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Negócios têm de se “renovar” com “apoio do Governo” para sobreviver à integração regional

Governo aliou-se a associações comerciais e concessionárias para tentar contrariar a queda do consumo nas zonas residenciais, mas o modelo é considerado “insustentável” pelo deputado Pereira Coutinho. Agnes Lam, diretora do Centro de Estudos de Macau da Universidade de Macau, e Henry Lei, economista, dizem que a conversão digital destes negócios é inevitável, para que a localização deixe de ser barreira à sobrevivência

Guilherme Rego

Não é um problema de hoje, mas tornou-se mais grave no último ano, quando os residentes começaram a poder ir a Zhuhai com o seu próprio carro. As queixas têm-se acumulado, sobretudo nas áreas residenciais, onde a queda do volume de negócios tem obrigado muitos a fechar portas.

O Governo reconhece o problema, e tem iniciado várias campanhas para estimular o “regresso” dos residentes e “estender” a atratividade turística da cidade a estes locais. Exemplos disso são iniciativas como o Iluminar Macau 2023, que entre dezembro e fevereiro deste ano trouxe instalações luminosas a vários dos bairros em dificuldades; ou o Grande Prémio de consumo na Zona Norte, que até agosto oferece uma série de descontos em 480 lojas, com direito a prémios.

Para Agnes Lam, diretora do Centro de Estudos de Macau, “é preciso reduzir a necessidade de intervenção constante para estimular o consumo”. Henry Lei, economista, explica: “Assim que estas promoções acabarem, os residentes voltam a considerar os preços mais baixos, maior oferta e talvez até qualidade dos serviços no Continente”. Como resultado de um plano sem visão a longo prazo, “mais e mais empresas vão fechar, e as de maior dimensão também”, vaticina o deputado Pereira Coutinho.

Não significa necessariamente igualar os preços [a Zhuhai], mas sim oferecer experiências únicas e de alta qualidade que agradem tanto aos turistas como aos residentes

Agnes Lam, diretora do Centro de Estudos de Macau

Localização

Um dos grandes problemas destas empresas é a localização: zonas de baixo consumo e longe do foco turístico. “O axioma tradicional – ‘localização, localização, localização’ – embora ainda relevante, pode ser redefinido no contexto do comportamento do consumidor e da fidelidade à marca”, começa por explicar Agnes Lam.

A académica dá o exemplo do restaurante Fernando, em Hác Sá, que “ultrapassa as limitações de uma localização menos que ideal”, por oferecer “um produto insubstituível”. Por isso, acredita ser essencial aproveitar “a designação de Macau como Cidade Criativa da UNESCO em Gastronomia”. Trata-se de “criar um ambiente em que a atração pela qualidade, autenticidade e significado cultural faça com que os preços ligeiramente mais elevados pareçam justificáveis e até desejáveis”.

Por outro lado, Henry Lei sublinha o poder das ferramentas digitais para deixar de depender dos consumidores que residem no local. “No contexto da economia digital mais alargada, a localização desempenha um papel diferente. A conetividade digital pode colmatar o fosso entre a localização física e a presença no mercado”, acrescenta Agnes.

Não há retorno na integração entre Macau e as outras cidades da Grande Baía. As empresas devem esperar mais concorrência, menores margens de lucro e clientes mais exigentes no futuro
Henry Lei, economista

Discriminação positiva

É necessário também incentivar as lojas a manterem-se ou mudarem para as zonas residenciais, estimulando o ambiente económico e tornando o local mais atrativo. Tanto Agnes Lam como Pereira Coutinho sugerem que o Governo implemente isenções fiscais para as empresas. “Há uma série de medidas administrativas e fiscais que o Governo pode explorar”, atenta Pereira Coutinho. “Tem que ser cirúrgico e não é difícil de fazer, uma vez que Macau está dividida em 18 zonas e por freguesias. Portanto, basta dizer, freguesia de Santo António, freguesia de São Lázaro e por aí fora. Ou então seguir o Plano Director, em que se consegue identificar as zonas que seriam beneficiadas por apoios diretos do Governo.”

