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“As liberdades fundamentais continuam a ser respeitadas”

Guilherme Rego

Membros da Associação dos Advogados de Macau garantem que os direitos fundamentais dos residentes continuam a ser respeitados. Reconhecem as dificuldades adjacentes ao domínio da língua chinesa nos tribunais, mas defendem que o uso do português como língua oficial apresenta mais oportunidades que obstáculos

São três os membros da Associação dos Advogados de Macau que enviaram declarações ao PLATAFORMA no âmbito da visita do Chefe do Executivo a Portugal. Tanto Vong Hin Fai, presidente da direção, como Álvaro Rodrigues, membro da direção, e Oriana Inácio Pun, secretária-geral, defendem que esta deslocação “irá estreitar o intercâmbio e a cooperação entre Macau e Portugal”.

Vong Hin Fai espera que o Executivo consiga explicar a Portugal o “sucesso” da política “Um País, Dois Sistemas”, que na sua opinião permitiu “um avanço enorme” nas áreas de desenvolvimento social e económico, “com melhorias sucessivas” para os residentes.

Álvaro Rodrigues, que chegou a Macau nos anos 90, “na reta final da administração portuguesa”, olha em retrospetiva para a Declaração Conjunta Sino-Portuguesa como “um tratado amplamente respeitado” pela China e por Portugal.

O acordo foi estabelecido a 13 de abril de 1987, e prevê que após a transferência de soberania, em 1999, seriam mantidos os direitos, liberdades e garantias durante um período de 50 anos.

Nos 23 anos de existência da Lei Básica de Macau, comenta que a China “tem respeitado” o compromisso com Portugal, embora “com alguns incidentes pelo meio”.

“Em Macau, as liberdades fundamentais continuam a ser respeitadas e, se alguns direitos foram em determinada ocasião restringidos em função de outros direitos fundamentais, isso também acontece nas sociedades democráticas ocidentais, como aconteceu em Portugal durante a pandemia com a restrição de direitos fundamentais de liberdade de deslocação entre concelhos face a uma questão de saúde pública”, indica.

Refere também que “os princípios basilares que presidiram à constituição da RAEM estão plasmados na Lei Básica, uma lei da Assembleia Popular Nacional”, acrescentando que “não podemos querer que tudo se mantivesse como estava antes de 1999 e a transição nada fosse além da mudança de uma bandeira por outra”.

Preocupações com transição

O Chefe do Executivo de Macau, Ho Iat Seng, garantiu esta terça-feira, à partida para Portugal, que o acordo resultante de transferência de soberania tem sido “cumprido escrupulosamente” e que “não houve qualquer mudança” no que toca ao respeito pela Declaração Conjunta.

A Assembleia Legislativa de Macau está a discutir uma revisão da Lei de Segurança Nacional, que pretende punir crimes cometidos no exterior, abrangendo não apenas residentes, trabalhadores migrantes e turistas em Macau, mas também estrangeiros.

Questionado pelos jornalistas sobre o impacto desta revisão, Ho Iat Seng lembrou que não houve qualquer acusação ao abrigo da atual lei, aprovada em 2009, que passou a incluir no Código Penal os crimes de traição, secessão, sedição e subversão. “Viram algum impedimento ou restrição à liberdade humana?” perguntou.

Numa entrevista à Lusa, o advogado português Jorge Menezes, residente de Macau, disse que a China não está a cumprir o acordo, face à “violação de direitos fundamentais” dos residentes.

Também a eurodeputada Isabel Santos disse à Lusa que “nos últimos anos tem havido uma progressão no sentido de limitar cada vez mais os direitos e liberdades dos cidadãos” da RAEM.

Em resposta, Ho Iat Seng disse que o facto de um residente de Macau poder proferir esses comentários são “a prova de que Macau é uma sociedade dotada de liberdades”. Álvaro Rodrigues defende que os residentes estrangeiros em Macau continuam “a ser acarinhados e respeitados”.

E o que mudou, “mudou para todos” os que vivem e sentem Macau.

“Não perceber a nova realidade que é vivida na RAEM é o início da estrada do descontentamento e da frustração”, assegurando que há respeito pela independência dos advogados e juízes.

Sobre a conduta das autoridades locais, assinala que “os protestos são aceites e ouvidos, as opiniões consideradas e os erros aproveitados para melhorar”. Embora a nível penal identifique situações que “se afastem por vezes da matriz que enforma o nosso Direito”, defende que estas não podem dar azo “a generalizações e a afirmar que a Lei Básica não tem sido respeitada”.

Oriana Inácio Pun explica que quando os residentes entendem que os seus direitos e liberdades tenham sido violados, estes dispõem de mecanismos de reação. “Tudo isto permite o bem-estar de todos os residentes de Macau, inclusive os macaenses e estrangeiros que aqui residem.”

Vong Hin Fai reforça a questão: “Os residentes gozam de diversas formas de proteção no exercício dos seus direitos fundamentais consagrados na Lei Básica, nomeadamente a não retroatividade da lei penal, presunção de inocência e acesso ao direito e à justiça. E, as disposições do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais aplicáveis a Macau continuam a vigorar e são positivadas através de leis da RAEM.”

Duas línguas oficiais é uma vantagem

Álvaro Rodrigues sente que a predominância da língua chinesa no sistema jurídico é “o reflexo natural da evolução de uma sociedade com as características da nossa”. O advogado lamenta as “dificuldades” que isso apresenta, com algumas decisões apenas expressas em língua chinesa. Porém, diz que o inverso também acontece com os seus colegas chineses.

Pun diz que como a maioria dos magistrados, funcionários judiciais e cidadãos dominam a língua chinesa, “é natural que se utilize mais o chinês” nos tribunais. Contudo, “não significa que deixou de se usar a língua portuguesa na prática judicial: os julgamentos continuam a ser realizados nas línguas chinesa e portuguesa, e qualquer advogado pode apresentar os requerimentos ou apresentar documentos em ambas as línguas.”

A advogada acredita que o uso do português constitui “uma vantagem, não uma barreira”, sobretudo quando se fala da integração regional e Macau como plataforma sino-lusófona. “Já temos advogados chineses qualificados como advogados da Grande Baía (…). Quanto aos advogados portugueses, por seu turno, podem praticar (…) nos escritórios de advogados da Grande Baía a título de consultor jurídico de direito estrangeiro.”

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