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A China a chamar por nós

Afonso CamõesAfonso Camões*


A sabedoria confuciana ensina que a melhor porta fechada é aquela que se pode deixar aberta. E Macau é um exemplo. Fechado em 1999 o ciclo de mais de quatro séculos de administração portuguesa, o governo do pequeno território que integra a Grande Baía no Delta do Rio das Pérolas, onde moram algumas das maiores empresas de inovação e tecnologia do mundo, vem lembrar Portugal da centralidade de Macau nas nossas relações com a China e desta com o mundo de língua portuguesa.

À frente da maior delegação de sempre, o chefe do executivo de Macau desembarca em Lisboa, naquela que é, por escolha própria, a sua primeira viagem ao estrangeiro. Com Ho Iat Seng – em funções há pouco mais de três anos, mas condicionado pelas restrições da pandemia – vêm mais de 50 empresários que acreditam na importância da língua e da cultura portuguesas como fator diferenciador e com uma vantagem competitiva de Macau relativamente a outras regiões da China.

Não por acaso, a imprensa de Macau titula “Trazer Portugal de volta”, quando se assinalam os 36 anos da assinatura da Declaração Conjunta Luso-Chinesa, o tratado internacional que fixa por 50 anos os termos do compromisso de manter ali o quadro legal de matriz portuguesa, assegurando a singularidade cultural bem como os direitos e liberdades fundamentais dos seus cidadãos, o português como segunda língua oficial, e conferindo ao BNU (100% da Caixa Geral de Depósitos) o papel de banco emissor da moeda local, a pataca.

A meio caminho do prazo daquele compromisso, as partes nunca fizeram uso do livro de reclamações. Acresce que Macau, num dos vértices da Grande Baía, juntamente com Hong Kong e mais nove cidades da província de Guangdong (Cantão), integra o projeto de “Novas Rotas da Seda”, o audacioso plano de expansão económica, inspirado nas antigas caravanas de mercadorias entre a Europa e a Ásia, que Pequim transformou na sua mais alta prioridade de comércio externo: uma colossal rede de infraestruturas e conexões, de transportes e intercâmbio que liguem mais a China ao resto do mundo. No mesmo passo, e reconhecendo a Macau a vocação de polo de turismo e lazer, Pequim confere àquele território um papel central como plataforma de intercâmbio entre a China e os países de língua portuguesa, objetivo que revela uma clara dimensão económica e geopolítica, dados os interesses chineses no Brasil e, sobretudo, na África lusófona.

Sim, a invasão russa da Ucrânia e a posição chinesa perante o conflito esfriaram as relações entre Bruxelas e Pequim. Mas a União Europeia, que nunca foi muito rápida, só tem de ser mais astuta. Segunda maior economia planetária, com uma influência crescente e uma afirmação acentuada nos planos estratégico e militar, a China é cada vez mais um ator global com capacidade não apenas para influenciar a evolução da guerra, mas sobretudo para ter um papel central no desenho dos novos contornos políticos, económicos e estratégicos do mundo pós-conflito. Neste contexto, é essencial não esquecer que a China já ultrapassou os Estados Unidos como o primeiro parceiro comercial da União Europeia. E, da nossa parte, apesar da crescente tendência da diplomacia portuguesa em seguir as diretrizes de Bruxelas, Macau deverá continuar a marcar a singularidade portuguesa e uma relação única de iniciada em 1516. Sim, somos aliados dos Estados Unidos, mas amigos da China, com quem mantemos uma relação de confiança fundada em séculos de convivência. Quanto às relações comerciais, só temos de lembrar-lhes o seu próprio provérbio: Se o vento sopra de uma única direção, a árvore cresce inclinada.

Secretário-geral da Global Media Group*

Artigo originalmente publicado no Diário de Notícias**

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