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Preços “absurdos” do vidro geram revolta na indústria das bebidas

Dinheiro Vivo

Cerveja e vinho falam em aumentos acima de 55% que “põem em causa a sustentabilidade” das PME. Há quem ameace com queixas à Autoridade da Concorrência.

Afalta de vidro e os preços “absurdos” a que as garrafas estão a ser vendidas está a gerar “grande descontentamento” na indústria das bebidas, que aponta como “incompreensíveis” os aumentos realizados face à descida dos custos energéticos para níveis de 2021. A Associação de Vinhos e Espirituosas de Portugal (ACIBEV) escreveu à sua congénere dos vidreiros, a AIVE, alertando para o “forte impacto” que isto está a ter na situação financeira das empresas, e prometendo recorrer aos meios legais ao seu alcance. Já a Associação dos Comerciantes e Exportadores de Vinhos e Bebidas Espirituosas (ANCEVE) fala numa “guerra desproporcional” e pede que o primeiro-ministro intermedeie uma reunião da fileira. Os Cervejeiros de Portugal alertam que todos estão a ser prejudicados, incluindo os consumidores.

A subida dos custos das matérias-primas e subsidiárias foi uma das grandes preocupações das empresas em 2022, mas mantém-se em 2023, pelo menos em algumas áreas, como as embalagens de vidro, com garrafas que custam hoje mais do dobro face a 2021. Em termos médios, o setor do vinho fala em acréscimos em média acima dos 55% e em novos aumentos no final de 2022 e início de 2023 de mais 20 a 40%, numa altura em que os custos energéticos retrocederam já para níveis de 2021. “São aumentos incompreensíveis e sem qualquer justificação objetiva”, diz a ACIBEV, que alerta para o risco que comportam para a sustentabilidade das empresas, muitas delas de pequena e média dimensão.

A diretora executiva da associação, fala mesmo em risco de encerramentos. E lembra que, se as empresas se virem obrigadas a encontrar “soluções alternativas de embalamento”, o setor vidreiro irá ressentir-se. “A mensagem que queremos passar é que não podem pensar em ganhar tudo de uma vez, e os relatórios financeiros dos fabricantes de vidro, que registaram um forte crescimento dos lucros, são públicos. Deveriam ser mais contidos no que estão a ganhar agora e pensarem que a sustentabilidade dos produtores de vinho é importante para a própria sustentabilidade do setor do vidro”, sublinha Ana Isabel Alves.

Questionada sobre a que meios legais poderá o setor recorrer, esta responsável remete a questão para uma avaliação futura. Ana Isabel Alves diz que não recebeu qualquer resposta da associação à carta enviada, mas que “algumas empresas começaram a receber cartas a informar qu os preços iam baixar em 5%”, um valor “completamente ridícilo face ao brutal aumento” verificado até ao momento.

O presidente da ANCEVE corrobora a informação da descida de 5% nos preços, mas considera-a também “manifestamente insuficiente”. Para Paulo Amorim,a situação terá de ser intermediada pelo primeiro ministro, ja que a ministra da Agricultura “não tem a confiança política e institucional do setor”. Sem resposta de António Costa, a ANCEVE vira-se, agora, para a Assembleia da República. Paulo Amorim reuniu esta semana c om o deputado socialista Pedro do Carmo, que preside à Comissão Parlamentar de Agricultura e Pescas e vai enviar um pedido oficial para um reunião com todos os grupos parlamentares.

O objetivo é que seja encontrado um “acordo justo que proteja os interesses” dos pequenos e médios viticultores. “Além dos aumentos e de nos terem imputado taxas de energia e taxas de transpore e de exigirem pagamentos antecipados mesmo aos cumpridores, quando um produtor pede mais garrafas do que o habitual, as empresas invocam o seu histórico anterior para recusar. Assim não se conseguem captar novos clientes. Isto “corta completamente as pernas” a um setor que estava a ter um a performance muito interessante a nível exportador”, garante Paulo Amorim. Recorde-se que as exportações de vinho atingiram um valor recorde de 941 milhões em 2022, mas que já se admite que a meta dos mil milhões para 2023 está “muito comprometida”. Para lá chegar, o setor teria que crescer acima dos 6,2% este ano; nos primeiros dois meses as exportações caíram 2,9%.

Também as cervejas criticam duramente a indústria vidreira. O secretário geral da associação Cervejeiros de Portugal fala igualmente em “aumentos brutais” que têm obrigado a indústria a uma “esforço de contenção enorme” para não prejudicar os consumidores. “Os preços da energia têm baixado de forma consistente nos últimos meses, seria mais lógico que a indústria vidreira ajustasse os seus preços em baixa, até para ter em linha de conta os fortes apoios públicos que recebeu quando houve a subida dos preços da energia”, sublinha Francisco Gírio.

Mais moderada, a Federação das Indústrias Portuguesas AgroAlimentares (FIPA) diz que a pandemia e a guerra deixaram “um rasto de consequências” que vão demorar a desaparecer. Até porque, salienta o presidente, Jorge Henriques, “a estabilização em baixa no mercado spot da energia só se irá refletir na vida das empresas algures no segundo semestre, quando forem feitos novos contratos”.

Mesmo assim, não falta quem, em surdina, fale em situações de concertação e ameace com queixas à Autoridade da Concorrência, dado que o setor vidreiro é hoje constituído, na Península Ibérica, por três empresas apenas, mas com seis fábricas e 16 fornos, que produzem 16 milhões de garrafas, frascos e boiões ao dia.

A Associação dos Industriais de Vidro de Embalagem justifica a incapacidade de fornecer dados estatísticos do setor “que não firam as regras da Concorrência” precisamente com o facto de haver apenas três players no mercado. A secretária-geral da associação, lembra que, com a pandemia, se assistiu a um “boom do crescimento da procura de vidro para embalar” alimentos e bebidas, situação agravada pela guerra, que obrigou a “refletirem nos clientes os exagerados custos energéticos” com que se viram confrontadas.

Beatriz Freitas lembra que este é um setor com especificidades muito próprias, já que um forno de vidro labora 24 sobre 24 horas, 365 dias por ano. “Ao contrário de outros setores, que produzem à medida encomendas dos clientes, uma vidreira está muitas vezes a produzir para stocks. Com a pandemia, e a guerra, as empresas estes desapareceram por completo e o mercado teve que ser abastecido com a produção do imediato”, explica.

E acrescenta: “Agora, as empresas já estão outra vez a produzir para stocks, pelo que a falta de garrafas tem tendência a estabilizar”.

E os preços também. “A normalização em termos de energia vai também acabar por ser refletida nos preços. Quanto tempo vai demorar não sei, até porque cada um dos nossos associados adequa as suas necessidades de acréscimo de produção ao relacionamento comercial que tem com os seus clientes e à estratégia que tem estabelecida”, sublinha.

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