Início » Milagre ainda sem diversificar

Milagre ainda sem diversificar

Paulo Rego

Nos dois últimos anos, no pós-Covid, a recuperação económica é muito clara: surpreendentemente forte, aparentemente consistente; e, contudo, mal distribuída – ainda concentrada no jogo e no turismo. Na semana do feriado de sete dias do Dia Nacional entraram em Macau quase 1 milhão de viajantes (993.117); uma média de 141.000 por dia, que representa um aumento de 22,9% em relação ao mesmo período de 2023; e supera o volume médio de viajantes em 2019. Os casinos perdem força na narrativa de uma cidade do turismo e lazer, especializada em eventos; contudo, na prática, é o turismo, lato senso, que agarra os números da recuperação económica, tendo os resorts integrados o papel de motor principal.

Nos bastidores da renegociação dos contratos de jogo, mas também nas audições para a escolha do novo Chefe do Executivo, nota-se em Pequim uma evolução na estratégia para a indústria. Tem de diminuir o seu peso; e os vícios políticos e civilizacionais que domina; mas não pode sair de cena. Ou seja; Macau terá de andar a duas velocidades: por um lado, mantendo a exceção de ser a única jurisdição de jogo na China; por outro, encontrando o seu caminho para a diversificação económica. Nunca pareceu viável fazê-lo sem o sustento das fichas; pelo menos no médio prazo, estará agora mesmo fora dos planos retirar o jogo da equação. Resta agora saber como o novo ciclo político gere este equilíbrio; de preferência, reformatando a ideia peregrina e irracional do mandato de Ho Iat Seng, que entregou aos casinos o imperativo da diversificação, mesmo em áreas no mínimo abstrusas; como recuperar bairros antigos.

Os primeiros discursos de Sam Hou Fai indicam haver uma nova consciência política na Praia Grande: a recuperação económica de curto prazo, baseada na indústria do jogo, e seus fornecedores, deixou de fora aqueles que agora têm de ser incluídos: as elites investidoras, retraídas por um ambiente político e económico adverso; sem as quais não se faz a diversificação económica, nem a integração na Grande Baía; mas sobretudo a classe média, que sofreu a falência de muitas pequenas e médias empresas, de dimensão familiar, à medida que o consumo se voltava a concentrar nos casinos, nos centros turísticos… e, mais recentemente, do outro lado da fronteira.

Mais do que uma crise económica, escondida por força do crescimento do PIB, estão em causa altos índices de descontentamento e riscos de rutura social. Será este o primeiro grande desafio do novo Chefe do Executivo: integração regional, com diversificação económica, e capacidade para transmitir energia de futuro para quem não depende da Função Pública e dos casinos.

A melhor notícia de todas é já oficial, pelo menos no plano das intenções: Sam Hou Fai anuncia planos de investimento na diversificação económica e apoio às pequenas e médias empresas; reconhecendo, inclusivamente, que pode ser esse o verdadeiro papel estratégico da reserva financeira. O debate ideológico em torno deste dilema é potencialmente infinito. Mas, entre prós e contras, penso que Sam Hou Fai tem nesta altura razão. Mais vale investir parte da reserva estratégica na promoção de um futuro sustentável, e de crescimento, do que guardá-la para a gastar quando tudo estiver a correr mal. Esperemos que algumas destas ideias positivas sejam implementadas rápida e eficazmente. Mas também que haja debate, reflexão, transparência e competência neste movimento.

*Diretor-Geral do PLATAFORMA

Tags:

Contate-nos

Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

Newsletter

Subscreva a Newsletter Plataforma para se manter a par de tudo!