Há uma enorme diferença entre os processos de reunificação de Macau e de Hong Kong, firmes e consumados; e o sonho ainda distante de integrar Taiwan no mesmo modelo: “Um País, Dois Sistemas”. Primeiro, porque as regiões administrativas especiais regressam à pátria por direito histórico, incontestável pelas potências coloniais que as ocupavam. Depois, porque se as gerações anteriores em Taiwan admitiam uma reunificação, quando a China voltasse a ser uma república multipartidária; as novas gerações nunca viveram na China continental; são imunes a essa luta política. Querem é o seu estilo de vida, o regime no qual cresceram, e uma autonomia posta em causa pela versão mais conservadora e nacionalista do Segundo Sistema.
É nesse contexto que Macau surge na narrativa de Pequim como exemplo de reunificação. O sucesso económico; a aceitação generalizada da integração, o crescimento na Grande Baía, e a abertura a ocidente, são pontos centrais na narrativa de sedução aos “patriotas” de Taiwan. Percebe-se assim melhor o discurso liberalizante que Xi Jinping teve em Macau, posteriormente clarificado por Chen Binhua, porta-voz do Gabinete dos Assuntos de Taiwan do Conselho de Estado: “Continuaremos a unir a grande maioria dos compatriotas de Taiwan e a explorar ativamente uma solução de Dois Sistemas para a questão de Taiwan, enriquecendo a prática da reunificação pacífica”.
Tudo isto é bom. Para Macau, Taiwan, China, e resto do mundo. Esta linha está a milhas de distância da ameaça de invasão. E indicia que a China estará disposta a deixar que o Segundo Sistema evolua no sentido de convencer Taiwan. Se assim for, abre-se para Macau um horizonte mais próximo da melhor versão do plano de Deng Xiaoping. A questão, daqui a 25 anos, não é saber se Pequim acaba com o Segundo Sistema. A dúvida é saber se, até lá, ele evolui de forma a conquistar o coração dos taiwaneses.
A questão, daqui a 25 anos, não é saber se Pequim acaba com o Segundo Sistema. A dúvida é saber se, até lá, ele evolui de forma a conquistar o coração dos taiwaneses
Só há um Segundo Sistema porque ele decorre do Primeiro – e dele depende. Esta abordagem tem um racional incontornável. Mas também é verdade que, quando o modelo foi desenhado, era suposto o Segundo Sistema ajudar o Primeiro a evoluir; no sentido do reconhecimento internacional e, sobretudo, para aliciar Taiwan. Não era para aliciar Inglaterra e Portugal que, em rigor, aceitaram o que tinham de aceitar. Diga-se, até, num modelo que no desenho era bem melhor do que esperariam.
O que se passou em Hong Kong minou todo o processo. As exigências antinacionalistas provocaram uma reação musculada em Pequim, que impôs uma estratégia de controlo político, com foco total na segurança nacional, subjugando o Segundo Sistema à visão conservadora e nacionalista que emergiu no Primeiro. Sem surpresa. Os falcões do Partido Comunista nunca arriscariam o poder hegemónico, numa qualquer perestroika alimentada pela reunificação.
Seguiram-se proibições e bloqueios a políticos, controlo da mensagem e sobrevalorização da governação patriótica; sinais que afastam Taiwan do Segundo Sistema. Pequim sabe disso; não teria provavelmente seguido esse caminho não fosse sentir a ameaça. A seguir à reação contra o guarda chuva amarelo, a política de Covid-zero criou em toda a China um isolamento inaudito; encapsulando o papel de abertura predestinado às regiões autónomas. A tempestade perfeita formou-se com a parceria estratégica com Putin, em vésperas da invasão da Ucrânia, criando bloqueios a ocidente ainda hoje difíceis de ultrapassar.
O caminho é recuar. Para recuperar a ideia de reunificação pacífica, Macau tem de mostrar as virtudes do Segundo Sistema, na sua melhor versão. Pequim parece retomar esse caminho; e a ofensiva diplomática de reconquista da globalização inclui agora o discurso de tolerância e abertura proferido por Xi Jinping em Macau. É cedo – e difícil – fazê-lo em Hong Kong; mas Macau nunca foi, nem será, problema para Pequim. Está por isso na linha da frente para evoluir de forma a que Taiwan veja até onde é possível ir. Verdade seja dita: muito mais longe do que se foi nos últimos anos. Saiba Pequim percebê-lo – e saiba Macau fazê-lo.
*Diretor-Geral do PLATAFORMA