José E. Isaac - IR MAIS ALÉM - Plataforma Media

José E. Isaac – IR MAIS ALÉM

 

A ideia de que Macau pode servir de plataforma para a cooperação entre a China e os países de língua portuguesa é, no plano geral em que como regra se coloca, uma ideia atraente para todas as partes envolvidas. O governo central, porque assim assinala o seu interesse em desenvolver Macau para além do jogo e em valorizar a singularidade do território. Os governos dos países lusófonos, a quem um acesso à China, por via de um território onde se fala o português e cujo sistema jurídico é facilmente reconhecível, pode proporcionar algumas vantagens e mais segurança. O governo local, porque assim pode afirmar um papel distinto para o território no seio da nação chinesa e preservar uma ligação especial ao mundo lusófono.

Estes são desígnios abstractos onde cada um pode incluir que lhe aprouver e lhe parecer adaptado aos seus particulares objectivos. O consenso faz-se num elevado plano de generalidade, que o facilita, mas não é certo que se possa manter logo que se passe à definição de metas mais específicas.

É nesse contexto que parece necessário aprofundar a reflexão sobre os planos concretos em que se pode ou deve materializar a função de Macau nas relação sino-lusófonas. Deixemos de fora, desde logo, o plano de relações entre estados. O papel de Macau, no plano diplomático, será de coadjutor, diria mesmo instrumento, da política externa chinesa. Nesse plano, Macau não goza de autonomia. Necessita, portanto, de definir uma função específica que seja vista como útil e distinta, ou pelo mesmo complementar, daquelas que se efectuam pelos canais diplomáticos habituais.

O ênfase e apoio expresso do governo central a esse papel abrem o caminho para tal. Ele pode limitar-se à organização de eventos e de viagens; mas, tal parece curto, como ambição. Se o território quiser ir mais além, e proporcionar serviços com significativas mais-valias para os agentes económicos dos diversos países envolvidos, é necessário que os agentes locais, políticos e económicos, estabeleçam um quadro de referência que ajude a delimitar a natureza desses serviços e a mobilizar os recursos necessários à sua operacionalização.

E aí, a questão primeira que se põe é: a quem se destinam e que serviços presta, ou quer prestar, a ‘plataforma’? São, de facto, duas perguntas; mas de tal modo interligadas que devem ser abordadas em simultâneo. Talvez seja mesmo mais fácil começar pela segunda parte da questão. Já vimos que não intervém no domínio diplomático. Por extensão, não haverá para Macau grande papel, efectivo, quando em causa estiverem grandes negócios entre os estados, nomeadamente os que envolvam as grandes empresas estatais ou empresas que operem em sectores considerados estratégicos por qualquer uma das partes. Não se vê, a título de exemplo, que as discussões sobre cooperação aeronáutica ou aerospacial, entre a China e o Brasil, passem alguma vez por Macau.

Teremos, parece, que falar de serviços dirigidos a empresas de menor dimensão; de natureza privada ou, pelo menos, com ampla autonomia de gestão relativamente aos poderes públicos; em sectores menos sensíveis – o que não quer dizer menos relevantes, seja para os produtores, seja para os consumidores; e que, pelas sua circunstâncias específicas, podem ter maiores dificuldades em estabelecer pontes de acesso ao mercado chinês.

Quem são, e onde estão, essas empresas, quer do lado chinês, quer nos diversos países lusófonos? Que tipo de serviços de apoio procuram, que dificuldades específicas encontram nas relações bilaterais, quais as suas fraquezas? Quem pode, em Macau, dar resposta a essas necessidades, que oportunidades de negócio se abrem, onde estão os recursos humanos para tal? Ademais, o que é que os contactos bilaterais e multilaterais que foram ocorrendo entretanto nos podem dizer quanto a estas questões, que nos ensinam eles sobre as nossas próprias fraquezas ou sobre o potencial de desenvolvimento futuro?

Estas são questões a que importa dar resposta de forma sistemática e estruturada, mais do que tem sido o caso. Ou o projecto ‘Macau-plataforma’ pode tornar-se não muito mais do que uma variante do projecto “Macau-ponte” entre o Ocidente e o Oriente, e seguir o mesmo caminho – uma intenção que se reitera a cada oportunidade mas que teima em se materializar pouco em coisas concretas: nomeadamente, negócios efectivos e relações sustentadas para os quais a ligação via Macau seja ou tenha sido instrumental.

 

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