“As autoridades já oferecem deduções fiscais às PME locais, o que se pode considerar como uma generosidade, já que são os juros mais baixos da Grande Baía”, aponta Henry Lei. “Na minha opinião, o apoio transitório do Governo no financiamento de campanhas promocionais e subsídios para oferecer descontos aos consumidores é altamente justificado. No entanto, chegou a altura de as PME pensarem em como se renovar; reformular a sua estratégia empresarial para fazer face ao ambiente económico pós-pandémico, em vez de só pedirem maior proteção ou apoios diretos ao Governo”.

Sustentabilidade a longo prazo

Para o modelo de negócio se tornar sustentável, Agnes defende o desenvolvimento da proposta de valor. “Não significa necessariamente igualar os preços [a Zhuhai], mas sim oferecer experiências únicas e de alta qualidade que agradem tanto aos turistas como aos residentes”. Como? “Desde aplicações que oferecem recomendações gastronómicas personalizadas, a plataformas que agilizam as cadeias de abastecimento, as soluções tecnológicas podem reduzir custos e melhorar a eficiência, permitindo que as empresas de Macau concorram de forma mais eficaz, sem dependerem apenas de reduções de preços”. As “experiências únicas” a que se refere, “são a pedra angular” para valorizar o negócio e resistir à pressão da concorrência regional. “Ao fundir as ofertas com a rica tapeçaria cultural e história de Macau, podem criar experiências insubstituíveis e cativantes tanto para os residentes como para os turistas.”

Talvez num futuro próximo poderá não haver espaço para determinados negócios nas zonas residenciais
Pereira Coutinho, deputado

Residentes vs turistas

Apesar das soluções apresentadas, os entrevistados consideram importante identificar o consumidor alvo: turista ou residente. Pereira Coutinho não crê que os residentes voltem a consumir ao nível de outrora, portanto sugere uma aposta mais forte no turista. “Tentar desviá-los para as zonas menos turísticas, mas tornando-as atrativas, devido às atividades económicas, nomeadamente pequenos restaurantes com cozinha particular e de estilo familiar, bem como outros. Sugeri numa interpelação escrita recente criar cupões de consumo para comidas e bebidas nas zonas menos turísticas, com o Governo a desenhar a rota. É um ponto de partida para os turistas hospedados nas seis concessionárias terem direito aos cupões e haver sustentabilidade a médio, talvez longo prazo, uma vez que estaria dependente do volume de negócio das seis concessionárias. É uma forma de contornar a sangria de pessoas que semanalmente saem de Macau.”
Segundo Henry Lei, as empresas podem criar uma estratégia que atenda ambos os tipos de consumidores. “O foco pode ser diferente durante a semana, para os residentes, e ao fim-de-semana, para os turistas”.

Futuro contraído

Todos concordam que o esforço de conversão dos negócios não vai ser fácil para muitas das empresas. Muitas acabarão por fechar devido à concorrência regional. “Não há retorno na integração entre Macau e as outras cidades da Grande Baía. As empresas devem esperar mais concorrência, menores margens de lucro e clientes mais exigentes no futuro. Em certa medida, o mercado para as lojas dos bairros tradicionais vai contrair”, assevera Lei.

“Talvez num futuro próximo poderá não haver espaço para determinados negócios nas zonas residenciais”, prevê Pereira Coutinho. “Tem que haver uma discriminação positiva a favor das zonas mais afetadas com a maior mobilidade” na Grande Baía, reitera.

Para Agnes, quem “não possuir uma identidade distintiva de Macau corre o risco de ser ultrapassado” por concorrentes que oferecem mais conveniência, qualidade e melhores preços. “Num mercado em rápida evolução, a diferenciação é a chave para a sobrevivência e crescimento. Quem não conseguir incorporar nas suas ofertas os elementos culturais e experiências características do seu local poderá ter dificuldades em manter a sua relevância no futuro.”

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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