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Acidentes mancham campanha eleitoral

A campanha eleitoral ainda só vai a meio e já provocou 27 mortes. A saída desordenada de um comício fez dez vítimas mortais, num dia. Acidentes e violência têm marcado os períodos eleitorais no país, mas este ano arrisca-se a ser um dos mais carregados. As autoridades pedem ordem.

Quase todos os serviços em Moçambique abrandam quando há eleições, porque boa parte da população é mobilizada para as ações partidárias de campanha. Multidões formam-se com facilidade em ações de rua, em redor de carros de som estridente.

Casos de violência, confusões, atritos e acidentes fazem parte do retrato. Mas o cenário deste ano começa a ficar carregado quando a campanha ainda só vai a meio. Nas principais cidades, toda a movimentação é ainda maior e há grandes comícios em forma de espetáculo, conhecidos como ‘showmícios’. Desta vez, uma tarde de ‘showmício’ eleitoral na maior cidade do Norte de Moçambique, Nampula, transformou- -se numa tragédia de números expressivos. Uma correria precipitada resultou em 10 mortos e 85 feridos, quando no final da festa a multidão saiu de forma desordenada do estádio da cidade. O Presidente moçambicano e candidato da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), Filipe Nyusi, tinha acabado de se despedir do recinto. O que se seguiu deixou pessoas esmagadas, asfixiadas, pisoteadas. O Hospital de Nampula não teve mãos a medir na noite de 11 de setembro.

Onze dias depois, outras cinco pessoas morrem e 56 ficaram feridas após mais um comício eleitoral da Frelimo, desta vez na vila do Songo, centro do país. Viajavam de regresso a casa, na caixa de carga de um camião, como mercadoria, sem segurança, quando a viatura se despistou e capotou numa encosta. Estes foram os incidentes com mais vítimas, mas houve mais.

O boletim de observação eleitoral do Centro de Integridade Pública (CIP) já contabilizou 27 mortes relacionadas com a campanha eleitoral – destes, três eram agentes da Polícia que escoltavam caravanas da Frelimo. E a campanha ainda só vai a meio: as eleições estão marcadas para 15 de outubro. O bulício implica um grave registo de acidentes, mas a campanha em Moçambique inclui outros traços alarmantes de violência. Em Quelimane, a 15 de setembro, desconhecidos atacaram e deitaram o fogo à casa da mãe de Manuel de Araújo, autarca da oposição na capital da Zambézia, centro de Moçambique, e candidato a governador. O fogo não provocou vítimas e foi ateado por um grupo que, primeiro, espalhou gasolina no local. O imóvel ficou parcialmente destruído. O candidato da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) responsabilizou o partido no poder (a Frelimo) de consentir a violência política que culminou neste ataque. “A primeira reação é de acusar direta e, publicamente, o Presidente Filipe Nyusi e o partido Frelimo por esta tragédia”, disse Manuel de Araújo aos jornalistas. “Desde que começámos a denunciar a perseguição dos nossos [militantes e simpatizantes] nunca ouvi um único membro do partido Frelimo, incluindo o presidente Nyusi, no mínimo a solidarizar-se com as vítimas da violência”, referiu, aludindo a outros casos ocorridos nas últimas semanas.

Detenções em campanha

Os relatos multiplicam-se e facilmente ganham notoriedade com a ajuda da Internet. Quem contesta o poder surge geralmente como quem mais sofre, mas também vão surgindo relatos de agressões por parte da oposição. A 19 de setembro, o boletim do CIP – através da sua rede de correspondentes espalhada pelo país – dava conta de um ataque por parte de simpatizantes da Renamo na província de Tete: num povoado invadiram a residência de um dirigente da Frelimo e noutro agrediram um líder. A violência teria sido a resposta a ações de repressão.

Os casos de violência já levaram à detenção de 29 pessoas em todo o país, segundo as autoridades policiais. A 16 de setembro, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) de Moçambique veio a público pedir ordem. “Estamos preocupados com os episódios de violência e a perda de vidas humanas que têm acontecido ao longo da campanha eleitoral, pelo que apelamos aos concorrentes para se absterem de condutas que possam agravar a situação”, declarou o porta-voz da CNE, Paulo Cuinica.

Grupos armados e o voto

Há ainda um terceiro aspeto que ameaça condicionar o dia de votação: as ações armadas dirigidas por determinados grupos, nalguns territórios. A Missão de Observação Eleitoral da União Europeia (UE) às eleições gerais moçambicanas fez esse alerta. “Há aqui uma incógnita sobre como vão ser realizadas as eleições nestes distritos e nestas zonas, onde tem havido ataques”, no Norte e Centro do país, considera a chefe-adjunta da missão, Tânia Marques.

Os ataques armados “causam um receio que restringe a liberdade de circulação dos cidadãos e dos eleitores”, acrescentou. Por isso, explicou que a missão da UE vai esperar para ver qual será a resposta das autoridades e dos órgãos eleitorais no sentido de garantir que o eleitorado consiga chegar às urnas.

O que está em causa é, sobretudo, a circulação em Cabo Delgado (extremo Norte) e Gorongosa (Centro). Alguns distritos da província de Cabo Delgado, norte de Moçambique, são alvo de ataques de grupos armados desde há dois anos, havendo relatos de violência quase todas as semanas, apesar do silêncio das autoridades. A onda de violência já terá provocado a morte de, pelo menos, cerca de 200 pessoas, entre residentes, supostos agressores e elementos das forças de segurança. Os ataques ocorrem na região onde se situam as obras para exploração de gás natural nos próximos anos. O grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico assume desde junho estar associado a alguns dos ataques, mas autoridades e analistas consideram pouco credível que haja um envolvimento genuíno do grupo terrorista nos ataques, que vá além de algum contacto com movimentos no terreno.

No Centro do país, transportes de passageiros e mercadorias têm sido atacados, desde julho, por homens armados. Um grupo de guerrilheiros dissidentes da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) daquela zona tem ameaçado usar as armas, desde junho, por discordar do processo de desarmamento, mas não clarificaram se estão por detrás dos ataques.

Luís Fonseca 04.10.2019

Exclusivo Lusa/Plataforma Macau

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