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Catarina Domingues – DETOX*

 

DETOX *

 

É mais difícil prestar resistência a uma ideia pela manhã, o corpo está ainda adormecido. Acordei há uns dias a achar que o facebook não fazia sentido, e desativei a minha conta.

 

 

Primeiro dia: ao pequeno-almoço, café pronto, um batido de manga, e fruta do dragão, mais uma colher de mel numa fatia de pão branco, como se cuidar da alimentação pudesse ser consequência de uma nova vida sem facebook. Sentada à mesa, a olhar para a parede, e para uma sala vazia, e com um dia pela frente. Retomo a leitura de Madame Bovary de Flaubert, suspensa há semanas.

Mais tarde, à conversa com um amigo, digo pela primeira vez que saí do facebook, a sério? que se passou?, nada, respondo, não quero ter necessidade de mostrar ao mundo qualquer coisa que pode ficar só para mim, então? mas passou-se alguma coisa?, não, não aconteceu nada, tempo perdido à frente do computador, hm, quero ver quanto tempo aguentas, diz-me. À noite, a conversa da minha saída do facebook repete-se. O tema dá pano para mangas.

 

 

No momento do último click, em que se desativa uma conta de facebook, perguntam se quero deixar mensagens aos meus amigos. João will miss you. Ana will miss you, Sónia will miss you (..) Chantagem emocional.

 

 

Segundo dia: antes de me deitar, pego no telemóvel, como faço sempre. Já me tinha esquecido que tinha saído do facebook, e que me sentia uma pessoa muito melhor. Tenho uma notificação da aplicação do China Daily, qualquer coisa como: “Estereótipos ridículos sobre os indianos”. Desativo as notificações do China Daily, e do South China Morning Post, e da BBC, e do Taobao, e dos níveis de poluição em Pequim. Nunca ninguém teve de me lembrar para ler um jornal, ou para ir ver a temperatura, ou para fazer compras.

 

 

Terceiro dia: Novos argumentos para não abandonares o facebook: é uma agenda cultural, uma agência de notícias, podes mostrar os putos aos avós, publicar os teus artigos, ou manter contacto com os amigos de duas décadas. A propósito, diz-me um amigo, aqui todos escrevem poesia, todos se tornaram fotógrafos, são todos inteligentes e leem jornais internacionais.

 

 

Quarto dia: no trabalho preciso de um contacto para uma entrevista, e tenho esse contacto na minha lista de facebook. Faço três telefonemas sem sucesso, e mudo de entrevistado.

 

 

Quinto dia: Aparece o primeiro manual de autoajuda. A não perder: “Os sete pecados mortais digitais”, um documentário interativo publicado na versão online do jornal britânico The Guardian. O documentário explica como a tecnologia veio trazer uma nova dimensão ao nosso orgulho, luxúria, avareza, gula, inveja, ira e preguiça.

 

 

Sexto dia: Vou escrever uma carta, com lapiseira, e papel pautado, e tentar relembrar como as pessoas costumavam chegar até mim, e como eu costumava chegar às pessoas.

 

Este artigo está disponível em: 繁體中文

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