Condeno, desde o início, o lado radical do protesto em Hong Kong, a “guerra civil”, o vandalismo… e a falta de margem negocial dos pró-democratas. Em bom rigor, a maioria da população gere uma espécie de apoio silencioso aos excessos, na esperança de mudar uma vida cada vez mais difícil, com preços de habitação obscenos, salários de luxo para poucos e custo de vida incomportável para todos os outros. Contexto, esse, mais por culpa do capitalismo selvagem e do regime oligárquico na Região Autónoma do que da ditadura comunista. Outra discussão é acreditar-se que é em democracia – e não com a ditadura continental – que se mudam as coisas… Balas reais, vítimas e mártires é que não ajudam ninguém.
Há muito se percebe que o protesto radical encosta à parede as forças policiais, encurraladas entre a missão de manter a lei e a ordem, e o medo de criar mártires e perder o respeito da população e do mundo em geral. Muitas vezes a atuação da polícia tem sido inferior à violência proporcional que se aplica no ocidente em contexto semelhante. É cada vez mais previsível a perda de uma vida humana, pelo que não se percebe a utilização de balas reais. Nunca acreditei na intervenção do exército chinês. Por um lado, é demasiado óbvio o problema de face que isso provocaria à China; por outro, manifestações civis combatem-se com forças especiais de intervenção – e não com militares, treinados para atirar contra o inimigo.
Tudo muda com o tiro que atingiu um jovem na terça-feira, não com balas de borracha, mas com uma munição mortal. A polícia tem arsenal suficiente para combater manifestações sem atirar a matar. Compreende-se que um agente defenda a sua segurança com os instrumentos que tem à mão; por isso não se compreende que entre eles esteja uma arma com munição real. Essa escalada não serve ninguém, muito menos a China.
Paulo Rego 04.10.2019