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Portugal é um país humanitário?

O medo da morte é inimigo do amor pela humanidade.

Adriano Maranhão, canalizador no navio de cruzeiros Diamond Princess, que a 23 de fevereiro passado estava atracado no porto de Yokohama, acusou teste positivo ao vírus da infeção Covid-19.

No Japão estavam com ele, dentro do navio, mais de 700 infetados. Os médicos a bordo combateram a doença com aquilo que tinham: comprimidos de paracetamol, nada mais.

A campanha para o repatriamento de Adriano Maranhão, promovida pela mulher do tripulante do Diamond Princess, ocupou manchetes de noticiários e de imprensa e quando, a 10 de março, ele chegou finalmente a Portugal, já curado, lá o foram receber ao aeroporto, para tornarem pública a solidariedade e empenhamento pela causa, os representantes das autoridades portuguesas: dois secretários de Estado e um presidente de Câmara.

Escrevi, há pouco, que o medo da morte é inimigo do amor pela humanidade… continuo o meu relato.

Doze dias depois da chegada do primeiro português infetado pelo coronavírus, o governo começou a tratar do repatriamento de 1338 passageiros de outro navio de cruzeiro, o MSC Fantasia, proveniente do Brasil e que contava com 27 portugueses a bordo e muitos cidadãos de 38 países, a maior parte do Brasil e de estados da União Europeia.

O navio acostou em Lisboa, autorizado por Portugal, cujas autoridades contrariaram assim, alegando razões humanitárias, o que elas próprias tinham determinado ao decretar, 10 dias antes, o estado de emergência – segundo essa lei, os navios de cruzeiro estão impedidos, desde 12 de março, de atracar em portos nacionais.

Depois de se fazerem testes, chegou-se à conclusão que um dos portugueses a bordo estava infetado pelo novo coronavírus, mas isso não foi impeditivo de se proceder a uma complexa operação de envio, em condições de segurança sanitária, para os respetivos países, de centenas de passageiros e até, a 2 de abril, da aceitação provisória de residência em Portugal de cinco colombianos que estavam em risco de não conseguirem voltar ao seu país de origem.

O humanitarismo e a solidariedades portuguesas, entretanto, não aguentaram a pressão do medo do coronavírus mais de dois ou três meses.

Repito: o medo da morte é inimigo do amor pela humanidade.

A 1 de abril passado o navio Marella Explorer 2 desembarcou um membro da tripulação infetado com COVID-19 para ser internado num hospital mexicano. Os passageiros a bordo foram também desembarcados e repatriados de avião para o país de origem: Inglaterra.

O governo mexicano aceitou esse desembarque por razões humanitárias, tal como Portugal fizera no caso do MSC Fantasia, e, dias depois, o Marella Explorer 2, já sem passageiros, embarcou numa longa jornada para atravessar o oceano Atlântico em direção ao Reino Unido, o país da empresa dona do cruzeiro, com suspeita de ter membros da tripulação infetados e longe de qualquer serviço médico de emergência.

A tripulação, constituída por 728 pessoas, relatou entretanto que dois de seus colegas morreram durante a viagem e que tem pelo menos 142 suspeitas de pessoas com coronavírus.

Ao chegar perto dos Açores, os trabalhadores do navio de cruzeiro pediram ajuda médica e autorização para desembarcar os doentes para serem internados num hospital, uma vez que dentro do navio não há forma de os tratar convenientemente ou de fazer testes ao coronavírus. O pedido foi recusado e, ao que se sabe, não foi dada qualquer alternativa viável de assistência a estas pessoas.

A seguir, o comandante e a médica do Marella Explorer 2 pediram uma autorização para se dirigirem a Lisboa e, aí, atracarem para terem acesso a ajuda médica. O governo português recusou e as explicações pedidas ontem às autoridades nacionais pelos jornalistas que cobriram o tema foram recusadas.

Já tinha dito: O medo da morte é inimigo do amor pela humanidade.

O governo português tem-se gabado constantemente dos seus valores humanitários e diz-se até um exemplo dentro da União Europeia por aceitar receber refugiados que outros países recusam. Quando Adriano Maranhão estava no Japão aceitou empunhar a bandeira da defesa do seu repatriamento e quando recebeu o MSC Fantasia ignorou as críticas dos que tinham medo de que receber esse navio e proceder à operação de repatriamento de mais de 1300 pessoas agravasse o perigo de contágio pela COVID-19 em território português.

Agora, quando tem mais de 700 trabalhadores a pedir ajuda em alto mar, o governo português, que tal como fez anteriormente, os pode apoiar em boas condições de segurança sanitária, recusa fazê-lo.

Repito: o medo da morte é inimigo do amor pela humanidade. Em menos de um mês o governo português, as autoridades nacionais, que se têm mantido no combate ao coronavírus do lado da civilização, cederam ao medo da morte e começaram a dar passos em direção à barbárie com uma primeira recusa que atraiçoa todos os princípios humanitários que publicamente têm defendido.

Espero que este texto ainda vá a tempo de que este país não se afaste um milímetro sequer do amor pela humanidade: é quando o medo nos sufoca que mostramos o que realmente valemos.

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