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Moçambique vai testar a paz nas urnas

Afonso Dhlakama morreu com a paz a crescer e todas as vozes se comprometem a honrar os compromissos entre ele e o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi. Mas será que o sistema eleitoral vai estar imune a suspeitas que comprometam essa “paz definitiva”? Moçambique inicia um novo ciclo de votações a 10 de outubro.

Todos os protagonistas com responsabilidades no processo de paz em Moçambique, do Presidente da República aos líderes partidários, têm sido ávidos em fazer declarações públicas em que prometem que vão continuar a trabalhar para que haja sossego e desenvolvimento no país. Tudo para garantir que a morte de Afonso Dhlakama não vai mudar o cenário.

No entanto, nas redes sociais são lançadas informações falsas. É um processo recorrente em Moçambique (em que, há meses, até um comunicado da Presidência da República foi falsificado ao detalhe e distribuído por Whatsapp). O dia das cerimónias fúnebres de Dhlakama não foi exceção: Foi lançado o rumor de que se tinha reacendido o conflito militar no centro do país, onde ia passar o cortejo funerário. Tudo falso. Entretanto, foram sendo divulgadas alegados apelos de dirigentes políticos para um regresso à violência e radicalização. Declarações que ninguém proferiu. Mais uma vez, tudo falso.

Alguns políticos e diplomatas, que também recebem estas informações, confessam, em surdina, temer que seja sinal que de há gente pronta para, aproveitando a morte de Dhlakama, destabilizar o país. Há também analistas com teses para todos os gotos. Mas tentar encontrar a fonte de tais receios não leva a lado algum. Os únicos rostos visíveis e credíveis no atual cenário político moçambicano convergem todos no suporte aos acordos que já vinham sendo alcançados entre o chefe de Estado, Filipe Nyusi, e Afonso Dhlakama.

“Iremos prosseguir a obra que juntos iniciámos”, referiu Filipe Nyusi no elogio fúnebre a Dhlakama, na cerimónia realizada no largo da estação ferroviária da Beira, a 09 de maio. O Presidente da República frisou a determinado ponto da sua intervenção que os pontos negociados entre ele e Dhlakama estão devidamente registados e que a sua preservação está garantida. Trata-se de “património seguro”, destacou, referindo ser informação do conhecimento da equipa mais restrita de Afonso Dhlakama, mesmo não fazendo parte de comissões formalmente constituídas para as negociações. Além desse círculo, há outras pessoas que acompanharam o processo, embora algumas delas “invisíveis aos olhos do público”, acrescentou. Uma semana e um dia depois, Nyusi acrescentou numa cerimónia pública que já tinha dado continuidade ao diálogo com a nova liderança da Renamo.

Quem está do outro lado é Ossufo Momade, que foi escolhido como “coordenador dos trabalhos da comissão política nacional” da Renamo até que seja escolhido um novo líder, que substitua Dhlakama. A escolha do tenente-general foi feita por unanimidade e, logo nas primeiras respostas a jornalistas, Momade disse que o partido quer honrar os acordos negociados por Dhlakama com Nyusi. “Nós vamos dar honra e dignidade ao trabalho que ele [Afonso Dhlakama] iniciou”, referiu. “Não vamos fazer outra coisa além daquilo que ele já havia iniciado e esse trabalho já está na Assembleia da República”, onde os deputados da Renamo “vão poder decidir” o destino das matérias, acrescentou.

O líder da oposição e o Presidente de Moçambique já tinham divulgado, em fevereiro, um acordo acerca da descentralização do poder, permitindo a eleição de autoridades regionais e locais. A proposta de alteração constitucional para acomodar o acordo, a tempo das eleições autárquicas de 10 de outubro, encontra-se em discussão na Assembleia da República e todas as bancadas parecem empenhadas, trabalhando em contrarrelógio, para que não seja o processo legislativo a que dão corpo a emperrar a paz definitiva.

Ficou por anunciar antes da morte de Dhlakama um outro entendimento relativo à desmilitarização, desmobilização e reintegração do braço armado da Renamo – ao qual Nyusi já disse querer dar andamento. Aliás, quando o referiu, ao discursar nas cerimónias fúnebres de Dhlakama, foi o momento em que recebeu mais aplausos de uma plateia dominada por simpatizantes da Renamo. Um novo acordo para a paz em Moçambique depende dos dois dossiês e, se dúvidas houvesse, aquele aplauso de milhares dissipou-as.

Transparência eleitoral em questão

Muitos dos receios sobre instabilidade são alimentados por falsas informações que regularmente são postas a circular em Moçambique. Mas há um risco real e verdadeiro, refere Daviz Simango, presidente do terceiro partido com assento parlamentar em Moçambique e líder do município da Beira, a capital da província em que Dhlakama se refugiava – Sofala, onde se situa a Serra da Gorongosa, domínio dos seus esconderijos. A incapacidade de o sistema eleitoral estar imune a suspeitas é hoje, como no passado, um rastilho pronto a atear, acredita aquele responsável – numa posição em que é acompanhado pelo Centro de Integridade Pública (CIP), organização da sociedade civil moçambicana. “Dhlakama foi sempre protestando e indo para as matas. Não gostaríamos que situações do género se repetissem”, aponta Daviz Simango. 

O autarca da Beira acredita que nunca mais terá a guerra à porta, apesar de o braço armado da Renamo continuar nas matas, sem o líder Dhlakama. “Eu tenho confiança. Haverá segurança. Conheço as pessoas, conheço o pessoal da Renamo e eles vão cumprir o desejo” de Dhlakama, “mantendo o cessar-fogo”. No entanto, “esse processo vai ser sinuoso”. “O partido no poder tem de ser mais aberto, criar um conforto e uma certa confiança para que todos aqueles que estão nas matas compreendam que a nossa luta não pode continuar a ser uma luta de armas. A nossa única arma é o cartão de eleitor”, refere.

Daviz Simango considera que a grande batalha pela democracia está na organização do sistema eleitoral moçambicano. “É fundamental que o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) esteja dentro da Comissão Nacional de Eleições (CNE)”, defende. “Os processos eleitorais em Moçambique são ganhos através de fraudes, por situações não transparentes e é por isso que exijo que os órgãos eleitorais, sobretudo o STAE, esteja integrado na CNE. Se tivermos coragem suficiente e criarmos condições para que os órgãos exerçam a sua função a favor dos direitos do cidadão, estaremos a evitar conflitos amanhã”, destaca.

O Centro de Integridade Pública (CIP) divulgou, em março, um estudo baseado na província de Nampula segundo o qual o processo de tomada de decisões nos órgãos eleitorais é marcado por desconfianças e não é participativo. Esta organização e outros observadores queixaram-se também de erros recorrentes nos cadernos eleitorais, na distribuição de material e no acesso a mesas de voto na eleição municipal intercalar de Nampula, realizada a duas voltas, em janeiro e março – erros que não terão influenciado a votação, referiram observadores de uma missão norte-americana. Mas a confiança parece sair minada. 

O mesmo tipo de queixas ao nível da organização foi feito pelo CIP sobre o recenseamento eleitoral que decorreu entre 19 de março e 17 de maio. As eleições autárquicas estão marcadas para 10 de outubro e abrem um ciclo eleitoral que inclui as eleições provinciais e gerais – para Presidente e para a Assembleia da República – a 15 de outubro de 2019. 

Luís Fonseca-Exclusivo Lusa/Plataforma Macau  25.05.2018

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