Início » Mais do mesmo

Mais do mesmo

As opiniões dividem-se sobre o impacto que o caos em Hong Kong vai ter no futuro Governo de Macau. Ao PLATAFORMA, os analistas políticos Ieong Meng U, Sonny Lo, Éric Sautedé e Eilo Yu antecipam o perfil do Executivo que governará a cidade nos próximos cinco anos. Pouco vai mudar, dizem.

Ieong Meng U rejeita que o tumulto sóciopolítico que a região vizinha atravessa face aos protestos que duram há cinco meses tenha alterado os nomes que já estariam na calha para o próximo Governo local. Ainda assim, o professor da Universidade de Macau (UM) ressalva: “Todos os secretários têm de ser aprovados por Pequim. Tendo em conta o que está a acontecer em Hong Kong, o Governo central poderá ter dado mais peso à lealdade política dos candidatos”.

O académico do Departamento de Governo e Administração Pública da UM prefere não lançar nomes. “O que prevejo é que o novo Governo vá ter novos secretários, talvez dois ou três”, antecipa. 

Opta por não dar caras, mas traça perfis tendo em conta os desafios de cada área. Para a Administração e Justiça, começa por enumerar, o novo secretário terá de ser capaz de melhorar o sistema da Função Pública e a fiscalização dos membros do Governo; no setor dos Transportes e Obras Públicas, Ieong sublinha a importância de atender a questões como a habitação pública, a poluição ambiental e a reforma do sistema de transportes públicos – táxis e autocarros – que considera “ineficiente”; na secretaria de Economia e Finanças, o desafio que se coloca, frisa, é a renovação das licenças de Jogo; e no Turismo, o excesso de turistas; resta a Segurança, tema sobre o qual é categórico: “Não acho que Macau esteja a responder aos vários desafios no que respeita à segurança pública. O que sinto na verdade é que Macau passou a ter excesso de segurança nos últimos anos”.

Sobre o próximo líder de Governo, o professor defende que Ho Iat Seng terá uma governação próxima daquele que foi o primeiro Chefe do Executivo da RAEM. “Antecipo que o estilo de Ho Iat Seng seja mais próximo do de Edmund Ho, o que significa que vai ser um líder de reformas, mudanças”, vinca. 

Eilo Yu, do mesmo departamento da UM, diz haver rumores e especulações, entre risos, mas também se escusa a sugerir quem fará parte do novo Executivo. Tem uma certeza: a maioria dos secretários não vai integrar a nova equipa. “Ho Iat Seng já mostrou que quer mudança e por isso diria que não surpreende que a maioria dos secretários não se mantenha”, contextualiza o académico. 

Pistas, não tem. Ideia de quais dos cinco poderão ficar, também não. Sobre o perfil, reforça a ideia de viragem que Ho Iat Seng tanto quer passar. “Quer limpar a imagem do Governo, ou seja, muitas das pessoas que são ativamente participativas na sociedade hoje não serão uma escolha. Vai optar por pessoas com um perfil mais discreto, que não tenham tido protagonismo no Governo de Chui Sai On. Talvez alguns nomes do meio académico”, antevê Eilo Yu.

Do lado de lá

De Hong Kong a perspetiva não muda muito com base na opinião de dois académicos na região vizinha com ligação a Macau. Sonny Lo vai na mesma linha dos académicos locais. Éric Sautedé defende que o contexto da região vizinha terá impacto e arrisca nomes.

Antes, Sautedé sublinha que há um enorme fosso entre o que devia acontecer e o que vai acontecer. “A realidade é que temos pouca noção sobre o que pensa e sente a sociedade em relação ao Governo. O que é o consenso? A visão dos presidentes das associações locais mais importantes que estão todos no poder?”, questiona.

Ao PLATAFORMA, afirma que gostaria de ver diretores competentes serem promovidos (“de quase todos os departamentos e não apenas de Economia e Finanças”, ironiza), juntamente com nomes novos da sociedade civil. Refere Agnés Lam para secretária dos Assuntos Sociais e Cultura como exemplo. Justifica a preferência com vários argumentos: Foi eleita diretamente, é olhada como não pertencendo ao campo pró-status quo ao mesmo tempo que consegue posicionar-se fora do campo que confronta sistematicamente o Governo e o campo pró-sistema. “Ter alguém como O Lam, a atual chefe do gabinete do Chefe do Executivo, como secretária para os Assuntos Sociais e Cultura vai perpetuar uma péssima prática. Mas, infelizmente, é o mais provável”, critica o professor que já deu aulas em Macau. 

