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De que está a língua portuguesa à espera?

Catarina Brites SoaresCatarina Brites Soares

Autores não entendem e por isso criaram a União Europeia de Escritores de Língua Portuguesa. A UEELP defende que uma das respostas está na Literatura. Maria José Chotil, presidente da associação recém-criada em Paris, sublinha que é preciso quebrar a hegemonia inglesa e francesa, e recorda que há um argumento de peso para que a língua portuguesa se imponha: os mais de 290 milhões falantes da língua

A Europa é por enquanto o campo de batalha. Mas não estão de parte outros horizontes, incluindo Macau que também faz parte da Lusofonia que a União Europeia de Escritores de Língua Portuguesa (UEELP) tem como prioridade. Neste caso, a que se expressa através da literatura.

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“Queremos promover na Europa as literaturas de expressão portuguesa. Segundo as estatísticas, somos mais de 290 milhões de falantes no mundo. Com certeza, o inglês é falado por cerca de 1,3 mil milhões de pessoas, mas se colocarmos em evidência as traduções aqui em França, por exemplo, o número de textos em português é insignificante em relação às traduções da literatura de língua inglesa”, sublinha a presidente da UEELP.

A língua portuguesa está entre as cinco línguas maternas mais faladas no mundo e as cinco mais utilizadas na internet. É falada por mais de 290 milhões, de acordo com o Banco Mundial sobre a população dos Estados-membros que integram a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP): Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Timor-Leste, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.

Maria José Chotil

Maria José Chotil, que reside em Paris, realça que em geral o mercado é dominado por grandes editores de países anglófonos e empresas importantes. “Inclusive cotadas em bolsa de valores e com estratégias de lucro. A literatura de língua inglesa tem empresas multinacionais com estratégias mundiais e as editoras de língua portuguesa não têm a mesma importância no mercado”, constata a escritora.

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Ilustra com o caso da Companhia das Letras, um dos maiores grupos de edição brasileiro, comprada pela norte-americana Penguin Random House. “Isso tem uma influência no momento de publicar. Vão estar mais preocupadas em publicar obras que se saíram bem noutros países”, alerta.

Para contrabalançar, frisa, é preciso muito trabalho, ter estratégias de comunicação e investimento por partes de entidades que devem defender a língua portuguesa. Uma das sugestões que deixa é mais programas de financiamento de traduções financiados pelos governos.

“E mais importantes que os existentes”, critica.

“O Brasil tem o Programa de Apoio à Tradução e à Publicação de Autores Brasileiros no Exterior. Em agosto, tinha contemplado 17 projetos de tradução na sua primeira seleção do ano de 2022 para o mundo todo. É muito pouco”, lamenta. Há mais outro exemplo que acredita comprovar a negligência. “Nestes últimos anos, o Brasil não esteve presente no Salão do Livro de Paris”, realça.

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“Os sindicatos e associações ligadas ao livro também podem ter uma participação mais consistente nesse esforço de veicular a nossa literatura”. Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Brasil, Portugal, Guiné-Equatorial, Timor Leste e Macau. São vários os países e regiões que compõem essa ideia de território simbólico que tem por base uma língua e história partilhadas. Mas, a união continua aquém no que se refere a resultados, defende Chotil. A escritora e jornalista realça que é preciso muito trabalho e visão para fazer face a mercados estruturados como o da língua inglesa e francesa.

“Talvez as instituições dos países lusófonos ainda não se tenham dado conta do que podem fazer para mostrar o que a literatura lusófona pode oferecer”, releva a autora de “Kaowá e Terena”, “Mon enfance dans le Mato Grosso” e “Ouvrières chez Bidermann”, entre outras obras.

“Esses países precisam de pensar que devem investir na comunicação dessa literatura porque podem ter retorno económico significativo como no que respeita ao turismo, pagamento de direitos autorais e exportação de produtos locais”

MACAU DE FORA, MAS POR ENQUANTO

A união, fundada por um grupo de escritores lusófonos que vivem fora dos países de origem, quer combater dificuldades e dar o máximo de visibilidade às obras literárias lusófonas. A ideia passa por criar sinergias entre os vários agentes do meio literário. A responsável garante que todos serão envolvidos: escritores, tradutores, bibliotecas, editoras, livreiros, jornalistas e professores.

“Pensamos que se trata de um trabalho coletivo, que muitas vezes esses agentes precisam trabalhar em conjunto. É preciso estabelecer ligações”, reforça.

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Uma das frentes que considera necessárias é o apoio a editores na tradução e distribuição das obras de forma colocá-los no mercado; fazer com que livrarias destaquem publicações em português; e a organização de mais encontros literários com a presença de autores.

“Ou seja, que toda a cadeia seja sustentada e trabalhe em conjunto”, salienta.

Os eventos destinados ao público serão uma prioridade.

A festa literária agendada para 10 de dezembro, na capital francesa, será o primeiro. “Pretende-se, assim, mostrar ao público e aos vários agentes culturais não lusófonos a riqueza de uma língua pluricontinental e a diversidade das suas literaturas, que ocupam espaços reais e imaginários, desde a Amazónia ao Mar de Timor, do Deserto do Namibe às ruas de Lisboa”, pode ler-se no comunicado que apresenta a União.

Macau por agora fica de fora, ainda que não esteja descartada a médio, longo-prazos. “Por enquanto, trabalharemos aqui na Europa, onde nos vamos estruturar primeiro. Mas, nada impede trabalharmos com parceiros lusófonos do mundo inteiro em seguida”, ressalva Chotil.

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Até porque, enfatiza, há um país que não pode ser ignorado: a China.

“Não tenho dúvidas que vista a população, as possibilidades devem ser importantes e não devem ser negligenciadas”, vinca.

“Temos um Saramago Prémio Nobel de Literatura que chamou a atenção para as nossas produções. Fernando Pessoa continua a ser lembrado por mundo afora e o moçambicano Mia Couto tem mostrado o seu trabalho por pontos importantes do globo. Temos autores que conseguiram ultrapassar mares e chegar a outros continentes”, relembra.

“E é isso, reforço, que a União quer fazer com outros e mais nomes da literatura lusófona”.

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