções de conflitos em vários pontos do globo; seja em disputas territoriais, seja por vingança histórica ou radicalismos ideológicos e religiosos. A Ucrânia, o estado islâmico ou a tensão nos Mares do Sul da China parecem casos isolados; mas há quem aponte uma relação empática entre conflitos que, sendo diferentes entre si, têm em comum o desafio às antigas alianças dominantes, expondo a sua fragilidade e acelerando o seu desgaste.

A Guerra Fria geriu equilíbrios apostando no terror do holocausto nuclear; após a queda do Muro de Berlim, Washington viveu um período hegemónico, por não ter poderes económicos e militares concorrentes, mas também com base na sociedade do conhecimento e num sistema de valores “vendável” à escala global. Em boa parte do Ocidente o “Tio Sam” foi bem aceite, sendo em muitos casos mesmo desejado. Esse paradigma está no seu canto do cisne e o mundo volta a mudar. O problema é que não se percebe bem como nem com que lógicas.

A hegemonia não é estimulante nem criativa, razão pela qual é bem mais sedutora a tese de que a China, a Rússia e a Índia, mas também a África do Sul ou o Brasil… estariam a engrossar o grupo das nações de uma nova realidade multipolar. Contudo, não é essa ainda a realidade. De facto, não há um bloco realmente influente de potências emergentes, nem parece possível unir a Ásia em torno de uma ideia para o mundo.

A recusa da hegemonia norte-americana – crescente e compreensível – aliada ao eclpise da Europa, sem que surjam novos fóruns e instituições globais, ou sistemas de valores alternativos, provoca um vazio de segurança com consequências negativas. Aliás, seria este o cenário ideal para que a China visse aqui uma oportunidade – até a missão – de assumir um papel mais ativo e construtivo. Pequim insiste na tese do soft power e na garantia de que não interferirá nos assuntos internos seja de que for. Mas é difícil imaginar que um império económico global possa furtar-se a uma diplomacia mais interventiva.

Mais cedo ou mais tarde, a China terá de se confrontar com a sua própria dimensão.

Percebe-se que não esteja ainda preparada. Por um lado, falta-lhe poderio militar e o domínio de muitas tecnologias de ponta; por outro, grande parte do mundo não lhe reconhece dimensão social e política capaz de liderar um sistema de valores à escala global. Em África, a injeção de desenvolvimento em troca de matérias primas tem sido um processo bem sucedido; na América Latina, especialmente no Brasil, as trocas comerciais atingem valores nunca imaginados; e até a Europa já aceita em silêncio muito daquilo que antes criticava no regime chinês. Contudo, não se vislumbra que haja no bloco das economias emergentes nenhuma proposta para um novo ecosistema de valores e uma organização económica que recupere os desígnios da paz e do desenvolvimento.

A China tem um longo caminho ainda a percorrer; a Rússia dá passos atrás na Ucrânia; a Índia nem se vê neste filme e o Brasil é ainda um jovem aprendiz nestes palcos. Enquanto assim for… entre uma “velha ordem” decadente e a “nova ordem” que não se afirma, é natural que ganhem terreno os conflitos que se alimentam da falta de uma ordem qualquer.

 

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