O analista, atento e comentador habitual da política local, acrescenta ao leque de nomes possíveis o de André Cheong – Comissário contra a Corrupção – ou Vasco Fong – juiz do Tribunal de Segunda Instância – para a Administração e Justiça, agora liderada por Sónia Chan. 

Se olharmos para os resultados dos últimos cinco anos, apenas os secretários para as Obras Públicas e Transportes Raimundo do Rosário e para a Segurança Wong Sio Chak, acrescenta, merecem ficar por motivos muito diferentes. A questão, recorda, é que Rosário já avisou que só faria um mandato, que termina quando Chui Sai On deixar a liderança. 

“O meu palpite é que haverá alterações marginais, sobretudo no primeiro mandato de Ho Iat Seng. Alexis Tam, Sónia Chan e Raimundo do Rosário deverão ser os únicos a sair. Lionel Leong é visto por muitos com um elemento valioso, incluindo por Ho Iat Seng”, realça. 

Sobre o próximo Chefe do Executivo, Éric Sautedé não espera grandes mudanças tendo em conta que também Ho Iat Seng é um produto do sistema. O que falta saber, realça, é que directrizes receberá do Governo central. “Deve muito mais a Pequim do que alguém antes dele, por isso pode antecipar-se que será muito mais persistente no que Pequim pretende.” 

No entender do analista, o líder do Executivo devia centrar-se em políticas que melhorem o nível de vida, essencialmente na educação, saúde, habitação, ambiente e transportes públicos. “Estou certo que Pequim o encorajará nesse sentido, mas e se assim for, não vai contra aos interesses dos seus aliados, todos os empresários locais que ou estão no Conselho Executivo ou na Assembleia?”, lança. 

Quanto ao impacto que Hong Kong terá no próximo Governo, também aqui discorda dos congéneres locais. Terá sim, contradiz. Para Sautedé, e por causa dos protestos em Hong Kong, Ho Iat Seng será ainda mais determinado em manter o status quo. “É um empresário pragmático que deve a carreira política a Pequim. Como é que alguém pode conceber que tenha a imaginação e margem de manobra para preconizar mudança? Os problemas latentes, na verdade, são bastante similares aos de Hong Kong mas, claro, as sociedades e a mobilização política são extremamente diferentes”, vinca. 

Sonny Lo acredita que a maioria dos secretários se mantêm. Quanto muito, acrescenta, poderão ser nomeados para outra tutela. Exemplifica com a secretaria da Administração e Justiça. O académico considera que Sónia Chan só sai se quiser e a sair, Alexis Tam é um forte candidato ao lugar. “Não espero grandes mudanças”, vinca. 

De Ho Iat Seng enquanto Chefe do Executivo, reitera, não espera alterações drásticas. “Será mais pragmático, mais acessível, mais consultivo. Tem de melhorar os meios de auscultação da opinião pública porque na era de Chui Sai On houve consultas mas subsistiam dúvidas sobre como essas opiniões eram recolhidas e avaliadas pelo Governo. Portanto terá de melhorar o sistema. Poderá ter de melhorar também o gabinete do Chefe do Executivo, de forma a que organize mais seminários e workshops virados para a população. Nos últimos anos, o organismo não foi muito transparente, nem muito ativo nesta área”, comenta.

Rejeita no entanto qualquer efeito colateral face à situação que se vive em Hong Kong. “Não teve impacto na escolha dos nomes do próximo Governo porque é bastante caótica”, defende. 

Lo ressalva ainda assim que o Governo central já frisou a necessidade de se melhorar os mecanismos na seleção dos membros do Governo e Chefe do Executivo de Macau e Hong Kong (Ver páginas 20 e 21). “Pequim tem a expectativa de um sistema mais responsável. Ho Iat Seng terá de escolher candidatos que serão do agrado de Pequim política e administrativamente, mas também responsáveis e mais comunicativos junto de Pequim. Não me surpreende, por exemplo, que tenham de reportar a Pequim com muito mais regularidade”, refere.

Questionado se alguém não obedece aos critérios no Governo atual, Sonny Lo diz que até agora nada a apontar aos olhos do poder central. “Pequim usa Macau como exemplo do sucesso do princípio Um País, Dois Sistemas. Não me parece haver alguém que não cumpra os requisitos. Por isso, a haver saídas ou mudanças dependerão só do Chefe do Executivo”, conclui. 

Catarina Brites Soares 08.11.2019

Contate-nos

Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

Plataforma Studio

Newsletter

Subscreva a Newsletter Plataforma para se manter a par de tudo!