Os últimos discursos de Xi Jinping; e de Sam Hou Fai, tiveram forte impacto em Macau; lançando um debate decisivo sobre as vantagens do Segundo Sistema, no desenho político do Primeiro. A postura da terra diz muito sobre o novo discurso do céu: são agora muitos os que defendem o contrário do que diziam – e faziam. E torna-se comum o exercício da desconstrução do ceticismo. Mesmo quem gosta do que ouve, duvida do que agora se diz; porque, na verdade, a narrativa surpreende.
A elite política, em Pequim e em Macau, é conservadora, nacionalista – até antiliberal. Não parece ter mudado – antes pelo contrário. Contudo, em vez do patriotismo, e da segurança nacional – que certamente dominam o desígnio pessoal e político – viram agora o discurso para um Segundo Sistema tolerante; multifacetado; e mundividente. Primeiro, estranha-se; depois, entranha-se. Porque faz sentido e tem de ser feito.
Quem percebe que não faz sentido fechar a porta a Ocidente, tem sempre razão. Agora, não antes do tempo;
antes recuperando o tempo perdido
Em política, o futuro encaixa mal na mesma voz do passado; e a sombra que sugava o brilho da cidade híbrida não se ilumina só com discursos. Será mesmo verdade? A verdade é que pode ser… há muitas razões para acreditar. Porque é mesmo preciso um Segundo Sistema que convença Taiwan, pelo menos, a ensaiar negociações; o pós-Covid deixa claro que a China não pode ser potência mundial correndo para dentro, virando costas ao mundo; porque o consumo interno tem rédea curta na economia global… Mas também porque, quem agora recupera a energia do Segundo Sistema, tem no Primeiro poder de sobra para só dizer o que quer – ou mesmo nada dizer – tem até poder para fazer tudo mal – e dizermos que está tudo bem. Manda por isso a razão que, quando o que se ouve o que se quer, faz sentido, e soa bem, não se negue esse discurso. É preciso é adotá-lo, exigi-lo; confrontar quem fizer de conta que não ouviu, ou não sabe o que quer dizer: abrir é o contrário de fechar; tolerar é o contrário de impor. Ponto final – parágrafo.
Deng Xiaoping explicou bem a questão, em mensagem a um mundo de boca aberta com o visionário Segundo Sistema: o Ocidente quer sempre perceber o que a China não diz; com isso perde o foco no que diz. Se o fizesse, sabia o que a China faria. Porque o Primeiro Sistema não tem de dizer; quando diz, é porque vai fazer. A China é um grande petroleiro; não diz ao comandante, à sala das máquinas, e a toda a gente, que ali vai virar à esquerda; e de repente muda tudo e vira à direita. Não é possível.
Quem, há mais de décadas e meia, ouviu a tese da plataforma lusófona, terá tido razão antes do tempo. Mas ela aí está, a bater recordes comerciais; a ganhar influência política; a conquistar adeptos. Quem percebe que não faz sentido fechar a porta a Ocidente, tem sempre razão. Agora, não antes do tempo; antes recuperando o tempo perdido. A voz do poder terá perdido a noção de que deu muitos sinais contraditórios. Ou seja: explicar, com autoridade, que o Primeiro Sistema é que manda; é uma verdade jurídica e política insofismável; mas, de facto, não é verdade que promova o Segundo. Transmite circunstância – não desígnio. A verdade é o Segundo Sistema; só ele é revolucionário. E o Primeiro sabe bem disso.
*Diretor-Geral do PLATAFORMA