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Reabrir ou não reabrir, eis a questão

Ricardo Oliveira DuarteRicardo Oliveira Duarte*

Se o pico da pandemia no Brasil já chegou ou passou parece não existir consenso, por outro lado, mais fácil é olhar para as notícias ou redes sociais e entender que na capital da Bahia, Salvador, e no estado de forma geral, o debate “reabre/não reabre” espaços comerciais como restaurantes ou centros comerciais está longe de estar estável, aumentado a cada dia.

No país os números de mortos e infectados não param de aumentar, o mesmo sucedendo no estado, com o Brasil a atravessar ainda uma fase muito diferente do que acontece, por exemplo na Europa.

A Bahia teve o primeiro caso de Covid-19 registado no dia 06 de Março, na cidade de Feira de Santana, a cerca de 100 km da capital. Desde aí há cidades e pessoas que têm lidado com a pandemia de forma diferente, sendo que no “chapéu” que toca ao governo do Estado definir a ação primou pelo distanciamento social, uso obrigatório de máscara, testagem e fecho de serviços considerados não essenciais.

Para muitos que têm um negócio fechado há mais de quatro meses o desespero da porta fechada agudiza-se e a contestação às medidas restritivas sobe de tom. “Deixem-nos trabalhar” é o slogan mais ouvido. Não é difícil entender a posição, muitos já gastaram todo o capital de giro para o ano inteiro e os maiores já recorreram a várias centenas de milhar de reais em crédito, isto quando conseguem acesso, visto que a ação dos bancos privados nesse capítulo tem sido absolutamente vergonhosa no Brasil durante a pandemia. Perante a falta de pressão do governo federal, que anuncia linhas de crédito, mas não consegue ter qualquer influência sobre as entidades bancárias responsáveis pela implementação dessas linhas de crédito, que façam o dinheiro chegar aos empresários, a aflição sobe sem fim à vista.

A contrapor aos argumentos pró-abertura estão os números de quem realmente reabriu. Em São Paulo, capital económica do Brasil e a maior da América Latina, vários centros comerciais que retomaram a atividade nos últimos dias viram as lojas terem uma queda de faturação na ordem dos 90%, revelam dados da Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop) . Sem sair da capital paulista, ao estender o olhar aos restaurantes o cenário não muda. Quem voltou a receber clientes diz mesmo que a “conta, no fim, não vai fechar” dada a frequência muito menor e a associação de bares e restaurantes, Abrasel, revela que 59% dos restaurantes da cidade não reabriram.

Com o governo federal a dar (quase) todos os sinais, e passos, errados, governadores e prefeitos (presidentes de câmara) ficaram no epicentro da tempestade que é a pandemia e pelo país viram-se, e vêem-se, as mais diversas abordagens e medidas.  

Pela proximidade tenho testemunhado o verdadeiro braço de ferro que ACM Neto, prefeito de Salvador, e Rui Costa, governador da Bahia, têm travado seja pelo não cumprimento das medidas restritivas seja pela pressão de reabrir os espaços pelos empresários. Agora, uma inadiável visita, com todos os cuidados, ao interior da Bahia mostrou-me outro exemplo: Morro do Chapéu. A 380 km’s de Salvador, a cidade fica na Chapada Diamantina. Mais de quatro meses depois do primeiro caso registado no estado, só se entra e sai do Morro por um local, todas as outras entradas/saídas estão bloqueadas com blocos de betão. No interior da cidade, até dentro dos carros, a esmagadora maioria das pessoas circula de máscara na cara. O comércio está aberto, mas não se vêem aglomerações e fecha tudo às 16h. Aliás, muita gente, ainda que com alguma distância entre si, apenas vi na fila da Caixa Económica, por causa do auxílio emergencial de 600 reais. Os bares e restaurantes só estão abertos para recolha no local ou entrega ao domicílio.

O executivo de Leonardo Dourado Lima fechou totalmente a cidade poucos dias depois daquele primeiro diagnóstico na Bahia, a 06 de Março, excepção aos serviços absolutamente essenciais, mesmo sem qualquer caso positivo em Morro do Chapéu. Começou a ser distribuído um “dístico de residente” que leva a que apenas quem circula sem máscara ou seja novo na cidade a ser parado pelas autoridades de saúde que controlam a única entrada/saída. Passados cerca de 15 dias das primeiras medidas de isolamento parte do comércio reabriu, mas não demorou quase nada até que  chegasse o primeiro resultado positivo na cidade. Voltou tudo a encerrar. Daí para cá os números têm aumentado bastante devagar, e a situação é aquela que contei acima. Dados atualizados esta segunda-feira, 20 de Julho, dão conta de 16 infectados com Covid-19, há 2 dias que não há novos casos.

Quando responsáveis políticos por países do tamanho de continentes desvalorizam o combate a uma pandemia e atiram para o ar que o vírus “é como uma chuva, vai apanhar você”, apetece muito mandá-lo dar uma volta pelo país que deveria liderar. Morro do Chapéu tem uma taxa de população infectada de 0,01%. Todos, ou praticamente todos, entenderam a importância de usar máscara. Naturalmente que o Brasil não é Morro do Chapéu, será bastante menos complexo lidar com uma população de 35.413 habitantes, mas há coisas que são bastante básicas.

Quanto à questão que vale o título deste artigo, parece-me que, para além do óbvio que é apenas ponderar reabrir espaços como restaurantes ou centros comerciais quando os números de mortos, infectados e UTI (Unidades de Terapia Intensiva) comecem a dar mostras cabais de abrandamento, governadores e prefeitos, comerciantes e funcionários deveriam muito seriamente e com muita força pressionar o governo federal do Brasil a obrigar os bancos a cumprirem com a sua obrigação e proporcionarem as condições para que as linhas de crédito aprovadas cheguem até quem precisa efectivamente delas. Imagino que os bancos no Brasil não sirvam apenas para receber mil e uma taxas, serem absurdamente burocratas e estupidamente ricos.

*Jornalista

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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