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Solução para o antigo Tribunal de Macau chega 20 anos depois

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O Edifício do Antigo Tribunal terá novo inquilino, fechando um capítulo de parcial abandono da propriedade pública. Foram precisos 20 anos para se arranjar solução, expondo as fragilidades do processo de consulta pública e de planeamento das autoridades

Construído em 1951, o Antigo Tribunal serviu inicialmente como escritório para vários departamentos governamentais, incluindo os de Finanças, Assuntos Civis e o Económico. Por essa razão passou até a ser chamado de “Edifício dos Gabinetes do Governo”. Está no centro da cidade, tem três andares, um estilo eclético, e quatro robustas colunas jónicas que simbolizam a autoridade do Governo.

O problema surge em 2003, quando o seu ocupante, o Tribunal de Primeira Instância, muda-se para o N.A.P.E, precisamente para abrir o espaço ao público. Já em 2002, o então Chefe do Executivo, Edmund Ho, apresentara um plano para criar uma biblioteca multifuncional.

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O Instituto Cultural, responsável pelo empreendimento, delegou a tarefa a um Grupo de Trabalho composto por bibliotecários. Porém, só em 2007 houve desenvolvimentos, quando Lau Ioc Ip, na altura diretora dos Serviços de Finanças, entregou os direitos de exploração do Antigo Tribunal ao Instituto Cultural que, um dia depois, anunciou a reconversão do edifício para a Nova Biblioteca Central.

Acontece que no concurso público para desenhar a biblioteca, em 2008, o primeiro e segundo prémios foram atribuídos à mesma afirma de arquitetura. Na altura, o Comissariado contra a Corrupção indicou que “durante a aquisição de produtos ou serviços em forma de concurso, deve ser estabelecido um mecanismo específico prévio, visando revelar as informações de interesse a todos os potenciais concorrentes para impossibilitar que alguém se coloque em vantagem por posse de informação”.

Nos 15 anos que se seguiram a esse episódio, várias consultas públicas, concursos e outros procedimentos tentaram dar resposta ao futuro da biblioteca e do edifício. Contudo, foi um esforço que não produziu efeitos até há relativamente pouco tempo, quando finalmente foi anunciado o destino do Antigo Tribunal.

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A requalificação do edifício foi anunciada a 14 de outubro deste ano pela Direcção dos Serviços de Obras Públicas.

O novo inquilino não vai ser a nova Biblioteca Central, mas sim o Tribunal de Última Instância. As autoridades prometeram que a estrutura original será preservada e o seu interior reorganizado para diversas finalidades. A fachada da ala leste – que pertencia às antigas instalações da Polícia Judiciária – será mantida, mas o restante será demolido para construir um novo edifício com uma cave e três pisos. Cerca de 20 anos depois, quatro governos e cinco secretários para os Assuntos Sociais e Cultura, o futuro do Antigo Tribunal parece estar decidido.

DE TRÁS PARA A FRENTE

António Ng, antigo membro da Assembleia Legislativa de Macau, diz ao PLATAFORMA que nos últimos anos apelou para que os edifícios da Polícia Judiciária e do Antigo Tribunal fossem convertidos em escritórios públicos, nomeadamente para a Secretaria para a Economia e Finanças e Gabinete do Secretário para os Transportes.

O objetivo seria reduzir os gastos anuais das finanças públicas no arrendamento de escritórios privados. Contudo, o antigo deputado lamenta que as autoridades tenham repetidamente evitado abordar o tema, com a Direcção dos Serviços de Finanças a afirmar no ano passado que iria “considerar” essa proposta. António Ng acredita que a propriedade tem valor, já que é perto do centro da cidade, e que o seu ‘abandono’ prolongado prejudica a imagem do Governo.

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Durante o processo de consulta do planeamento urbanístico, em 2012, o Tribunal de Última Instância foi inserido na Zona B, um distrito que concentraria maioritariamente edifícios do foro público e tribunais. Plano esse que também acabou por não seguir em frente. Segundo o urbanista Rhino Lam, como o Tribunal é da esfera do Ministério da Justiça e não é utilizado frequentemente pelo grande público, deve estabelecer-se num local sereno e seguro, mas que não seja demasiado remoto.

Assim, não haveria o problema de localizar o Tribunal numa zona designada para edifícios governamentais ou comerciais. Por isso, questiona se a decisão final reflete a opinião pública de acordo com os mecanismos da consulta.

O urbanista salienta que, sendo o Antigo Tribunal património cultural, desde que se conserve a sua estrutura arquitetónica original, não vê nada que impeça o seu uso por parte Tribunal de Última Instância. O problema é que, durante as últimas consultas, notou várias mu- danças no processo do concurso público.

O povo deu sugestões, mas estas não foram implementadas pelo Governo. Rhino Lam expõe o dilema: “A oposição da população não impede que algo aconteça, mas a falta de oposição também não garante que algo seja implementado”.

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Na sua opinião, isso “leva a que o público perca o interesse e confiança nas consultas públicas do Governo”.

“Parece que o mecanismo para a revitalização arquitetónica ainda não está completamente desenvolvido. Apesar de nos últimos anos o Instituto Cultural ter designado edifícios protegidos para usufruto de organizações, parece existir muita controvérsia à volta do planeamento, apoio e avaliação destas organizações. Quanto maior for o envolvimento público, maior a probabilidade do resultado estar longe do que o Governo previa”, remata.

A oposição da população não impede que algo aconteça, mas a falta de oposição também não garante que algo seja implementado. Isso leva a que o público perca confiança e interesse nas consulta públicas“, Rhino Lam, urbanista

“Só um Governo tolerante e com capacidade de coordenação consegue aceitar que o resultado não seja o esperado e que a população exija outra resposta. Porém, quando existe uma oposição forte, o Governo acaba por não procurar uma nova solução e avança com o plano”, lamenta.

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Enquanto não se decidia a finalidade do Antigo Tribunal, o edifício passou a ser utilizado para exposições artísticas e eventos culturais, no rés-do-chão; e de teatro no primeiro andar. Uma situação temporária, mas que é conveniente e flexível, ganhando popularidade entre a comunidade das artes, que promove espetáculos todas as semanas. Citaera uma das artistas que utilizava o espaço, contudo, “a primeira reação à reconversão do Antigo Tribunal é que vai haver menos espaço para atividades e produções culturais”, lamenta ao PLATAFORMA.

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