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Trump tem efeitos positivos

Paulo Rego*

Tenho ouvido inúmeros argumentos em defesa do nacionalismo protecionista de Donald Trump. Mais do que esperaria, confesso; muitos deles até surpreendentes, do ponto de vista do racional e da legitimidade dos interesses norte-americanos. Se não no longo prazo, pelo menos no foco prioritário que é o de recuperar a economia interna. O multilateralismo e a globalização estão em causa; mas também é verdade que, quem defende o entendimento e o respeito pelo outro; em vez de demonizar Trump; ganha mais em compreender a nova realidade e geri-la com inteligência, músculo e realismo. Discordo, em absoluto, desta Casa Branca; por convicção estratégica. Mas ela aí está; e o que se passa ali não se combate com insultos nem lamentos. As crises, dizem os economistas, trazem novas oportunidades. E é nelas que o resto do mundo tem de se focar.

A injeção financeira do Plano Marshall, na Europa do pós-guerra, não foi uma gentileza norte-americana. Pelo contrário, foi um investimento no messianismo imperial. E isso custa mesmo muito dinheiro: nas Nações Unidas e suas agências globais; na NATO, na investigação, no apoio financeiro aos países subdesenvolvidos… só os Estados Unidos podiam – e queriam fazê-lo. A Europa, maior mercado do mundo, recuperou do caos do pós-guerra, mas deixou-se infantilizar pelo paternalismo norte-americano: quem paga manda; e quem queria mandar estava disposto a pagar. Agora não está; quer deixar de pagar e, quiçá, continuar a mandar. E é isso que tem de lhes ser negado.

A China, que quer a globalização – e bem – percebe certamente a oportunidade que Trump abre. Mas isso também tem custos; resta saber se Pequim está em condições de os assumir, secundarizando as suas prioridades internas. O internacionalismo é uma arma de dois bicos; e a China conhece bem essa História. A Armada de Zheng He estava em Madagáscar quando Vasco da Gama atravessou o Cabo da Boa Esperança. Mas recuou, com os eunucos a convencerem os mandarins que a expansão era financeiramente incomportável; e os conflitos medievais internos eram a prioridade da altura. Esse elástico é permanente na China; aliás, viu-se como recentemente encolheu, durante a política de Covid-zero. Pequim quer agora voltar a esticá-lo, e tem para isso o espaço abandonado por Trump. Resta saber até onde quer e pode fazê-lo.

Trump segue os eunucos de Silicon Valley. Quer deixar de pagar o domínio pela via das instituições internacionais clássicas e apostar nas estruturas tecnológicas que potenciem um novo digital, liderado pelos ultraliberais do bitcoin e da fuga fiscal. O império que anuncia é oligárquico; abandona o conceito clássico de Estado Nação. É inevitável que o centralismo comunista se torne um inimigo ideológico. Mas também é verdade que se invertem os rótulos. Se ser conservador é pugnar pela manutenção do status quo; Trump não é isso. Não consigo ver progresso na oligarquia capitalista; mas de facto vem aí um terremoto que vai abanar as estruturas da globalização clássica. É bom que se reinventem os conceitos progressistas; porque os antigos não estão preparados para este novo mundo.

A Europa tem de deixar de se lamentar. Trump é o que é; seguirá a estratégia que o levou ao poder. A democracia é a ditadura da maioria; o pior sistema do mundo – tirando todos os outros, como disse Churchill. Resta agora retaliar; negociar com pulso e coragem, apostar no crescimento próprio e na maturidade; sair da letargia da proteção do tio americano; rever alianças. Trump reaproxima a Europa do Oriente; e isso é bom, porque cura o vício do maniqueísmo. Ou seja; se Trump é assim tão diferente, as outras diferenças deixam de ser demonizadas – passam a ser normalizadas. Trump não é um drama – é o alarme: wake-up call.

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